Há mais de um mês, o governador, por meio de seu advogado João Paulo Brzezinski, acionou judicialmente o site Wikipedia e as redes sociais Twitter e Facebook. No primeiro caso, o tucano solicitou a correção de informações sobre seu perfil, já que o site traz tópicos como Recebimento de propina; Corrupção; Envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira; Agressão; Nepotismo e Turma exclusiva para curso de Direito.
O advogado de Marconi explicou que as informações no Wikipedia fugiam da realidade e faziam alusões a processos que não existem. A notificação judicial para que o Wikipedia retire as informações foi protocolada no dia 03 de junho, porém, o site ainda não foi notificado.
Já em relação às redes sociais, o governador notificou extrajudicialmente o Facebook, requerendo que fossem retiradas mensagens ofensivas de um perfil, que o advogado acredita ser falso. O Twitter foi interpelado para fornecer informações de um usuário que também escreveu mensagens de ataques a Marconi. No caso do Facebook, Brzenzinski informou que a AR da notificação já voltou, mas que ainda não há uma resposta. Quanto ao Twitter, a carta de notificação nem foi expedida ainda pelo cartório.
“No Wikipedia existem várias informações inverídicas sobre o governador. Pedimos ao site que ele altere e coloque a verdade. Se não fizerem isso dentro do prazo, aí vamos entrar com uma ação cominatória, exigindo que altere as informações sob pena de multa diária. Já no Facebook e Twitter, quando se trata de pessoa identificável, entramos com uma ação direto contra a pessoa”, explicou Brzenzinski. Porém, o advogado aguarda informações dos usuários, que tudo indica que eles são falsos. “Aí vamos solicitar o desligamento da conta desses perfis. Porque não adianta entrar com uma ação contra um perfil que não existe de verdade”.
Blog questionável
Além da defesa de Marconi no campo jurídico, nas próprias redes sociais, servidores e aliados da base aliada são orientados a transformarem os cliques virtuais em uma avaliação positiva na imagem da gestão. No fim de fevereiro desse ano, um e-mail vindo da cúpula da Agência Goiana de Comunicação (Agecom) orientava os servidores da área de comunicação do governo a aumentar a presença de cada perfil nas redes sociais e “recrutar pessoas das próprias autarquias com potencial para crescimento na rede”.
O e-mail, que foi encaminhado pelo servidor Marcos Fradique, a pedido do diretor de Divulgação da Agecom, Antônio Augusto Passos Danin Júnior, após uma reunião com o chefe de gabinete do governador, João Furtado, vazou no final de maio.
O manual discorre que matérias negativas sobre o governo e que saem nos veículos convencionais são replicados dezenas de vezes por perfis de adversários. “Quando formulamos respostas, devemos avaliar como foi a repercussão na rede para que a vacina também chegue nesse público”, orienta.
De sete itens, seis seguem uma orientação mais propositiva, sem ataques aos adversários e sem apelar para a defesa irracional do governo. Porém, a última diretriz no e-mail chama atenção. Pedem aos comunicadores para divulgar o material do blog Goiás24horas. “Há uma semana estreou o blog goias24horas.com.br. Contém material interessante de defesa. Vamos movimentá-lo. Mas, ATENÇÃO, só devemos compartilhá-lo com nossos perfis PESSOAIS”, descreve.
A última orientação destoa dos outros itens e deixa a real intenção da gestão na comunicação um tanto suspeita. Na avaliação do professor do Mestrado em comunicação da Universidade Federal de Goiás e coordenador do Núcleo de Pesquisas em Comunicação e Política, Luiz Signates, isso demonstra a pretensão do governo de “tomar conta e estabelecer controle” sobre as comunicações pessoais de seus funcionários.
“O mais preocupante é justamente isso. A instituição, no caso o governo, não está se limitando a postar conteúdo, a fazer um jornalismo de assessoria de imprensa chapa branca voltada para divulgação dos atos governamentais. Não está se limitando na publicidade governamental. Está operando no sentido de que haja captação da opinião dos servidores”, analisa Signates. Para o professor, essa “apropriação privada” dos perfis sociais dos servidores é ilegal, indevida e fere a liberdade de expressão. “Isso vem ocorrendo também com as organizações jornalísticas. Nenhuma instituição pode tomar conta desse direito. Surpreende que o governo esteja caminhando nessa direção”.
Lançado no dia 16 de fevereiro, o blog Goias24horas chega à marca de quase 5 mil textos. Admira, no entanto, a abordagem do conteúdo que se tornou arma para que servidores o repliquem nas redes sociais. Aproximadamente 90% dos textos são para criticar, muitas vezes de maneira debochada e em tom jocoso, a oposição. Nas últimas semanas, com comentários sexistas e que extrapolam a rixa política, a deputada federal Iris de Araújo (PMDB) se tornou o principal alvo do blog. Os ataques do blog se intensificaram após a peemedebista ter chamado o governador de chefe de quadrilha no encontro do PMDB, em junho.
Outros alvos também são destaques no blog como o prefeito de Goiânia, Paulo Garcia (PT), Iris Rezende (PMDB), José Batista Júnior (PMDB), deputado estadual Mauro Rubem (PT), Vanderlan Cardoso (PSB) e deputado federal Ronaldo Caiado (DEM).
Raramente o blog aborda ou repercute notícias negativas sobre o governo do Estado. Pelo contrário, tenta reforçar ações da gestão, indo para o caminho da informação classificada como bajuladora. Exemplos de títulos não faltam: “Com a oposição ainda na cama, Marconi amanhece nas ruas. Às 6h30, já estava na obra de construção do Hugo 2”; “Vantagem de ser governador? Enquanto eventos da oposição não têm público, Marconi só encontra multidões”; “Enquanto oposição se reúne no Piquiras e no Mercatto, Marconi faz arrastão no interior”; “Vitória de Marconi: Dilma resolve engavetar projeto da unificação do ICMS”.
Há suspeitas que o blog tenha sido gestado pelo Palácio das Esmeraldas na tentativa de reforçar a guerrilha virtual, recrutar novos seguidores e neutralizar a imagem um tanto abalada do governo, alvo de denúncias de corrupção na polêmica do caso Cachoeira. O site se torna mais questionável ainda, principalmente no próprio ambiente virtual, quando as opiniões são expressas de forma anônima. Embora conhecidos nos bastidores, os responsáveis não admitem a autoria dos textos.
Para minimizar as críticas, os criadores partem para o argumento de que o blog incomoda. Explica que “trata-se do mais puro jornalismo, o jornalismo feito antes de arriar as calças para o capitalismo, antes de se tornar uma empresinha de bajulação do mercado, antes de ficar nas tetas dos poderosos”.
Na tentativa de mostrar prestígio nos eventos que o governo estadual realiza, o site ainda procura sempre comparar as solenidades da gestão com as realizadas pela oposição. Como é o caso desses dois títulos: “Olha a foto, esta semana, em Minaçu: não tem como negar, tem muito mais gente que eventos da oposição” e “20 mil pessoas acompanharam Marconi em Brasília na marcha contra o ICMS”.
Para Signates, embora considere essa iniciativa ilegítima, não é possível cercear a tentativa de grupos ligados ao governo, de criarem sites para atuarem na defesa da administração estadual. “A gente sabe que esse site ele é criado por pessoas que pertencem à esfera de comunicação do governo. Isso não tem como cercear, apesar da gente considerar que o governo, fazer um financiamento desses veículos a partir do juízo do alinhamento político é flagrantemente ilegal. Mas é um costume ilegítimo que não é só esse site que tem. É dessa forma que o governo de Goiás controla ou tenta controlar a imprensa do Estado”.
Bom senso e critério
O diretor de Divulgação da Agecom explica que o governo não pode deixar de participar do debate na internet, principalmente nas redes sociais. Uma das preocupações da cúpula de comunicação do governo é que os assessores e jornalistas prestem atenção nesse ambiente. Danin admite que as orientações contidas no e-mail foram realmente passadas aos servidores da área de comunicação da administração. “São ponderações que eu considero naturais, afinal, temos muita responsabilidade de levar o que está acontecendo no governo. O governo é uma coisa pública, se existe uma determinada ação ou determinado problema, uma das recomendações é escolher especialistas para responder a esses questionamentos”.
Já a última orientação do manual, para que os comunicadores utilizem o conteúdo do blog, Danin reconhece o erro de ter indicado o site após ler algumas postagens. “No mesmo dia, mais tarde, comecei a analisar algumas postagens e pensei o seguinte: realmente não dá. E mandei e-mail para todos os assessores novamente dizendo que eu retiro o que eu disse sobre o Goiás24horas e recomendo, como sempre, critério e bom senso em todas as postagens”. Porém, o diretor reforça que vê necessidade dos integrantes do governo agirem na defesa das ações governamentais até para evitar que os adversários nas redes sociais descontruam ou desqualifiquem a gestão.
Para Signates, a defesa intransigente e excessiva do governo por servidores pode refletir negativamente na imagem de Marconi. “O governador passa a ser visto, nem sempre justamente, como uma pessoa autoritária, incapaz de lidar com a adversidade, incapaz de escutar e que só quer elogios Não contribui para uma imagem positiva do governo”.
Estrutura pesada
Desde que tomou posse em 2011, Marconi se tornou um dos poucos governadores a concentrar uma equipe de comunicação voltada para as redes sociais. O tucano também tenta passar a imagem de um político ativo e íntimo nesse ambiente. Foi pelo Twitter que Marconi soube da suspensão da Lei Goyazes e do programa Pão e Leite e determinou a retomada dos projetos. Para cobrir em tempo real os eventos no qual participa, o tucano conta com uma equipe de oito jornalistas que atualizam o seu perfil no Twitter e no Facebook.
Estes mesmos jornalistas e outros da estrutura administrativa seguem a orientação palaciana de compartilhar, senão todas, boa parte das ações do governo em seus perfis individuais. No Twitter, por exemplo, não é raro ver um pelotão de servidores que se manifestam a favor do governo, que replicam mensagens positivas sobre Marconi e rebatem acusações e críticas de outros usuários.
Porém, se existe algo que as redes sociais ensinaram, é que nenhum governo é unanimidade e está imune a julgamentos. No ano passado, colocado no olho do furacão com o escândalo do caso Cachoeira, a equipe governamental precisou trabalhar para amenizar o impacto nesse espaço.
No Twitter, o nome do governador chegou a ficar em primeiro lugar nos “Trends Topics” com o movimento “ForaMarconi” e “PerilloAbraOSigilo”. Usuários também organizaram, pelo Facebook, a manifestação “Fora Marconi”, que reuniu um número considerável de pessoas que percorreram as ruas de Goiânia.
O governo reagiu. No contra-ataque, agendou, no mesmo dia do movimento contra o governo, uma manifestação “pró-Marconi”. Como a possibilidade de confronto físico dos dois lados era perigosa, o governo recuou.
Suspeita de arapongagem
Em abril desse ano, o governo estadual ficou novamente no centro das atenções quando a revista Carta Capital revelou suposta rede ilegal de grampos telefônicos, criação de perfis falsos na internet e invasão de privacidade de dezenas de adversários e até de aliados do governador.
Na reportagem, Marconi teria contratado, por meio de assessores, um hacker expert na área de espionagem política. Na época das manifestações do movimento Fora Marconi, o hacker, chamado de Mr. Magoo, teria ficado responsável por montar uma rede de perfis falsos para garantir um palanque virtual de apoio a Perillo, quando o tucano depôs na CPMI do Cachoeira, e 12 de junho de 2012. O hacker teria sido instruído a colocar a hashtag “ForçaMarconi” no Twitter e outras mensagens antes, durante e após o depoimento do governador na comissão. Embora a reportagem tenha afirmado que o episódio seria investigado pelo Ministério Público Federal, até o momento o caso não teve maiores desdobramentos.