No programa Tom Maior da Sagres TV, exibido na última semana, especialistas se reuniram para debater sobre o afeto por objetos inanimados, com por exemplo os bebês reborn — bonecos hiper-realistas que simulam bebês humanos. A psicóloga perinatal Marcela Garrote e o psicólogo Fernando Gobbato participaram da conversa, trazendo à tona implicações emocionais, sociais e éticas desse fenômeno.
Marcela iniciou a discussão pontuando que a relação emocional com esses bonecos pode ter raízes inconscientes profundas. “É interessante analisar isso. Muitas vezes, esse objeto inanimado passa a ocupar um espaço muito importante na vida da pessoa. Isso pode indicar uma falta, algo que precisa ser investigado clinicamente”, afirmou.
Segundo a psicóloga, o bebê reborn representa o “bebê idealizado”, diferente do bebê real, com todas as suas demandas e frustrações. “Ele não chora, não precisa trocar a fralda. Tudo é controlado. Isso pode ser um sinal de que a pessoa está fugindo da frustração — algo que, na vida real, é inevitável”, explicou Marcela. “É fundamental que a mulher aprenda a narcisar o bebê real, não o idealizado”.
Já Fernando, que atua com análise de comportamento, destacou o quanto o fenômeno é impulsionado pelas redes sociais e por dinâmicas capitalistas. “Esses bonecos existem há anos. O que mudou foi a viralização. Mas o problema está além disso. A intensificação dessa relação com objetos pode representar um risco à saúde mental. A pessoa passa a se isolar, a perder repertório social”, alertou.
O especialista citou ainda o livro A Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, para ilustrar como a vivência humana vem sendo substituída por relações com objetos, especialmente nas redes. “Estamos trocando experiências por consumo. E quando essa ficha cai, quando a pessoa percebe que o bebê não vai crescer, não vai andar de bicicleta, ela pode entrar num estado de desamparo aprendido, que leva à depressão”.
Um dos casos discutidos no programa envolveu uma mulher que entrou na justiça pleiteando licença maternidade por conta de um bebê reborn — um exemplo de como as fronteiras entre realidade e fantasia podem se dissolver. “Isso mostra como o vínculo emocional pode ultrapassar o aceitável do ponto de vista psicológico”, comentou Fernando.
A discussão também abordou o futuro das relações com objetos, especialmente com a chegada da inteligência artificial. “Se hoje o bebê reborn já parece real, imagine quando ele começar a se mover, a interagir com IA. A tendência é o ser humano se isolar ainda mais, e isso é perigoso”, disse Fernando. “Nada substitui a relação humana. Como Freud dizia, nada é melhor do que uma boa conversa”.
Por fim, os convidados ressaltaram a necessidade de políticas públicas voltadas à saúde mental e acompanhamento psicológico. “As instituições precisam estar atentas. É preciso oferecer suporte pelo SUS, desenvolver estudos, e entender que cada ser humano é um universo”, concluiu Fernando.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem-Estar
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