Norberto Salomão
Norberto Salomão
Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Professor de História, Analista de Geopolítica e Política Internacional, Mestre em Ciências da Religião e Especialista em Mídia e Educação.

As declarações polêmicas sobre a Guerra da Ucrânia

A guerra da Ucrânia já ultrapassou os 70 dias e, entre mortos, feridos e a profunda crise humanitária, a guerra segue em uma torturante indefinição. Os planos iniciais de Putin foram frustrados diante da brava resistência dos ucranianos, com o imprescindível apoio do Ocidente, bem como as pesadas sanções econômicas empregadas.

Assim, ao longo desses poucos mais de 70 dias, a estratégia russa teve que ir se adequando às adversidades impostas pela guerra. Não atingindo o intento de dominar a capital Kiev, os russos alegaram que a primeira etapa da sua “Operação Militar Especial” já estava cumprida e que se iniciava uma segunda etapa visando “libertar da opressão dos ucranianos” as regiões das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia, na região de Donbass.

Mais recentemente o foco russo foi ampliado para a região da Transnístria, um enclave russo na Moldávia, gerando o risco de uma internacionalização do conflito.

Nos festejos de 9 de maio, “dia da vitória”, em que os russos comemoram a vitória das tropas soviéticas sobre os nazistas ao fim da 2ª Guerra Mundial, há a expectativa de que Putin altere o status do conflito de “operação militar especial” para uma efetiva declaração de guerra contra a Ucrânia, o que pode significar uma intensificação das ações militares russas na região.

Em todo esse quadro vale destacar a “guerra por procuração” desenvolvida pela OTAN e seus aliados, ou seja, eles não entram diretamente no conflito, mas alimentam as forças ucranianas com armas, treinamentos e recursos financeiros.

Pois é em meio a esse cenário tenebroso que nos deparamos com recentes e polêmicas declarações sobre a guerra da Ucrânia. Diante disso, proponho reflexões acerca das falas de Noam Chomski, Sergei Lavrov, Luís Inácio Lula da Silva e Papa Francisco.


Donald Trump (Foto:Wikimedia Commons)

Do alto dos seus 93 anos, o linguista e filósofo estadunidense Avram Noam Chomsky, que é uma das mais importantes referências para esquerda mundial, fazia, suas considerações em uma entrevista ao canal holandês no YouTube EduKitchen, no dia 27 de abril, quando fez uma afirmação estarrecedora e, em minha opinião bastante vaga e inconsistente. Ele fez referência ao ex-presidente dos EUA Donald Trump, dizendo que ele era, até o momento, a única figura política de grande vulto, no Ocidente, a propor uma solução diplomática para o conflito na Ucrânia.

Noam Chomsky (Foto: Wikimedia Commons, the free media repository)

Há alguns sérios problemas na afirmação de Chomsky. Na verdade, outros líderes ocidentais, como Emanuel Macron, da França, Olaf Scholz, da Alemanha e Joe Biden, dos EUA, buscaram conversações com Putin, para evitar a invasão da Ucrânia. Nenhum deles obteve êxito. Outro aspecto é que o prestigiado intelectual não precisou onde ou quando Trump apresentou qualquer plano ou proposta no sentido de uma solução diplomática. Todas as falas de Trump sobre o tema são dispersas e vagas.

O ex-presidente Lula também se manifestou sobre a questão da Ucrânia, em entrevista para a revista Time, da qual foi capa nessa edição. Quando perguntado sobre como via a invasão russa sobre Ucrânia e o que ele faria, se fosse presidente do Brasil, para tentar amenizar o conflito, Lula não pestanejou, afirmou que não concorda com as atitudes que Zelenski tem adotado, que o presidente ucraniano parece festejar quando aparece na tv, ou seja, estaria aproveitando a guerra para autopromoção. Segundo Lula a invasão russa não é correta, mas que Zelesnki é tão responsável quanto Putin, pela Guerra.

Foto: Lula Marques/Agência PT

As afirmações de Lula também são bastante questionáveis, pois a guerra da Ucrânia não começou em 2022, mas é uma extensão do processo expansionista russo iniciado em 2014, quando anexou irregularmente a Criméia. Além disso, a Ucrânia não realizou nenhuma ação que justificasse a invasão russa ao seu território. É bem verdade que a análise dessa guerra pode abrir margem para várias avaliações, mas é necessário que sejam consistentes e plausíveis, o que, em minha concepção, não foi o que Lula fez. Parece-me que o ex-presidente se deixou levar pela simpatia aos regimes venezuelano, de Nicolas Maduro, e Nicaraguense, de Daniel Ortega, e as relações de proximidade destes com Putin.

Maduro e Lula (Foto: Ricardo Stuckert)

Já o Papa Francisco tem insistido em articular um encontro com Putin, acreditando ser capaz de convencê-lo a recuar em sua saga beligerante. Em entrevista ao jornal italiano “Corriere Della Sera”, afirmou que havia pedido uma reunião com o presidente Putin. O papa também disse que o patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Kirill I, que é aliado de Putin e apoia suas ações na Ucrânia, “não pode se tornar o coroinha de Putin”. Em resposta Kirill I afirmou que as declarações do Papa são descabidas e que não colaboram em nada para a resolução do conflito. Em meio a tudo isso, o clero ortodoxo russo está dividido. Poucos dias depois do início da invasão russa à Ucrânia, 233 padres ortodoxos russos criticaram a postura de seu patriarca e afirmaram que essa é uma guerra fratricida. Assim, eles pedem o imediato cessar-fogo e a reconciliação. Dessa maneira, os padres ortodoxos russos se distanciam cada vez mais da liderança do Patriarca Kirill.

Quanto à pretensão do Papa Francisco em ter um encontro pessoal com Putin, a possibilidade é bastante remota. Em resposta ao pedido do pontífice, Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, foi evasivo e informou que não foi possível a viabilização de um acordo para que uma audiência fosse marcada com o líder russo.

Finalmente a declaração mais bombástica. O ministro russo das relações exteriores, Sergei Lavrov, em entrevista ao programa italiano Zona Bianca, quando questionado sobre a validade da alegação russa de desnazificar a Ucrânia, afirmou que apesar do presidente ucraniano Volodmir Zelenski ser descente de judeus ele apoiava as ações de grupos neozazistas ucranianos, como o batalhão de Azov. O pior é que para reforçar seus argumentos, colocou Hitler na conversa, alegando que o grande líder nazista e responsável pelo holocausto na 2ª Guerra Mundial, também era descendente de judeus.

Sergei Lavrov (Foto: Wikimedia Commons)

Sem dúvida a polêmica declaração de Lavrov gerou uma tensão diplomática desnecessária entre Rússia e Israel. O ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid, respondeu à fala de Lavrov afirmando que a declaração do chanceler russo foi “imperdoável e ultrajante” e que desceu ao nível mais baixo do antissemitismo.

Já o primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, afirmou que Lavrov utiliza argumentos mentirosos para justificar as ações russas e de querer inverter a condição dos judeus como vítimas do nazismo, isentando de culpa os verdadeiros criminosos.

Yair Lapid e Naftalli Bennett (Foto: Flash90)

O curioso é que essa foi a 1ª vez que Israel condenou as acusações russas de que Zelensky apoia a ação de grupos neonazistas ucranianos.

Bem, o que se pode concluir de todo e exposto é que a guerra ainda está muito longe de um final e que outtras e variadas narrativas e versões, sobre o conflito russo-ucraniano, ainda vão surgir. Resta-nos estarmos vigilantes para que não percamos o senso crítico, a capacidade de análise e principalmente a esperança de que dias melhores virão.


Norberto Salomão é advogado, historiador, mestre em Ciências da Religião, professor de História, especialista em Mídia e Educação e especialista em Geopolítica

Mais lidas:

Leia também: