É, meus amigos, vivemos tempos difíceis, em que uma disputa eleitoral é capaz de minar nossas energias e interferir diretamente no ânimo da semana. Do mês. Quiçá, do ano. E a depender do resultado, da História. Ninguém passa incólume. E o deslize da vez fica por conta do renomado diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho.
Mundialmente famoso após o lançamento de “O Som ao Redor” (2013), que faturou importantes prêmios no circuito internacional de cinema (trouxe troféus do Festival Internacional de Cinema de Rotterdam, Festival de Cinema da Polônia, Festival Internacional de Copenhagen, além dos festivais de Londres, Sérvia, Toronto, São Paulo e Rio), ganhou ainda maior destaque com “Aquarius” (2016). Além do sucesso de crítica, o filme protagonizou momentos polêmicos ao se misturar, inevitavelmente, com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef. Em Cannes, 2016, o elenco do filme atravessou o tapete vermelho empunhando cartazes com dizeres como “Um golpe de Estado está em curso no Brasil” e “O mundo não pode aceitar um governo ilegítimo”, vinculando a obra diretamente ao momento político pelo qual atravessava o país.
Até aí, tudo bem! Liberdade de expressão. Todo mundo tem o direito (e até dever!) de opinar – mormente sobre questões do próprio país. E, convenhamos, havia mesmo muita coisa para ser questionada naquele momento. O lance é que o posicionamento de um artista traz um peso ainda maior, por ser ele formador de opinião. É preciso um cuidado redobrado, e uma cautela que traz colada em si com superbonder a responsabilidade por uma declaração mal feita.
Pois não é que, após o resultado apertado desse fim de semana, que colocou Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno da corrida presidencial desse ano, o diretor soltou um comentário pra lá de infeliz em suas redes sociais, deixando muita gente com raiva? Escreveu “O centro-oeste a região vexame da democracia no país” (sic).
Tá ok, tudo bem que o centro-oeste seja mesmo ultraconservador, e não é fácil viver num Estado que demora a evoluir em cultura e costumes. Mas a disputa, até agora, vem sendo travada de forma tão justa quanto possível. Ainda que o candidato e os eleitores conservadores insistam numa fraude de urnas inexistente (diversas reportagens comprovam que os eleitores não estavam sabendo utilizar a urna, e jogaram a tese da fraude), eles saíram com o resultado positivo. E absolutamente nenhuma região do Brasil teve um consenso absoluto de votos. Não houve unanimidade.
Basta olhar o mapa de apuração. Aliás, o diretor se esqueceu que em boa parte do Mato-Grosso (que compõe o centro-oeste), o candidato petista venceu (cidades como Poconé, Barão de Melgaço, Santo Antônio do Leverger, Porto Estrela, Nossa Senhora do Livramento, Jangada, Acorizal, Nova Brasilândia e várias outras deram Haddad como líder). Uma generalização completamente ilógica e, mais do que isso, perigosa.
Mas o grande perigo da declaração de Kleber está na aproximação com o preconceito, o racismo e a xenofobia. Faces de um autoritarismo que não combina com o diretor. Os comentários exasperam uma intolerância contraditória e sem razão de ser, já que a principal crítica ao candidato do PSL – contra quem se posiciona Mendonça – é a pregação ao ódio e a exaltação da – veja só! – xenofobia.
Sobram na internet (principalmente desde as duas últimas eleições presidenciais, com vitória dos candidatos do PT) declarações de ódio contra os nordestinos, que praticamente decidiram o certame. E a atual campanha de Bolsonaro foi recheada por declarações polêmicas como a de que iria “fuzilar a petralhada do Acre”, ou a referência a imigrantes como a escória do mundo.
A declaração de Kleber em muito se assemelha ao mal que ele diz combater. E, vinda de um artista engajado e crítico como ele, deixa ver uma faceta triste e preocupante do mal que tem acometido todos nós, em maior ou menor grau: a intolerância.
Comentário feito pelo diretor Kleber Mendonça Filho, em uma de suas redes sociais.
Desinformados, leigos, racistas, xenófobos e ignorantes até podem se dar ao luxo de cometer tal erro – porque lhes é da essência.
Ele não.
O diretor chegou a retirar a declaração do ar. Mas o estrago já havia sido feito.
Que o porvir nos traga dias melhores.