A seca na Amazônia está sendo agravada e potencialmente prolongada pela confluência de dois fenômenos climáticos simultâneos. Além do fenômeno El Niño, que eleva as temperaturas das águas superficiais do oceano no Pacífico Equatorial, o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, logo acima da linha do Equador, está suprimindo a formação de nuvens, resultando em uma redução significativa das precipitações na região amazônica.
Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), todos vinculados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), identificaram a convergência desses fenômenos.
“O evento do Atlântico Tropical Norte está se somando ao El Niño. Dois eventos ao mesmo tempo são preocupantes. Tivemos isso entre 2009 e 2010, que foi a maior seca registrada na bacia do rio Negro nos últimos 120 anos”, detalha Ricardo Senna, meteorologista responsável pelo monitoramento da bacia amazônica no Inpa.
Embora os impactos desses dois fenômenos ocorram em diferentes partes da Amazônia, o aquecimento das águas oceânicas desencadeia um mecanismo de influência semelhante sobre a floresta tropical. Com o aumento da temperatura das águas oceânicas, as correntes ascendentes transportam ar aquecido para a atmosfera, que posteriormente é direcionado para a Amazônia através de duas correntes descendentes. No caso do El Niño, esse processo ocorre de leste para oeste, originando-se no Pacífico, enquanto no Atlântico, a direção é de norte para sul. “Esse ar mais quente atua inibindo a formação de nuvens e, por consequência, das chuvas”, afirma Senna.
Organizações internacionais, como a Organização Meteorológica Mundial, destacam que o planeta está experimentando um aumento das temperaturas, com recordes registrados nos últimos meses. Além disso, os oceanos também estão se aquecendo, com temperaturas entre 2 e 4 graus Celsius acima do normal no Oceano Pacífico Norte e no Atlântico Tropical, conforme apontado por uma nota técnica do Cemaden. Essa situação alterada do clima global está impactando diretamente os fenômenos em questão.
Segundo o pesquisador Ricardo Senna, anos em que esses eventos ocorrem simultaneamente resultam em atrasos no início da estação chuvosa na Amazônia e recordes históricos de seca, exemplificados pela estiagem marcante em 2009-2010 e pelo episódio de 2005.
“As condições começam a se repetir e provavelmente teremos uma grande seca, com atraso no início da estação chuvosa”, pontua o especialista.
Atualmente, embora algumas regiões estejam recebendo chuvas esporádicas, o Alto Solimões e o extremo leste da Amazônia já apresentam níveis críticos para a navegação. Entre setembro e outubro, é normal ocorrer uma rápida redução do volume dos rios na região amazônica, e esse processo leva oito a nove meses para que os rios voltem a se encher, em parte devido à influência do período seco na região Centro-Oeste do Brasil. “Baixa cerca de 15 centímetros, ou até mais, por dia. Realmente, a gente vê o rio baixando dia após dia”, explica.
Grandes rios que desaguam nas bacias do Norte, como o Araguaia e o Tocantins, passam longos períodos sem receber precipitações, afetando toda a margem direita, que abrange os rios tributários do Amazonas, resultando em baixos volumes de chuva.
Ricardo Senna observa que a bacia do rio Negro deve ser a primeira a sofrer os efeitos da seca, seguida por outras regiões do Solimões. As previsões meteorológicas indicam que as chuvas na região amazônica permanecerão abaixo da média até novembro, e ainda não é possível determinar com precisão o tempo de atraso no início da estação chuvosa.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática
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