Imitar a natureza ou aquilo que é natural para proporcionar melhorias à vida do ser humano e, principalmente, ao próprio meio ambiente. No primeiro episódio da nova série Inspiração da Natureza, você vai conhecer a biomimética. A técnica pode ser encontrada em diversas áreas, como por exemplo, na saúde.

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A mestre e doutoranda em Odontologia Restauradora, Ana Beatriz Gomes, e o professor de Odontologia Guilherme Saavedra, explicam como é possível utilizar a biomimética no processo de restauração dos dentes.

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“Começou-se a estudar mais sobre isso há 20 anos. Nada mais é do que respeitar e tentar reproduzir a biomecânica do dente natural. Então, quando a gente for pensar no dente natural em si, humano, a gente tem vários tecidos e estruturas diferentes, como esmalte, dentina, a polpa, e todos os tecidos de suporte. Então, quando a gente estiver diante de uma abordagem restauradora, a gente precisa tentar reproduzir a mecânica do tecido natural”, esclarece Ana Beatriz.

Ana Beatriz e Guilherme Saavedra no STM #399, com Dili Zago (centro) (Foto: Sagres TV)

“Não existe melhor tecido do que o próprio dente natural do ser humano. Então, a gente consegue fazer não um transplante, mas remover um dente, por exemplo, do siso, o terceiro molar, que será inutilizado e melhorar a morfológica desse dente e cimentar como se fosse uma próstese, uma coroa em outro paciente ou no mesmo paciente, que por acaso venha a ter perdido dente”, complementa Saavedra.

Nucleário

A biomimética também vem sendo utilizada em prol do meio ambiente, como forma de tentar frear as mudanças climáticas e a destruição dos recursos naturais causadas pela ação humana no planeta.

Uma pioneira no assunto no Brasil é a Nucleário, localizada no Rio de Janeiro. Um dos fundadores da startup, Pedro Rutman, explica em que consiste essa técnica.

“A biomimética é simplesmente uma mimese da natureza, é você conseguir copiar organismos e mecanismos da natureza, estratégias da natureza também, e traduzir isso em projetos de design, de arquitetura, de engenharia, então um exemplo bem clássico, digamos, é o velcro, que foi desenvolvido a partir do carrapicho, que gruda na canela, nos cachorros.

O empresário, sócio e um dos fundadores da Nucleário, Pedro Rutman (Foto: Sagres TV)

A empresa foi criada por Pedro e pelo irmão Bruno Rutman em 2018. Designers, os dois aprenderam desde criança a observar e entender a natureza por meio de questionamentos.

“Quando você está escalando uma pedra e começa a observar que tem uma microbiologia ali, que tem bromélias, lagartos, orquídeas, cactos, plantas que conseguem sobreviver em um ambiente hostil, quente e seco de uma pedra, inclinado também, você começa a observar: O que essas plantas têm, que as outras não têm, para conseguir sobreviver a partir de uma seleção natural? Esse é só um exemplo de como a gente consegue questionar. Normalmente, a biomimética começa a partir de questionamentos. Então, como aquela planta consegue sobreviver nesse ambiente? A partir disso você vai gerando um estudo com esse questionamento até que você consegue unir com sua função fora da biomimética, que é você aplicar em alguma área técnica”, afirma.

A startup leva o nome de seu principal produto. O nucleário foi criado para tornar mais eficientes os processos de restauração florestal. A estrutura circular foi inspirada na bromélia. Conhecida pela capacidade de reter água, a planta é uma importante mantenedora da biodiversidade.

“A bromélia é campeã na natureza em acumular água e atrair diversidades. Você olha nas poças de água das folhas da bromélia, onde se formam os cachos, sempre vai ter ali os sapos, besouros, aranhas, e a gente está observando em campo que mesmo em áreas bem degradadas, depois de algum tempo com o nucleário, estão aparecendo esses insetos. Estamos vendo aranhas, formigas que aeram o solo, então esse retorno da biodiversidade já é uma coisa que lá atrás observamos na bromélia e pensamos em como criar esse ambiente. Nada melhor do que trazer a água. Tendo água, traz umidade, e a umidade traz biodiversidade”, elucida.

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Produzido com materiais sustentáveis, o nucleário foi pensado para funcionar como a serrapilheira. “A serrapilheira é a primeira camada do solo, que é formada de folhas mortas e que protege a terra do solo, faz com que os nutrientes fiquem, aderem mais ao solo, faz com que quando cai uma chuva torrencial os nutrientes não sejam lavados, mantém a unidade protetora do solo. Quando a gente está pensando em um projeto de restauração de área degradada, esse solo já está muito pobre, sem a serrapilheira, e a gente como coloca um nucleário nesse local, em um solo pobre, a gente está criando camadas do produto que está fazendo como se fosse aquela folha morta. Aí que está a biomimética”, conclui.

O empresário, sócio e um dos fundadores da Nucleário, Bruno Rutman, no trabalho de implantação do nucleário (Foto: Nucleário/Divulgação)

A biomimética como solução para o ambiente

A serrapilheira e a bromélia não são os primeiros exemplos de biomimética. Os aviões e trens-bala são inspirados nos pássaros; grandes edifícios têm inspiração em bicos de aves ou mesmo nos cupinzeiros; geradores de energia eólica a partir da observação das nadadeiras de baleias. A diferença é que ações como a da startup fluminense foram criadas não para atender às necessidades dos seres humanos, mas da própria natureza”.

A biomimética pode ser encontrada nas construções, meios de transportes e na geração de energia (Foto: Montagem/Sagres Online)

Natureza que foi o centro das atenções em mais uma edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26, na Escócia, em novembro de 2021.

A escritora, jornalista e ambientalista Paula Saldanha, com mais de 4 décadas de trabalhos dedicados às questões ambientais, afirma que a natureza já faz o seu papel de ajudar a humanidade a manter os recursos naturais.

“Não tem sentido, por exemplo, a indústria de cimento incentivar a retirada de algas calcárias para produzir cimento. Não tem sentido todas as políticas de todos os países, seguindo essa norma do capitalismo selvagem, de acúmulo de capital com prejuízo para as populações, para o povo, para o próprio ambiente, então não faz sentido e tem que acabar. Então, como a natureza pode ajudar? A natureza já ajuda. O homem é quem tem que parar de esgotar os recursos naturais”, ressalta.

A jornalista, ambientalista e escritora Paula Saldanha (Foto: Sagres TV)

A jornalista acredita que ações como as da conferência, que fez grandes países poluidores recuarem em relação às emissões de gases do efeito estufa, podem ajudar a conter o aquecimento global, mas reconhece que os esforços ainda não são suficientes para mitigar esse avanço.

“Houve avanços, pelo menos a posição das grandes potências já está caminhando num sentido mais positivo, o que não tinha acontecido no acordo de Paris. Então, é fundamental mudar totalmente as formas de produção na Terra, e esse sistema de capitalismo selvagem, de produção a qualquer custo, de esgotamento de recursos naturais a qualquer custo, de não limitação das emissões de gases de efeito estufa não combina com o planeta nem com a sobrevivência da própria humanidade”, constata.

Dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a taxa de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira (ALB), por exemplo, ficou em mais de 13.235 quilômetros quadrados (km²) no período de 01 agosto de 2020 a 31 julho de 2021, um aumento de 21,97% em relação à taxa de desmatamento do período anterior. Até 2030, este será um dos desafios do Brasil em relação aos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, até para que o país volte a ser uma referência mundial na questão ambiental.

“Se nós, no Brasil, voltarmos e mudarmos completamente a política, tivermos outra postura governamental e de ação, e voltarmos a trilhar o caminho da restauração ambiental, das florestas, dos ecossistemas, das nascentes, dos rios, não só pela não destruição, mas começando o plantio diversificado de novas florestas, de áreas agricultáveis que possam fixar carbono de forma consorciada, diversificada e respeitando a biodiversidade, e as características das espécies de nativas de cada região, amazônica, mata atlântica, cerrado, caatinga, e por aí vai. Então, o Brasil ainda tem grandes áreas com essa possibilidade. Quem sabe teremos jardins e florestas do futuro aqui?”, vislumbra Paula Saldanha.

Para Pedro Rutman, da Nucleário, reflorestar áreas degradadas é fundamental para garantir a sobrevivência da humanidade. Para que isso aconteça, a bionspiração pode se consolidar como uma nova maneira de olhar o mundo torná-lo mais verde outra vez.

“A biomimética já faz parte disso, ainda que uma pequena parte, poderia estar mais ativa ainda, mas é algo novo e que não é tão tátil, é um pouco abstrato para algumas pessoas, acho que por isso não tem tanta capilaridade, mas falando especificamente de plantios florestais, ainda mais de áreas inativas, é de suma importância esse momento que estamos agora [COP26], e o plantio de árvores é a principal estratégia natural para mitigar as mudanças climáticas”, conclui.

Na próxima semana você verá como este assunto se conecta também ao esporte.

O nucleário já instalado (Foto: Nucleário/Divulgação)

Colaboraram Thaís Dutra e Denys de Freitas