Após caso de Laysa Peixoto, Pauta 2 debate sobre mitomania

O recente caso de Laysa Peixoto, jovem de 22 anos de Minas Gerais que afirmava ser a primeira astronauta brasileira a participar de uma missão espacial, gerou grande repercussão nas redes sociais e nos veículos de imprensa. Apresentada como uma estudante com currículos impressionantes e conquistas internacionais, Laysa acabou tendo sua história questionada por inconsistências e pela ausência de confirmação das instituições envolvidas, como a própria Nasa.

A controvérsia reacendeu um debate sobre a linha tênue entre uma mentira deliberada e um transtorno psicológico conhecido como mitomania — a compulsão por mentir. Para aprofundar essa discussão, o programa Pauta 2 da Sagres TV recebeu a psicóloga Cleide Neves, que explicou o que está por trás desse comportamento.

Segundo Cleide, a mitomania não é classificada como um transtorno isolado pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), mas sim como um sintoma que pode estar associado a outras condições, como transtornos de personalidade. “A mitomania é o ato de mentir compulsivamente. A pessoa mente rotineiramente, muitas vezes sem necessidade, e passa a acreditar na própria mentira”, explicou.

O caso de Laysa, que passou a ser chamado por muitos de “farsa espacial”, levanta questões sobre como essas construções fantasiosas são recebidas pelo público. “As redes sociais criam realidades perfeitas, incentivam a comparação e o desejo de ter aquela vida idealizada. Isso pode alimentar o comportamento mitomaníaco, tanto em quem inventa quanto em quem consome essas narrativas”, apontou a psicóloga.

Para Cleide, há ainda um ponto de atenção na origem desses comportamentos. “Muitas vezes, a compulsão por mentir vem da baixa autoestima, da não aceitação da própria realidade. A mentira surge como uma tentativa de criar uma persona idealizada”, destacou. A psicóloga explicou que, com o tempo, a pessoa pode perder a distinção entre realidade e invenção.

“Ela começa com certa consciência de que está mentindo, mas depois incorpora aquilo como uma verdade possível.” Durante o programa, os apresentadores questionaram se Laysa poderia estar consciente ou não das incongruências em sua narrativa. Cleide foi cautelosa.

“Não podemos diagnosticar sem uma avaliação clínica. Mas quando há superdimensionamento da realidade, e a pessoa sustenta isso com segurança, pode estar associado a outros transtornos, como o narcisista, por exemplo.” Ao analisar a repercussão do caso, a psicóloga alertou para os efeitos do julgamento público.

“O mitomaníaco tem muita dificuldade com o julgamento. Ele cria relações, mas essas relações têm prazo de validade. Quando as pessoas descobrem a mentira, há o afastamento — e isso gera sofrimento.” O caso de Laysa Peixoto, ainda em desdobramento, provoca não só reflexões sobre o papel da mentira nas relações sociais, mas também sobre como as redes amplificam essas histórias e moldam percepções.

“É uma realidade paralela que, por mais incrível que pareça, pode ser mais comum do que imaginamos”, concluiu a especialista. O programa também discutiu exemplos recentes e antigos que chamaram a atenção do país e do mundo.

Casos como o da chamada “grávida de Taubaté”, que ganhou notoriedade em 2010 ao fingir uma gestação de quadrigêmeos, e o de Marcelo, que se apresentava como herdeiro da companhia aérea Gol, foram citados. Em escala internacional, também foi lembrado o golpista do Tinder, que enganava mulheres com histórias falsas e virou tema de uma série documental.

“Esses casos sempre existiram, mas a internet potencializa a visibilidade. Ao mesmo tempo que ajuda a alertar para questões de saúde mental, ela também expõe o indivíduo a julgamentos e violências simbólicas que podem agravar ainda mais o quadro clínico”, alertou Cleide.

O impacto desse julgamento online pode ser devastador. “Se for realmente um caso de mitomania, essa exposição nas redes pode agravar o transtorno e desencadear depressão profunda, pensamentos suicidas e até mesmo atitudes autodestrutivas. É preciso empatia. A pessoa já está em sofrimento”, pontuou.

Segundo os profissionais, o primeiro passo para lidar com alguém diagnosticado com mitomania é o acolhimento. “Na maioria das vezes, esse paciente não procura ajuda por vontade própria. Ele vai levado por alguém que o ama e que não o julga. O profissional precisa criar um vínculo, construir confiança para que esse paciente aceite o diagnóstico”, explicou.

O tratamento pode envolver psicoterapia e, em casos mais graves, acompanhamento psiquiátrico. “O psicólogo não medica, mas pode encaminhar ao psiquiatra, porque existem casos em que a medicação é necessária para a evolução do quadro”, afirmou a especialista. A prevenção também foi um dos pontos centrais do debate.

“A mentira faz parte da vida social, mas a mitomania começa quando há uma idealização constante da realidade. O autoconhecimento é a chave da prevenção. É preciso se perguntar: por que estou mentindo? O que quero alcançar com isso?”, refletiu. O alerta, no entanto, não é apenas para quem mente, mas também para quem está ao redor.

Pais, responsáveis, amigos e parceiros precisam estar atentos. “Se um adolescente mente com frequência, não é hora de brigar, mas de acolher. O medo da punição incentiva a mentira. É o diálogo que constrói o respeito e a confiança”, destacou. Um ponto sensível levantado durante o programa foi a responsabilidade da imprensa e das redes sociais na reprodução de histórias falsas.

“Os jornalistas precisam de zelo ao repercutir uma informação, principalmente se ela vem de alguém com mitomania. A mentira contada mil vezes se torna uma ‘verdade’ aos olhos de muitos. Isso prejudica quem ouve e, sobretudo, quem está em sofrimento”, alertaram. A empatia e o cuidado devem pautar todas as relações, principalmente na era das redes sociais.

O julgamento apressado pode custar caro — e, em casos extremos, a própria vida. “Vamos ficar atentos aos comportamentos dos nossos filhos, aos sinais que as pessoas próximas nos dão. Precisamos tomar cuidado com o que vemos na internet, com o que compartilhamos. É tempo de ouvir, acolher e dialogar”, concluiu Cleide.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem-Estar

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