Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

“Ser mãe atípica é viver no limite do amor e da exaustão”, diz jornalista

No mês em que se comemora o Dia das Mães, o programa Pauta 2 trouxe à tona uma realidade pouco discutida, mas vivida por milhares de brasileiras: a maternidade atípica. São mulheres que vivem para cuidar dos filhos com deficiência, muitas vezes sem rede de apoio, enfrentando sobrecarga, invisibilidade e uma solidão avassaladora.

Carla Lacerda, jornalista e mãe de João Lucas, de 12 anos, que tem autismo, foi a convidada especial da edição. Ao relatar o momento do diagnóstico, Carla destacou o impacto emocional vivido pelas mães. “É como se te entregassem outro filho e levassem aquele que você imaginava. A partir dali, você tem que reelaborar sonhos, ressignificar planos e encarar um futuro repleto de incertezas.”

O diagnóstico de João Lucas veio por volta dos dois anos de idade, após uma série de encaminhamentos médicos e avaliações clínicas. Além da dificuldade emocional, ela chama atenção para o despreparo das estruturas públicas e privadas para lidar com a demanda crescente por terapias e acompanhamentos especializados.

“É desesperador ver que o SUS não dá conta. Os planos de saúde negam cobertura. E mesmo se todas as famílias tivessem como pagar, ainda faltariam profissionais capacitados no Brasil.” Outro ponto sensível destacado por Carla é a ausência da figura paterna em muitos contextos de cuidado.

Segundo ela, o peso recai quase integralmente sobre as mães. “Para cada 10 pessoas que levam os filhos às terapias, 8 ou 9 são mulheres. Existe essa responsabilização da mãe, como se a rotina da criança fosse só dela.” Carla fez questão de enfatizar a sobrecarga emocional e física que enfrenta diariamente.

“O João tem distúrbio do sono. Tem dias em que ele vira a noite sem dormir, e eu vou trabalhar sem ter dormido também. Não é um ou dois dias, são três, quatro… E o mercado espera que você funcione como se nada estivesse acontecendo.” Ela também apontou a necessidade de políticas públicas e olhares mais humanos. “Falta acolhimento, falta compreensão. Existem iniciativas como a do Sebrae no Rio de Janeiro, que criou uma linha de fomento para mães atípicas empreendedoras. Mas são ações isoladas.”

Carla ainda compartilhou o peso emocional, as rupturas afetivas e os caminhos que precisou reinventar. “Você deixa de ser só a mulher, a profissional, a amiga… e vira a mãe que luta, a mãe que cuida, a mãe que sobrevive.” Ela contou que, apesar de não ter sofrido abandono familiar, sentiu a distância de muitas amizades após o divórcio.

“Quando o casal se separa, você percebe que os amigos eram do casal. Aquelas amigas casadas passam a ter outros compromissos. Mas também encontrei outras amizades, especialmente com mães atípicas.” A amizade também ganhou novos significados.

Ela relembra com carinho o gesto de uma amiga típica que, mesmo sem ter filhos com deficiência, decidiu acompanhá-la a um congresso de autismo. “Ela não precisava estar naquele universo, mas por ser minha amiga, se interessou. Eu fiquei tão feliz”, compartilhou, emocionada. Carla falou ainda sobre a difícil tarefa de resgatar a própria identidade.

“A Carla mulher ficou muito tempo de molho”, desabafou. Um momento simbólico de reconexão consigo mesma aconteceu quando, após muito tempo, viajou com amigas. “Eu tenho 44, mas fiz amizade com meninas de 19, 20 anos. E nessa viagem eu pensei: ‘Uau, a Carla tem sonhos. A Carla tem necessidade de lazer, de vida social, de paquerar’.”

Mas junto da reconstrução pessoal vem o peso da responsabilidade. “A gente fala que a maternidade traz o medo de morrer. Porque ninguém vai cuidar dos nossos filhos como a gente. E aí você percebe: se eu não me cuido, como vou cuidar dele?” A psicóloga Joyce Iverissimo, convidada do programa, reforçou o alerta. “A sobrecarga emocional pode desencadear ansiedade, burnout, depressão. O acompanhamento terapêutico é essencial não só para a criança, mas para a mãe também.”

Carla reconhece que políticas públicas vêm avançando, mas ainda de forma tímida. Ela citou a recém-sancionada Semana Estadual da Mãe Atípica, no estado de Goiás, como exemplo positivo. “É uma oportunidade para promover discussões sobre a sobrecarga emocional e a necessidade de assistência psicológica e psiquiátrica.”

Ela também defendeu uma união de esforços entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil. “Conheço um cartório em Aparecida de Goiânia onde pais e mães atípicos têm prioridade, mesmo que o local não tenha ligação direta com o autismo. Isso é empatia. Isso é política pública na prática.”

No encerramento do programa, Carla deixou uma mensagem direta às mães atípicas. “Eu entendo essa dor. Eu entendo esse luto. São sonhos interrompidos. E sonhos são importantes, são preciosos. As pessoas que não têm sonhos, não têm esperança. E sem esperança, é difícil continuar. Mas a gente continua. Pela gente e pelos nossos filhos.”

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem-Estar

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