Uma aliança estratégica que movimenta bilhões e pode redefinir o futuro econômico do Brasil. Assim tem sido encarada a nova etapa nas relações entre Brasil e China, selada com a assinatura de 36 acordos que abrangem áreas como inovação tecnológica, infraestrutura, energia limpa e agronegócio. O aprofundamento da parceria foi tema do programa Pauta 2, que trouxe uma análise detalhada sobre os impactos dessa relação, tanto no plano global quanto local.
Recebido com honras no Palácio do Povo, em Pequim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva firmou com o líder chinês Xi Jinping uma série de compromissos bilaterais que sinalizam um reposicionamento estratégico. “Nunca um número tão grande de projetos foi discutido de maneira sistemática em tão pouco tempo”, afirmou Lula, destacando a importância da cooperação entre os dois países em setores-chave.
Os acordos incluem desde a integração entre o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e a iniciativa chinesa Cinturão e Rota até memorandos sobre inteligência artificial, agricultura, saúde e reflorestamento. “Vamos consolidar e elevar nossa confiança mútua estratégica de maneira constante”, afirmou Xi Jinping, ressaltando a sinergia entre os planos de desenvolvimento das duas nações.
Durante o programa, o economista e professor Júlio Pascoal destacou que os benefícios superam os riscos. “Eu acho que nós só temos ganhos. Vamos importar tecnologia, melhorar nossa exportação do agronegócio e ampliar nossa presença no setor de energia limpa”, disse. Para ele, a relação tornou-se ainda mais relevante após o endurecimento das políticas comerciais dos Estados Unidos. “Depois desse tarifaço americano, a China passa a ser, se não o melhor, o principal parceiro comercial do Brasil”, completou.
O especialista também apontou semelhanças ideológicas entre os governos de Lula e Xi Jinping, especialmente quanto à preocupação social e à busca por uma ordem mundial mais equilibrada. “Ambos defendem uma visão menos individualista, com foco no bem-estar coletivo e na redução da desigualdade”, explicou Pascoal.
Reflexos em Goiás e no Centro-Oeste
A nova fase da parceria Brasil-China já apresenta desdobramentos concretos em Goiás, terceiro maior destino de investimentos chineses no país. Entre os projetos em discussão, destaca-se um corredor de transporte ligando o litoral brasileiro ao oeste do país, que pode reduzir custos logísticos e funcionar como alternativa ao canal do Panamá.
“A deficiência em infraestrutura ainda encarece nossos produtos. Enquanto a média mundial de frete gira em torno de 25 a 30 dólares por tonelada, o nosso ultrapassa 70. Isso precisa mudar”, afirmou Pascoal, defendendo investimentos em ferrovias, hidrovias e portos. Segundo ele, a China pode ser fundamental para viabilizar essas obras por meio de parcerias público-privadas, especialmente diante das limitações orçamentárias do governo federal.
O professor citou ainda o caso de Catalão, cidade goiana com forte presença industrial. “Catalão já tem uma empresa chinesa explorando terras raras, fundamentais para a indústria de chips. Agora, com a visita de Lula à China, há negociações para uma parceria entre a montadora Mitsubishi e a chinesa JAC Motors”, revelou. Segundo ele, o investimento pode ultrapassar R$ 7 bilhões, impulsionando a geração de empregos e a produção de veículos com maior valor agregado.
Geopolítica e futuro regional
A visita de Lula à China também teve desdobramentos geopolíticos. Durante a cúpula da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), o presidente brasileiro defendeu maior integração regional e criticou a dependência histórica da América Latina. “Não há saída individual. Ou nos unimos e buscamos parceiros dispostos a construir um mundo compartilhado, ou continuaremos sendo a região da pobreza global”, declarou.
A China demonstrou interesse em ampliar o comércio com o bloco, que movimenta mais de US$ 427 bilhões. Para Júlio Pascoal, a abertura chinesa contrasta com o fechamento dos EUA. “É curioso ver a China defendendo o livre comércio enquanto os EUA adotam medidas protecionistas. Essa inversão favorece o Brasil, que já tem uma relação madura com os chineses”, analisou.
Para o economista Júlio Pascoal, a dependência já é uma realidade — e inevitável diante do cenário geopolítico atual.“Ou você tem uma dependência dos Estados Unidos ou você tem uma dependência da China”, afirmou Pascoal. Segundo ele, a China caminha para ultrapassar os EUA em influência global, com papel central na produção de bens de consumo, como celulares e eletrônicos. “Praticamente 60% do que é americano se produz na China”, destacou.
Atualmente, China e Estados Unidos são os dois principais destinos das exportações brasileiras, respondendo por cerca de 70% do total. Essa concentração, alerta o economista, exige cautela. “O que não pode é você ficar apenas dependendo da China e dos Estados Unidos”, explicou, ressaltando a importância das viagens internacionais do presidente Lula em busca de novos mercados.
Pascoal citou como exemplo positivo o crescimento das exportações brasileiras de etanol para a Coreia do Sul, que já superam os volumes enviados aos Estados Unidos. “Exportamos 700 milhões de litros para a Coreia, contra 300 milhões para os americanos”, apontou. Para ele, essa diversificação pode ser decisiva em momentos de instabilidade.
No campo da produção, o economista destacou o avanço do etanol de milho no Centro-Oeste, especialmente no Mato Grosso, e a necessidade de ampliar investimentos em tecnologia. “Nós não podemos continuar mantendo apenas um tipo de produto para atender basicamente um comprador internacional”, alertou. O risco, segundo ele, é repetir crises do passado, como a quebra dos cafeicultores na década de 1930, em razão da dependência excessiva do café.
Ao tratar das oscilações do mercado externo, Pascoal apontou a falta de uma política de comércio exterior robusta. “O grande problema do Brasil hoje é não ter uma política de comércio exterior mais forte e ficar muito na dependência do câmbio”, analisou. Outro ponto de destaque na entrevista foi a inteligência artificial (IA), tema abordado durante as viagens internacionais do presidente Lula. Para Pascoal, a IA representa um divisor de águas na inovação, com impactos positivos em diversas áreas — mas que exige atenção.
“A inteligência artificial, usada para o bem, é fantástica. Mas também temos que conviver com o lado negativo”, ponderou. Ele citou avanços médicos como o uso da IA em cirurgias complexas, mas alertou sobre o risco de mau uso da tecnologia. “Não sei se a gente deveria caminhar para um processo de regulação mundial. Mas a tendência é que os países procurem se adequar, investir mais e tirar proveito em todas as áreas”, concluiu.
Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas: ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico e ODS 17 – Parcerias e Meios de Implementação.