O que as libélulas, os tubarões e os guepardos africanos têm a ver com o esporte? Seria possível se inspirar no modo de vida animal, seus recursos e caraterísticas em busca de aprimoramento para os atletas? No mundo da ficção, personagens como o homem-aranha e a mulher-gato conseguem adaptar habilidades animais e se beneficiar delas. Mas, na vida real, isso seria possível? Uma área cientifica denominada biomimética tem apontado caminhos e influenciado rendimentos.
Em um primeiro momento o termo parece complexo. Mas uma rápida explicação do biológo Ney Mello pode facilitar a compreensão: “Biomimética é uma ciência que busca desenvolver tecnologias a partir de inspirações que já estão na natureza”, define.
Mas e como a biomimética pode ser percebida no esporte? “Através das buscas por respostas na natureza, ela pode indicar soluções que facilitem ou melhorem o desempenho para os atletas. É uma área que está em franco desenvolvimento e que apresenta soluções buscando a partir da natureza novas tecnologias”, destaca Ney Mello.
Até mesmo nas chuteiras dos jogadores de futebol é possível detectar a biomimética. Em 2015, a Puma, empresa alemã de equipamentos esportivos, lançou uma chuteira extremamente leve inspirada em asas de libélula.

“A chuteira é o grande instrumento de trabalho do jogador de futebol. E, com ela, o atleta quer ter velocidade, aderência e pegar da melhor maneira possível na bola. Recorrendo então à natureza, nos deparamos com dois dos grandes segredos guardados há 713 milhões de anos, que é quando os primeiros animais apareceram: a aerodinâmica e a hidrodinâmica”, explica o biólogo.
Para Ney Mello, a aerodinâmica e a hidrodinâmica são fundamentais para qualquer roupa ou calçado usado por atletas. “Para que ele tenha o equilíbrio entre a velocidade e o atrito para parar. Então, as asas das libélulas serviram de inspiração para fazer uma chuteira mais aerodinâmica, com formato diferenciado e isso vai agregando cada vez mais. Parece pouco, né? Alguém pode questionar: será que isso pode fazer diferença na hora do gol? Ou num toque bola? Sim, para um atleta de um alto rendimento faz muita diferença”, observa.

Além disso, o biólogo Ney Mello também fez um levantamento sobre os benefícios da biomimética no desempenho de atletas que participaram dos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim. Ele cita o exemplo do velocista jamaicano Asafa Powell em comparação às características de um guepardo.
“Durante os jogos poderia chover, e mesmo nestas condições, ele precisava ter atrito com a pista para manter sua velocidade. Então, foi desenvolvido um tênis inspirado nos guepardos africanos. E por que isso? No meio ambiente, os guepardos conseguem chegar a uma alta velocidade e fazer aquele “drift” quando estão atrás de uma presa. Até porque se ele não tiver preso ao chão, ele pode sair rolando e perder a caçada”, comenta.
Segundo o biólogo, o diferencial para que o animal consiga manter sua caçada são as garras. “Qual é o segredo do guepardo na hora da perseguição? As garras. Toda vez que ele dá uma patada no chão para tomar impulso, as garras fincam e o estabilizam. Isso permite que ele faça um manobra muito rápida, então durante uma perseguição, quando a zebra, por exemplo, vira, o guepardo vira junto. E, graças a essa estabilidade, ele não perde força. Ao contrário, pega impulso”, reforça.
Essas características do guepardo, então, serviram de inspiração para que o atleta conseguisse manter sua alta performance. “Voltando ao caso do Asafa Powell, foi desenvolvido para ele um tênis com “garras” em uma conformação que permitia que mesmo correndo na chuva ele conseguia manter a aderência”, relembra Ney Mello.

Da corrida para o mergulho, até mesmo nos equipamentos de esportes aquáticos, o professor identifica elementos da biomimética. “Os trajes [nas olimpíadas] foram inspirados no desenho das escamas de tubarão. Um tubarão da espécie “mako”, por exemplo, consegue atingir 80 km/h. E o grande segredo dele é ser absolutamente hidrodinâmico e ter cada vez menos resistência a água. No início, essas roupas que foram desenvolvidas geraram um rebuliço no mundo do esporte. Mas hoje estão bem mais aceitas”, analisa.
Seja na velocidade dos tubarões, na aderência dos guepardos, ou no design das libélulas. A natureza inspira o esporte e a vida. “A biomimética está presente na vida e em tudo, porque a natureza tem realmente todas as soluções”, conclui o biólogo.
Confira a reportagem na íntegra:
Na próxima semana, você saberá como este assunto se conecta com a área da saúde!
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