Após renúncia em 2017, Sérgio Rassi abre o jogo sobre presente, revela angústia em afastamento e questiona se há honestidade no futebol (Foto: Rosiron Rodrigues/Goiás EC)

Sérgio Rassi fez uma gestão notável em vários aspectos no Goiás. Conseguiu reequilibrar o clube financeiramente, aumentou o potencial comercial, reduziu gastos desnecessários e deu um tom mais profissional a vários departamentos, como futebol, marketing e administrativo. Porém, o dirigente pecou nos resultados dentro de campo e virou alvo de fortes críticas.

O clima negativo fez com que ele renunciasse à presidência em agosto de 2017 antes do final do mandato. Afastado do dia-a-dia do clube desde então, Sérgio Rassi participou pela primeira vez de uma reunião do Conselho Deliberativo, na terça-feira, quando Hailé Pinheiro foi reeleito para mais três anos no cargo máximo do órgão.

Em uma entrevista bem franca à Sagres 730, Sérgio Rassi abriu o jogo em diversos pontos. Explicou porque se desligou do clube, revelou mágoas com o futebol, disse que entende agora o semblante de tristeza em ex-presidentes, questionou se há espaço para honestidade e disse que pensa em retornar, aos poucos, à vida esmeraldina para assumir um cargo e poder auxiliar os futuros presidentes com sua experiência.

Leia a entrevista na íntegra com ex-presidente Sérgio Rassi.

Esta é a sua primeira vez que você vem ao Goiás desde que renunciou?

Na verdade, é primeira vez que eu venho na reunião de Conselho. A primeira vez que eu vim foi na inauguração na sede do nosso campo, algo idealizado na nossa gestão. De forma muita elegante, o Seu Hailé (Pinheiro) me convidou para que eu pudesse participar. Foram os dois episódios que eu vim ao Goiás. Se me perguntar a razão disso, eu não sei dizer. Talvez sejam vários motivos. Quando entrei no futebol, como o Seu Hailé diz, eu entrei com um ideal lá em cima, mas em alguns quesitos, eu não conseguir torna-los plenos.

Quais?

Eu me senti realizado na gestão administrativa e financeira, mas no futebol, que não era diretamente ligado a mim, por ter vários diretores nessa área. Mas eu não me isento porque essas pessoas foram escolhidas por mim e pelas pessoas compunham a direção do clube. Infelizmente não tivemos êxitos. Entrei cheio de ideais, não só administrativos e financeiros, mas como torcedor para levar o Goiás a uma posição de destaque. Isso falhamos. Fiquei muito decepcionado, desiludido. Fiquei muito triste com os comentários de torcedor, da própria imprensa. Esses comentários te afetam emocionalmente a ponto de eu abandonar meu mandato quando faltavam três, quatro meses. Por essas desilusões, eu me afastei um pouco. Considerando mais o que passou na minha vida, fiz uma análise de tudo que aconteceu. Priorizei a minha carreira de médico, não que eu tivesse abandonado, mas o Goiás tinha um grande espaço na minha vida. Agora, devagarinho, eu vou voltar a viver com as pessoas do Conselho que eu gosto muito. Aqui eu fiz amigos de verdade, no Conselho Deliberativo.

Você ficou muito magoado? Como foi esse período ausente?

Confesso que a pessoa presidente do clube, ele está dia-a-dia convivendo com tudo que acontece no clube. Da noite para o dia, ele deixa de ter aquele contato e é um ostracismo que machuca muito. De presidente você passa a ser uma pessoa desconhecida, sem participar das decisões do clube, e passa a conhecer as novidades pela imprensa. Este choque é muito grande. Agora talvez eu entenda o semblante de ex-presidentes que eu via quando eu presidia as reuniões. Eu via um semblante triste. Agora eu entendo um pouco. Acho que ninguém melhor que um ex-presidente poderia contribuir com uma nova gestão porque ele vivenciou frustração e sucesso. Ninguém melhor que ele para aconselhar uma nova diretoria para que erre menos, para que acerte mais. É sem nenhum outro propósito, apenas para engrandecer o clube. Quem sabe, doravante, possamos dar mais valor aos ex-presidentes para que eles se sintam mais úteis ao clube.

Esta mágoa está superada?

Totalmente, totalmente. Foi um período de readaptação, de avaliação de princípios, de situações pelas quais eu passei. Não posso condenar palavrões e ofensas que um torcedor dirigia a minha pessoa no estádio. É uma coisa totalmente passional. Tenho certeza que se eles me encontrassem no meu hospital, consultório ou mesmo em um restaurante, por questão de educação, jamais fariam isso. Mas no campo de futebol a pessoa se altera. É igual no trânsito. Você toma uma fechada e solta um palavrão horrível. Tudo que é paixão, que é passional, acaba extrapolando a lógica da situação. Absolutamente entendo isso. Entendo também que o clube tem de ser renovado para que o próximo possa vir e fazer melhor. Isso já está bem resolvido na minha cabeça.

Apesar dos resultados ruins no futebol, você é muito elogiado pela gestão administrativa e financeira. Você diz que aprendeu com os erros e que tem refletido muito sobre a sua gestão. Pensa em algum dia retornar ao clube para conquistar o que não conseguiu como presidente?

Cargo executivo jamais. Isso eu falo prontamente. Cargo executivo é muito sacrifício. Eu tenho pena de presidente executivo de futebol. Não vale a pena. É um sacrifício muito grande e você não é reconhecido. Claro que tem pessoas que fazem mau uso dessa posição, mas aqueles que fazem bom uso, não tem o devido reconhecimento. Para o executivo, eu jamais pleitearia. Eu fiz na minha gestão tudo que eu sonhei fazer. Criei cargo de gestores no clube. Antes era apenas cargo de confiança não remunerados. Hoje todos são profissionalizados e são remunerados. Isso dá liberdade para cobrar ainda mais dessas pessoas. Tivemos um ganho de patrimônio de 54% na nossa gestão. Obtivemos todas as certidões de débito negativadas, coisa que o Goiás nunca teve na vida. Conseguimos o patrocínio da Caixa. Fomos tricampeões goianos, mas isso é muito pouco perto do que eu sonhava. Mas no futebol veio essa desilusão. Eu sonhava, ao sair do clube, poder encher o peito e dizer que conquistei alguma coisa grande nos gramados, mas não consegui. Eu cheguei a conclusão, infelizmente, de que no futebol, exercendo o executivo, eu chego a questionar se tem lugar para honestidade, boa intenção e lisura. Eu chego a questionar isso nos dias de hoje.

Esta falta de honestidade é por parte de jogador, dirigente ou é o meio em geral?

O meio em geral. São poucas as pessoas que eu hoje lembraria em dizer que têm ou tinham um caráter ilibado, uma conduta exemplar. É muita mentira, falsidade, egocentrismo. Isso o futebol me decepcionou. Obviamente continuo torcendo para o Goiás, mas sem o fanatismo. Hoje enxergo o futebol de uma maneira diferente. Isso, estes quatro anos me ensinaram.

O que você viu de desonesto e que te chateou?

A falsidade. Este é o mais importante. Não vou citar situações porque seria extremamente indecoroso citar nomes e situações. Mas é a falsidade. Este é um meio muito falso. Eu sou uma pessoa transparente até para coisas doídas e transparentes na minha vida. Sempre fui transparente. Sou amante da verdade, mas no futebol não tem espaço para isso.

Ainda se emociona com vitórias?

Não como antes. Confesso que não é como antes porque hoje conheço uma nova faceta do futebol. Quem sofre muito são as pessoas de dia e noite que são responsáveis pelo clube. Estas pessoas sofrem. Quem dirige o clube e tem a responsabilidade de colher bons resultados, estas pessoas sofrem. Agora jogador e dirigente, perdeu ou ganhou, eles estão pensando em qual clube vão jogar, de quem eles vão tirar mais dinheiro, com raríssimas situações. Claro que há exceções, mas são raras. Jogador torce para quem paga melhor. Não tem aquele saudosismo de antigamente do jogador ficar triste e pesaroso porque o time perdeu. Não! Ele quer saber só quem vai pagar o maior salário. Se for olhar pelo lado do jogador, ele não está errado. É profissional, está no seu direito. Mas não combina com a minha paixão. A minha paixão não combina com falsidade.

O Hailé Pinheiro declarou no passado que gostaria de ter você como presidente do Conselho Deliberativo. Existe esta possibilidade?

Eu fico honrado de ter citado pelo Seu Hailé. Ele é meu ídolo. Hoje é meu amigo também, meu amigo pessoal, ele vai à minha casa, eu vou à casa dele. É meu amigo, mas antes era meu ídolo. Quando eu era garoto, eu já idolatrava o Seu Hailé. Todos torcedores, de uma maneira racional, pensam como eu. Eu fiquei quase quatro anos na presidência, dois como vice, dois como diretor de saúde e mais dois como conselheiro. Somando isso tudo dá quase dez anos. Não sei como ele está aguentando isso há 56 anos. Tem de ter muito amor e idealismo, como ele mesmo define. Isso você não encontra em lugar nenhum. Eu admiro imensamente. Acho que jamais vamos ter alguém igual a ele presidindo o Conselho Deliberativo, tentando controlar os ânimos, as vaidades e estas situações pecaminosas que eu disse. Isso sem falar no aspecto jurídico. Quase todos os clubes estão envolvidos em polêmicas jurídicas e ele uma maestria única e soberana para lidar com isso. Ninguém vai conseguir fazer isso. O Hailé tem de ser presidente do Conselho Deliberativo até o último dia dos seus dias.

Assumiria a presidência do Conselho?

Eu não sei dizer o futuro. Como presidente executivo, jamais. Agora em um cargo qualquer que seja, eu sinto vontade disso. Eu tenho um amor pelo clube, posso trazer ideias novas ao clube, mas não agora. Agora é homenagear o Seu Hailé. Ninguém governa sem unanimidade de intenção. Todos nós conselheiros temos de dar apoio a ele. Daqui três anos, se for a vontade dele, vamos reunir e ver quem é melhor nome para o clube. Não é só meu nome. Todos os últimos presidentes são nomes excelentes para o Conselho dentro da dinâmica que mencionei. Todos passaram pelo pior momento que é ser presidente do executivo. Todos estão abalizados para ser. Isso sem falar de outros que são vices, que estão aqui há muito tempo. É ainda muito prematuro para falar sobre isso.

Você ficou muito afastado do clube e sem dar entrevistas. Existe alguma colocação que gostaria de pontuar?

Eu aproveito para falar uma coisa como enxergo hoje. A imprensa nos ajuda. Hoje eu escuto a rádio o tempo todo. Eu pego as notícias do Goiás através de vocês e admiro o comportamento da rádio de vocês. Tem postura e ética, mas isso não ocorre com todos os jornalistas. Alguns, em busca do furo jornalístico ou de uma notícia que chama a atenção, às vezes ele falta com a ética e com a verdade. Essas coisas chegam ao ouvido do torcedor e distorcem ainda mais a verdade. Isso agride a pessoa que você comentou, analisou e também o clube. Eu peço a vocês da imprensa que aja com a lisura que a profissão requer. Pode não dar a audiência naquele momento, mas é a verdade. Vocês estarão mostrando a verdade. Eu pude observar na minha gestão que a verdade era distorcida e isso gerava uma situação extremamente indelicada com constrangimento para a pessoa do presidente executivo.

Escute na íntegra a entrevista do ex-presidente Sérgio Rassi à Sagres 730

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