Definitivamente este é um comentário que não gostaria de escrever. Discorrer sobre a morte do ex-goleiro, ex-treinador de goleiros Ronaldo Antônio não é tarefa fácil pra ninguém que o conheceu e pra mim que desfrutei com muita proximidade da amizade deste grande desportista é ainda mais trabalhoso.

O conheci jogando pelo Atlético como titular naquele time que perdeu o campeonato goiano de 1967, para o Clube Atlético Catalano (CRAC). Perder o campeonato obrigou o Atlético a fazer um planejamento de renovação para a equipe. Alguns jogadores foram dispensados de imediato e um ano depois, Ronaldo que era muito querido pela torcida, também foi desligado do elenco. O Atlético contratou Nelson Gomes e Ronaldo foi para o Vila Nova, onde foi campeão em 1969, obrigando o Atlético a rever a decisão e buscar o goleiro de volta.

O retorno não foi difícil, pois além de querido pela torcida, ele tinha o coração atleticano, como sempre afirmou. No retorno pegou como concorrente pela titularidade um dos melhores goleiros que atuaram em Goiás, em todos os tempos, Pedro Bala, o que o fez ficar na reserva, no time campeão de 1970 e no que time goiano que ganhou o primeiro título brasileiro, o Torneio da Integração Nacional, em 1971. Em 1972 o Atlético contratou outro goleiro de muita qualidade, o Lourenço, e em 1973, já amargando a reserva por três anos, Ronaldo decidiu deixar o elenco atleticano, mas com um detalhe que até hoje não soube de outro atleta que tenha feito o que ele fez: se afastou do Atlético, mas não quis assinar contrato com nenhuma das equipes que se interessaram pelo seu futebol. A justificativa era a mesma: “meu coração é atleticano”.

Em 1990, fui designado por Jorge Kajuru para ser repórter setorista no Atlético. A equipe de esporte estava na Rádio Difusora e como o Antônio Accioly é próximo da emissora dava para conciliar a condição de setorista e coordenador da equipe. Foi aí que minha amizade com o Ronaldo se afunilou. Ele era o treinador de goleiros do Clube (diga-se de passagem profissional de excepcional qualidade). Sempre sorridente, sempre brincalhão, nunca aceitou a tristeza tomar conta de ninguém próximo a ele. Entre um destino e outro caminhava cantarolando. Sempre músicas alegres e me lembro que muitas vezes chegava na cabine onde realizava o meu trabalho entoando o rap: “a gente que é do funk quer mais é movimento//ficar de bem com a vida, curtir este momento//preto e branco têm direito ao seu espaço//agora eu vou, amor, arrancar o seu abraço//olha a rapa, olha a rapaziada//deixa a rapa, deixa a rapa asiada”. No refrão final dançava funk, ao seu jeito, que por sinal era bem peculiar.

Nunca soube de uma queixa do Ronaldão. Quando veio a crise que fechou o Atlético no início final dos anos de 1990, ele ainda trabalhava no Atlético, mas já acumulando a função de responsável pelo departamento de esporte da Associação Atlética Banco do Brasil.

Quando o Atlético foi reaberto ele voltou imediatamente ao Clube, mas desta vez como torcedor. No dia 14 de agosto do ano passado, quando o Atlético venceu o Oeste de São Paulo, por 2×0, no Estádio Antônio Accioly, o vi subir com muita dificuldade as arquibancadas da tribuna onde ficam os dirigentes. Fui ao seu encontro e o auxiliei. Vi que sentia dor, mas o sorriso e o bom humor eram mantidos. Já sentado quis saber o que se passava. “Papai do céu resolveu testar a força do negão e me mandou um câncer, aos 80 anos de vida. Mas aqui a parada é dura, pode ser que eu não vença, mas vou dar trabalho pra morte”.

Soltou um sorriso. Pra não deixar ele ver a lágrima quente que escorreu pelo meu rosto, virei para o lado, limpei os olhos e me voltei pra ele sorrindo também – foi o riso mais falso que um ser humano pôde sorrir. Não nos encontramos mais. Nos dias 10 e 11 de junho deste ano, o Atlético lançou uma linha de camisas retrô, para relembrar três grandes momentos da sua história. Anos de 1950, 1960 e 1980. Um ídolo de cada década foi escolhido para receber uma camisa com a padronagem igual as que usaram quando jogavam no Clube. Lateral esquerdo Aldo (85 anos) foi o escolhido para representar os craques do time da década de 50, Valdeir os da década de 80, e Ronaldão os da década de 60. Fiquei feliz quando soube da homenagem e imaginei a felicidade que ele sentiu ao receber a visita da diretoria atleticana que foi a casa de cada um fazer a entrega, já que o período é de pandemia, e de poder vestir outra vez uma camisa como a que ele vestiu diversas vezes para entrar em campo.

Liguei para cumprimentá-lo e saber sobre sua saúde. O número que eu tinha não era mais o dele. Esperei para conseguir o novo número e conversar sobre aquele momento. Mas mesmo com o trabalho que ele disse que daria à ela, a morte chegou primeiro e levou o meu amigo, o amigo de quem o conheceu, um homem que nunca deixou o sorriso sair do rosto e nem a alegria do coração.

Quando soube da morte dele, no dia de hoje (6), me lembrei das palavras de Jesus. “Deixai vir a mim os pequeninos, pois deles é o reino dos céus- e este foi o meu consolo, pois Ronaldo Antônio passou pela terra numa vida de trabalho e luta, ficou adulto, constituiu família, fez amigos, foi avô e chegou aos 81 anos, sem abrir mão do direito de manter viva dentro dele a pureza das crianças, que têm feita por Jesus, a promessa de serem as donas dos céus. Sendo assim, Ronaldo rumou para uma propriedade que, legitimamente, é sua.