Manaus, Porto Alegre, Recife, Campo Grande, Rio de Janeiro, La Paz, Lima, Buenos Aires, Assunção, Goiânia.
Estes são apenas alguns lugares que José Rodrigues Gonçalves, de 68 anos, ou melhor, o Zé do Caminhão, conhece por viajar pelos quatro cantos do Brasil e países da América do Sul.
Ele veio ao mundo em 4 de abril de 1943, no Estado do Espírito Santo. Já criança, o sonho já veio à cabeça de ser caminhoneiro. “Eu fazia uma ponte com um monte de areia do lado e um monte do outro, e enchia o caminhãozinho de areia e fazia o trajeto por aquela ponte que eu criei”, relata.
Na juventude, José Rodrigues ingressou no exército brasileiro, e nesse período, o sonho começou a se tornar realidade. Ao terminar o tempo de serviço obrigatório, a figura de José Rodrigues ficou para trás, e surge então Zé do Caminhão.
“Cheguei sabendo que deveria cumprir todas as regras para ser um cidadão, e de lá já tinha um sonho de ser caminhoneiro”.
- Ouça a entrevista concedida ao repórter Samuel Straiotto:
{mp3}stories/audio/Reportagens_Jornalismo/2011/samuel straioto – especial z do caminho{/mp3}
Durante as várias viagens que fez, Zé do caminhão percebeu os mais duros contrastes que ocorrem em nosso país. O Brasil é uma das maiores economias do mundo, repleto das maiores naturezas, mas parte da população brasileira ainda vive a diferença na pele.
“Eu não concordo com a distribuição de renda no país, é muito injusta. As pessoas do Nordeste sofrem demais, são as pessoas que eu conheci que mais sofrem. Isso doía muito meu coração. Eu nasci para servir, não para ser servido”, destaca o ex-caminhoneiro.
Maior caminhão do país
Um destaque para Zé do Caminhão foi o fato de ter dirigido um veículo de 87 metros de comprimento, e que carregou um navio, entre o porto de Recife até a Ilha do Marajó, no Pará.
“Eles queriam um motorista carreteiro que conhecesse a estrada. Eles viram essa qualidade em mim e me selecionou a dirigir um caminhão com 32 eixos. Eu tive essa oportunidade, de ser o motorista do maior caminhão do país”, relembra.
Ao longo do percurso de caminhoneiro, frases marcaram a vida de Zé do Caminhão. Elas o destacaram entre outros colegas de profissão. Em 1969, durante uma inauguração na cidade do Rio de Janeiro, Zé do Caminhão escreveu duas frases de alerta para os motoristas. Até hoje estas cidades estão entre os condutores.
Frases famosas
“Fui selecionado no meio dos caminhoneiros. Escrevi duas frases, e elas foram eleitas, que poderia proteger várias vidas. São elas: ‘Na dúvida, não ultrapasse’, e ‘Calma amigo, perde um minuto na vida, para você não perder a vida em um minuto’”.
Juscelino Kubitschek, Sérgio Reis, Aguinaldo Timóteo, Erasmo Carlos, Roberto Carlos, Sula Miranda são alguns famosos que marcaram trechos na vida de Zé do Caminhão. Ainda na inauguração no Rio de Janeiro, Zé conheceu Sula Miranda, considerada a “Rainha dos Caminhoneiros”.
“Eu era o líder dos caminhoneiros no Estado de Goiás, e fui convidado para a inauguração, e isso me marcou bastante porque tive oportunidade de conhecer gente famosa. A Sula me deu um abraço em cima do palanque, e isso não pegou bem pra mim nem pra ela, já que ela não era comprometida, mas eu era comprometido”.
Amizades
Na juventude, Zé do Caminhão ainda conheceu outra realeza da música brasileira: Roberto Carlos. Os dois jogavam futebol juntos no Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo.
“Cheguei a jogar bola junto com o Roberto Carlos e Erasmo Carlos na nossa rua, e aprendi muita coisa com o Aguinaldo Timóteo, que conhecia muito de artes marciais”.
Acidente
Depois de tantas alegrias como caminhoneiro, Zé do Caminhão recebeu um duro golpe. Em um grave acidente no Ceará, ele ficou 18 dias internado em uma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo).
“Eu saí de Fortaleza rumo à Goiânia, e tinha comido uma pizza estragada que me deu uma congestão, e acabei desmaiando enquanto dirigia. Tinha um acidente na pista, que estava interrompida, e acabei batendo na traseira de um caminhão que estava parado. Quebrei tudo, e só Deus me resgatou”, lembra.
Zé do Caminhão perdeu a vista de um olho, se recuperou e continua a vida de caminhoneiro, porém, fica cego de outro olho.
“Eu saí das estradas porque perdi a vista esquerda, e comecei a forçar muito com uma vista só, e a pressão do meu olho direito aumentou demais, e queimou o nervo óptico do olho direito, perdendo a vista, e tive que abandonar as estradas”, lamenta.
Saudades e Família
O convívio de Zé do Caminhão com os companheiros e lugares que passou são elementos que deixaram saudades na vida do agora ex-caminhoneiro. Zé do Caminhão se emocionou a falar da falta destes ingredientes que por tanto tempo fizeram parte da sua vida.
“Tenho saudades não só dos meus colegas de estrada como também dos vários pontos das cidades que fiz amizades, postos de gasolina e borracheiros, mas tenho um sonho de voltar hoje em dois lugares: Ilha do Marajó, em Belém, e Porto Velho, onde eu tenho um filho famoso, mas ele não me reconhece como pai”.
Zé do Caminhão vive hoje em uma casa simples na Rua Buenos Aires, no Setor das Nações, região Oeste de Goiânia. A paixão de guiar um caminhão pelas estradas permanece na família. O filho mais velho, Vanderlei Rodrigues Gonçalves, de 51 anos, também é caminhoneiro, e fez de Zé do Caminhão um pai orgulhoso.
“Ele aprendeu a dirigir caminhão e carreta sem eu ensinar, e está dando continuidade na minha vida, porque hoje ele é um carreteiro e coloca um Bi-trem na estrada com muita consciência, por nunca ter cometido nenhum acidente”.
Sonho. Esta é uma palavra que acompanhou a trajetória de Zé do Caminhão, e que retrata um percurso feito por um vencedor.
“Posso dizer que fui um caminhoneiro bem sucedido, graças a Deus”, completa José Rodrigues Gonçalves, o Zé do Caminhão.
Esta é uma reportagem especial de Samuel Straiotto