Apenas metade dos estudantes brasileiros aprendem matemática de forma adequada, diz estudo

Em meio aos desafios persistentes da educação brasileira, apenas 52% dos alunos atingem um desempenho considerado adequado em matemática. A informação é fruto de um estudo recente realizado pelo Movimento Todos pela Educação, em parceria com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Educacional (IED). O dado, discutido no programa Educação em Pauta, escancara a dificuldade histórica do país em garantir uma aprendizagem efetiva na disciplina.

Para analisar o cenário e propor caminhos possíveis, o programa recebeu o professor Rogério da Silva Cavalcante, docente de matemática do Instituto Federal de Goiás (IFG), campus Goiânia. Segundo o professor, o problema é multifatorial e envolve esferas distintas.

“Acho que é uma situação bem complexa que envolve três grandes conjuntos: o macro, que seria o MEC e os governos; o micro, que é o chão da escola; e a família”, explicou Cavalcante. Para ele, as lacunas na aprendizagem surgem cedo e são potencializadas ao longo da trajetória escolar.

A dificuldade, na visão do educador, muitas vezes começa quando o ensino da matemática se torna abstrato. “Tem meme que diz que quando entra o ‘X’, as pessoas ficam loucas com matemática. Enquanto era só número, elas até conseguiam acompanhar”, brincou, ao destacar a ruptura comum que ocorre nas séries finais do ensino fundamental, quando a linguagem algébrica é introduzida.

A falta de estímulo e de significado no aprendizado também são apontados como fatores de desmotivação. “Se você não cria uma relação de significado com o que está estudando, você se desmotiva. Fica tudo muito forçado, goela abaixo, com regra e decoreba. Isso desestimula”, afirmou o professor, que criticou ainda o modelo tradicional de ensino. “É uma reprodução sistemática alienante. A pessoa executa, mas não entende o que está fazendo.”

O cenário já era crítico, mas se agravou com a pandemia de Covid-19, segundo o professor. O ensino remoto imposto pela crise sanitária deixou marcas profundas na aprendizagem. “Até hoje reverberam os malefícios da pandemia. O aluno estava sozinho em casa, sem convívio, sem estímulo, às vezes com tarefas domésticas e sem acesso adequado à internet”, relatou Cavalcante.

Ele também destacou a dificuldade enfrentada pelas famílias no período. “Imagina, de repente, por causa da pandemia, isso ficar na conta dos pais. Mesmo que eles estivessem em casa, precisaria de muito mais preparo”, avaliou.

Em resposta ao déficit de aprendizagem acumulado, o IFG criou projetos de recuperação de conteúdos no contraturno escolar. “Usamos outra dinâmica, outros procedimentos metodológicos para tentar recuperar o que foi perdido. Mas ainda vemos muitos alunos com grandes dificuldades”, reconheceu o docente.

Para o educador, um dos principais aliados nesse processo é a tecnologia, desde que utilizada de forma consciente. “Você pode elaborar aulas com movimento, com ideias de fração, com recursos digitais que antes não estavam disponíveis. Às vezes eu gravo minhas aulas, porque sei que nem todos os alunos conseguem estar presentes ou precisam revisar o conteúdo.”

Além do uso da tecnologia, ele destaca o papel das metodologias ativas e do contato com futuros professores como oportunidades de renovar o ensino. “Tenho o prazer de receber estagiários da licenciatura em matemática. É inspirador ver como eles trazem metodologias diferentes das que eu estou acostumado, com uso de material concreto, laboratórios, pesquisa. A matemática permite isso.”

No entanto, ele ressalta que nenhum professor encontra uma sala de aula ideal. “A pessoa tem que ter consciência de que não vai encontrar uma sala perfeita, com todos quietos, bem alimentados, com estrutura familiar. Precisa estar disposto a fazer acontecer, a buscar sempre. Eu me formei em 2006 e ainda estou aprendendo.”

A defasagem nas operações básicas — somar, subtrair, multiplicar e dividir — tem sido um obstáculo recorrente, especialmente nos anos finais do ensino fundamental. “É um efeito cascata. O aluno não consegue avançar em conteúdos mais complexos e se afasta da matemática.”

Para enfrentar essa realidade, ele defende uma abordagem sensível, que acolha o aluno sem expô-lo. “Se o professor ridiculariza o aluno diante da turma, ele se fecha. Eu sempre digo: se não souber, pergunte. O impacto maior é emocional. O aluno começa a achar que é inferior.”

O apoio familiar é apontado como um fator decisivo. “Se a família não apoia, o aluno perde até o sentido de ir para a escola. Por isso, é fundamental um trabalho conjunto: professor, escola e responsáveis.”

Uma das estratégias que o docente utiliza é incentivar o protagonismo do aluno. “Indico o Portal da Matemática e estimulo a participação nas Olimpíadas de Matemática. Essas competições desenvolvem lógica, criatividade e mostram que ele pode pensar e resolver problemas, mesmo sem decorar fórmulas.”

Apesar das dificuldades, o professor demonstra esperança. “Mandei até uma mensagem para as professoras do estágio dizendo: estou cheio de esperança com os futuros professores. Claro, não todos, mas muitos mostram vontade de fazer diferente.”

Ao final da conversa, ele faz questão de destacar uma realidade paradoxal: “O ensino básico enfrenta muitas dificuldades, mas o Brasil é referência em matemática pura e pesquisa. Já ganhamos até medalha. Então, temos potencial. Falta agora conectar essa excelência à base.”

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade

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