“Não temos vagas liberadas para consultas com o ginecologista no Novo Horizonte, senhora. E com o clínico geral eu estou com a mesma situação, não estou tendo vagas.” Foi o que a reportagem da Rádio 730 escutou de um atendente do Teleconsulta do munícipio, ao tentar agendar uma consulta no Centro de Assistência Integral a Saúde – Cais, do setor Novo Horizonte.

Por meio do teleatendimento, um paciente pode marcar uma consulta com um clínico geral, ginecologista ou pediatra, médicos considerados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) como atenção básica à saúde. O serviço é feito pelo 0800-646-1560 e funciona das 7 às 19 horas diariamente, até mesmo feriados. O serviço funciona, mas é difícil conseguir um horário. Depois da tentativa frustrada, o atendente recomendou para a produção da Rádio 730 retornar a ligação em outro dia e horário para verificar se haveria vagas para o Cais do setor Novo Horizonte, porque as vagas surgem eventualmente, não possuindo um critério para a disponibilidade de novas.

De acordo com a SMS, Goiânia dispõe hoje de 325 médicos especialistas lotados nos Centros Integrados de Assistência Médica-Sanitária (Ciams) e nos Cais. Entre estes, a maior quantidade de profissionais está nas áreas de Ginecologia, com 54 médicos e Pediatria, com 43 atuantes. Entretanto, o número ainda é insuficiente para atender adequadamente a população que carece do serviço público de saúde, o que pôde ser comprovado quando a equipe da Rádio 730 tentou agendar uma consulta com médico ginecologista e não havia vagas disponíveis.

Durante o feriado de Páscoa, quem necessitou de atendimento de urgência em alguns Ciams ou Cais da capital deu com a cara na porta.  A equipe de reportagem da Rádio 730 foi até o Cais do Novo Horizonte, que atende 24 horas, e encontrou trancadas as grades do corredor que dão acesso aos consultórios e os funcionários de braços cruzados. Sem saber que estava sendo gravada, a recepcionista da unidade de saúde informou que não havia médicos trabalhando, apenas um pediatra plantonista. Além disso, a servidora alegou que a falta de médico não estava relacionada com o feriado, que a ausência dos profissionais já é rotineira. De acordo com a atendente, vários médicos pediram demissão ou foram exonerados e não foram substituídos. (Ver vídeo)

Em janeiro deste ano, foi descoberto um esquema de corrupção envolvendo médicos e funcionários do Cais do Novo Horizonte.  A denúncia dava conta que três diretoras e a assistente administrativa assinavam a folha de ponto dos médicos que participavam do esquema e faltavam aos plantões. O documento ia para a SMS, que fazia o pagamento no fim do mês. Os médicos recebiam o salário e o dinheiro da fraude era dividido entre o grupo. As servidoras também assinavam a folha de ponto de médicos faltosos que não participavam do esquema. Quando o salário era depositado, esses médicos avisavam às chefes que o valor estava maior. As diretoras, então, diziam que tinha acontecido um erro no sistema e que o valor excedente deveria ser devolvido para uma conta bancária indicada por elas. Uma sindicância foi instaurada para apurar os fatos.

O secretário Municipal de Saúde, Fernando Machado, nega a falta de médicos em Goiânia. Segundo ele, para conseguir atendimento com um médico ginecologista, por meio do Teleconsulta, o paciente terá de esperar em média de 15 dias – do agendamento ao dia da consulta. Situação que não foi constatada pela reportagem. O secretário afirma que a demora em se conseguir consultas em outras áreas, como Neurologia, Oftalmologia e Endocrinologia, se deve aos pacientes vindos do interior. “Goiânia é referência em saúde para todo o Estado e para outros estados também. Por isso, temos um déficit muito grande nas áreas especialistas. Os médicos contratados pela prefeitura atenderiam os pacientes goianienses tranquilamente, não haveria fila de espera. Mas, o munícipio tem que fazer esse papel de capital e atender todo o Estado.”

Embora Machado associe a dificuldade em conseguir atendimento médico especializado ao grande número de pacientes interioranos, os dados fornecidos pela própria SMS apontam um número limitado de profissionais.  Especialidades como Endocrinologia, Nefrologia, Proctologia, Psiquiatria e Alergista são algumas das áreas com maior insuficiência de médicos e problemas com a falta de atendimento na rede pública.  Na capital, apenas seis médicos endocrinologistas atendem pelo SUS e três proctologistas. O tempo de espera para uma consulta com um endocrinologista, por exemplo, pode chegar a um ano.

Informações repassadas pelo Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idtech), responsável pelo agendamento de consultas dos pacientes pelo telefone, no primeiro trimestre do ano passado, 155.861 consultas foram marcadas. Enquanto no mesmo período deste ano, o número de consultas foi de 117.081 (dados até o dia 26 de março).  Quase 40 mil agendamentos não foram feitos em comparação ao ano passado por falta de médicos. A Assessoria de Comunicação do Idtech afirma que não houve nenhum tipo de paralisação no atendimento via telefone que justificasse a falta de atendimento. Já a SMS culpa a epidemia de dengue que atinge o Estado.

Leonardo Mariano ReisO presidente do Sindicato dos Médicos, Leonardo Mariano Reis, associa esse déficit de profissionais no serviço público à má qualidade das condições de trabalho, as baixas remunerações e, ainda, a não existência de um plano de carreira. Ele critica que o atendimento especializado pelo SUS é desmotivador para os médicos, o que compromete gravemente a qualidade da assistência prestada à população. “O SUS não oferece qualidade de trabalho, sobretudo para os especialistas, que necessitam de equipamentos e materiais especializados”, observa o presidente do Sindicato dos Médicos, Leonardo Mariano Reis.

Em Goiânia, a SMS paga aos médicos o valor de R$ 4.500 mensais, para uma carga horária de 20 horas semanais enquanto a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) estipula que o piso salarial da categoria seja de R$ 10.412 para essa carga horária. Ou seja, os médicos que atendem na capital pela rede pública ganham duas vezes menos que o estabelecido pela federação. Os baixos salários tornam inviáveis, dessa forma, a permanência dos médicos no setor público, o que é nitidamente confirmado se for avaliado o quadro de médicos do SUS e o de uma empresa privada de plano de saúde em Goiânia. Enquanto a SMS dispõe de apenas 1.800 médicos, somando especialistas e clínicos gerais, atendendo cerca de 80% da população da capital e também pessoas que chegam do interior em busca de tratamento, a Unimed, um dos maiores planos privados do país, tem hoje 2.850 médicos cooperados em Goiânia para atender 316.960 beneficiários.

Salomão RodriguesA deficiência no gerenciamento do SUS é um agravante da deficiência de médicos na rede de saúde pública no município. O presidente do Conselho Regional de Medicina de Goiás, Salomão Rodrigues Filho, critica a falta de recursos e a desvalorização do médico. No Programa de Saúde da Família (PSF), por exemplo, quase nunca há médicos especialistas atendendo, e muitas vezes nem mesmo médicos são encontrados, apenas profissionais de outras áreas da saúde. Isso, de acordo com o presidente do CRM Goiás, demonstra a falta de seriedade na administração do sistema. “Já têm mais de 20 anos que o SUS foi criado e até hoje ele é somente uma promessa. Muito bonito no papel, mas na prática a realidade é totalmente diferente”, condena.

Outro fator que pode ser associado à carência de médicos no SUS é a falta de residência médica. Salomão Rodrigues explica que hoje a medicina está avançada e o número de informações que são descobertas e agregadas todos os dias tornam inexequível a existência de um médico generalista. Ou seja, a medicina deve ser divida em especialidades, como já acontece, para que cada profissional se aperfeiçoe e se dedique em sua área de atuação.  “Todos os anos, 17 mil médicos saem das faculdades de medicina do País, contudo existe menos da metade deste número de vagas em residências médicas. Estamos formando médicos, mas só metade deles podem se tornar especialistas”, conclui. Por isso, resta para a rede pública de saúde os médicos recém-formados, sem especialização, ou já aposentados, cuja aposentadoria não dá para manter um bom padrão de vida.

O secretário de Saúde, Fernando Machado, estima que com as novas contratações e convocações de aprovados em concursos públicos, a demanda de pacientes sem atendimento seja suprida em médio prazo.  Há a possibilidade ainda de convênios com hospitais de grande porte e também filantrópicos da capital. “A secretaria tem feito os concursos e promovido os chamamentos dos aprovados, temos uma média de 60% de aderência dos convocados”, afirma o secretário. Entretanto, a grande dificuldade da rede pública de saúde hoje em Goiânia é a evasão dos profissionais. Desde o início do ano, 230 médicos pediram redução da carga horária e 70 médicos pediram o desligamento.