Especialista aponta desafios e riscos na proposta de unificação das eleições e fim da reeleição

O Congresso Nacional avança no debate de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode alterar profundamente o sistema político-eleitoral brasileiro. Em análise no Senado, a proposta prevê a unificação das eleições para todos os cargos públicos a cada cinco anos, além do fim da reeleição para prefeitos, governadores e o presidente da República.

A discussão, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ainda não foi votada em Plenário, mas gera intensos debates jurídicos, políticos e sociais. Durante o programa Pauta 2, da Sagres TV, o tema foi analisado por especialistas. A PEC é de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), e o relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), propôs um cronograma de transição.

Segundo o texto, em 2026 nada muda, ou seja, a reeleição será permitida. Em 2030, ela será proibida para cargos do Executivo. Em 2028, prefeitos e vereadores terão mandatos de seis anos, e, a partir de 2034, todas as eleições ocorrerão no mesmo ano, com mandatos únicos de cinco anos para todos os eleitos.

Para Kajuru, o principal argumento contra a reeleição é o uso político do cargo desde o início do mandato. “Quem tem direito à reeleição já começa o mandato pensando nela”, disse o senador. “Ao escolher um secretário ou ministro, pensa primeiro em quem pode dar votos, e não necessariamente em quem tem competência técnica.”

O advogado especialista em Direito Público, Samuel Balduíno, convidado do programa, destacou que os dois temas — fim da reeleição e unificação das eleições — são distintos e não precisam caminhar juntos. No entanto, o Senado optou por avançar com ambos. “É uma mudança extremamente radical, para que alguns problemas e gargalos do processo eleitoral brasileiro sejam corrigidos”, afirmou.

Balduíno acredita que o fim da reeleição tem mais apoio no Congresso, mas a unificação das eleições ainda levanta dúvidas e preocupações. “Quando unificamos os pleitos, há o risco de termos um único grupo político vencendo em todas as esferas: federal, estadual e municipal. Isso pode comprometer o equilíbrio entre os poderes e a diversidade política.”

Outro ponto polêmico é o possível esvaziamento das eleições municipais. “É um choque muito grande para o eleitor, que está acostumado a votar a cada dois anos. Essa mudança exige uma adaptação brusca e pode diminuir o espaço de discussão política”, disse o especialista.

A justificativa econômica também divide opiniões. A estimativa de economia supera R$ 2 bilhões, ao eliminar uma eleição no ciclo de cinco anos. Mas, segundo o especialista, é preciso avaliar o custo político dessa decisão. “A participação política no Brasil se concentra nas eleições. Reduzir a frequência dos pleitos pode significar uma menor mobilização democrática. Será que vale a pena economizar reduzindo a discussão política no país?”, indagou.

Do ponto de vista operacional, Balduíno admite que a unificação facilitaria o trabalho da Justiça Eleitoral, que ganharia mais tempo entre os pleitos. No entanto, alerta para os efeitos dentro das siglas partidárias. “Quando se diminuem os processos de discussão, há um fortalecimento das direções partidárias e das estruturas de poder. Quem já está no controle dos partidos tende a se manter por mais tempo.”

Por fim, o especialista também criticou a baixa participação popular no processo de tramitação da PEC. “A sociedade ainda não foi ouvida suficientemente. Isso talvez ocorra de forma mais efetiva quando a proposta chegar à Câmara, onde os parlamentares estão mais próximos do eleitorado”, ponderou.

Outro ponto analisado é o aumento na complexidade do processo eleitoral. Com a unificação, o eleitor terá que votar para sete cargos em um mesmo dia, o que pode sobrecarregar a Justiça Eleitoral e confundir os eleitores.

“Estamos falando de um pleito gigantesco. Mesmo com cinco anos de preparação, na hora H, a logística e a fiscalização serão extremamente desafiadoras”, avaliou o especialista. Ele destacou que será necessário ampliar a estrutura de mesários, urnas e equipes de fiscalização.

Outro ponto discutido foi a mudança proposta para o Senado. A PEC prevê a renovação total dos senadores de uma só vez e a ampliação do mandato de oito para dez anos. Para o especialista, essa alteração pode reduzir a diversidade de visões dentro da casa legislativa.

“A renovação em dois momentos — primeiro um terço, depois dois terços — permite maior pluralidade de ideias. Unificar tudo em uma única eleição pode enfraquecer esse debate”, afirmou. Ele ainda ressaltou que o mandato estendido poderia limitar a alternância de poder. “Mandatos muito longos reduzem a rotatividade de entendimentos e de ideologias.”

Sobre o fim da reeleição, houve concordância quanto à sua ineficácia no atual modelo político brasileiro. “Desde que foi aprovada, em 1997, a reeleição tem atrapalhado mais do que ajudado. Muitos gestores evitam medidas impopulares para não prejudicar suas chances de continuar no cargo”, afirmou o debatedor, citando o senador Jorge Kajuru. “Hoje se governa pensando na reeleição.”

No entanto, ele fez uma ponderação relevante: “Se acabarmos com a reeleição para o mesmo cargo, nada impede que o político tente outro. Um governador pode sair e concorrer ao Senado. Isso também é uma forma de reeleição indireta, que mantém o jogo de poder”.

A proposta, segundo informações de bastidores, ainda enfrenta resistência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Ele estaria insatisfeito com o mandato de dez anos, defendendo um modelo que lhe seja mais favorável politicamente. A PEC, portanto, ainda pode sofrer modificações antes de seguir para a Câmara dos Deputados.

Balduíno também apontou que mudanças eleitorais, por si só, não resolverão os principais problemas da gestão pública. “Estamos focando na estrutura da eleição, mas ignorando o que realmente pesa nas contas públicas: a má gestão administrativa”, criticou.

Ele citou dados recentes do Tesouro Nacional e da Confederação Nacional dos Municípios, que apontam que mais da metade das prefeituras brasileiras fecharam o ano de 2024 no vermelho. “O aumento desenfreado do número de cargos comissionados é um exemplo claro. Precisamos de mais servidores técnicos concursados, capazes de tomar decisões difíceis com base em critérios técnicos, e não políticos”, defendeu.

Outro ponto destacado foi o fortalecimento do Poder Legislativo em detrimento do Executivo, principalmente após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e durante o governo de Jair Bolsonaro. “Hoje vivemos quase um parlamentarismo velado. O Legislativo tem ocupado espaços deixados pelo Executivo, que muitas vezes se omite diante de decisões impopulares.”

Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes

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