Na programação esportiva da Rádio Sagres 730, o coordenador da equipe de esporte, Charlie Pereira fez uma cobertura especial sobre a morte por Covid-19, do ex-jogador Tiãozinho, ocorrida nesta quarta feira, dia 29 de junho. Charlie procurou para as entrevistas ex-jogadores que estiveram ao lado dele, no time do Goiás entre 1983 e 1989.

Um dos procurados foi Luvanor, que não teve condições emocionais para falar. Outro foi Zé Teodoro, que embargou a voz e visivelmente segurou as lágrimas. Uidemar, companheiro desde a categoria de base, começou falando da pessoa que foi Tiãozinho, do vínculo estreito de amizade que uniram os dois como irmãos, vínculo este que permaneceu após os dois pararem de jogar futebol.

Ao final, Uidemar não suportou e desabou em lágrimas… lágrimas sofridas pela ida de uma pessoa tão querida.

Outro entrevistado foi Paulo Egídio Pinheiro, neto de Édmo Pinheiro, definido por Hailé Pinheiro como o Anjo da Guarda de Tiãozinho, também já falecido. Paulo Egídio é genro do Tiãozinho e mais uma vez a entrevista terminou com lágrimas… lágrimas sofridas pela ida de uma pessoa tão querida. Sei que quantos fossem procurados chorariam as mesmas lágrimas.

Tiãozinho tinha cardiopatia e usava marca-passo para controlar as batidas do coração. Lutou contra a Covid-19 por um mês e os ex-colegas se juntaram a uma legião de amigos incontáveis, na torcida pela sua recuperação. Mas o coração não resistiu. E por isto cabe aqui uma diferenciação entre um bom coração e um coração bom. Quando o médico fala que o coração é bom, não significa que seu dono tenha um bom coração. Às vezes é carregado de ódio e ressentimento, desumano e prepotente. E há casos em que o coração não está bom, mas é um bom coração.

Tiãozinho entra neste segundo grupo. Bem humorado, portador de gratidão eterna àqueles que lhe estenderam a mão, e em especial ao Goiás Esporte Clube, onde atuou na maioria dos anos que jogou futebol profissional. Era torcedor fervoroso e sempre reverenciava o papel do Clube na vida dele e da família. Era benevolente, apaixonado pela família e amigos. Era justo e sensato. Foi este o lado que conheci com maior profundidade no Tiãozinho.

Em 2002 ele estava encerrando a carreira na Anapolina e eu tentando buscar meu lugar ao sol na crônica esportiva. Trabalhava na Rádio Difusora de Goiânia e recebi a missão para ir a Anápolis cobrir um treino da Rubra, que disputava a Copa do Brasil e acabou eliminada pelo Juventude-RS, na primeira fase.

Ao chegar no Estádio Jonas Duarte, local do treino, fui direto para o campo, esperar pelos jogadores, e quando saíram do vestiário para o treino, não gostaram da minha presença. Um comentarista da emissora em que eu trabalhava havia feito algumas críticas e o elenco achou pesadas e injustas. Fiquei sentado em um dos bancos de reservas, pensando na argumentação necessária para cumprir minha obrigação. Neste momento Tiãozinho entra no campo para treinar e vê aquele clima. Era meu conhecido, mas não éramos amigos. Se dirigiu até mim, me chamou pelo nome, estendeu a mão, puxou-me para fora do banco: “Fica tranquilo. Vem comigo” e me levou até o grupo dos jogadores, que organizavam o tradicional “bobinho”, que acontece antes do início dos treinos coletivos, para relaxamento muscular e emocional dos atletas.

Chegando lá falou: “Gente, este rapaz não tem nada a ver com os comentários feitos na emissora onde trabalha. É só um trabalhador como nós, cumprindo sua obrigação, para ganhar a vida. Como ele vai explicar na rádio em que trabalha, que veio aqui e não pode fazer o trabalho dele?”

Todos concordaram e pude cobrir o treinamento. Saí antes do treino acabar e nem o agradeci.

Nas poucas vezes que o vi depois desta, estava sempre alegre e atencioso. Nunca estreitamos os laços de amizade, mas vertia por ele grande admiração. Aquele exemplo de compreensão humana conquistou meu respeito e consideração. Eu era apenas um repórter, pouco conhecido, buscando meu lugar ao sol, numa profissão dificílima para se firmar como bom profissional. Ele, jogador consagrado, já encerrando uma carreira de sucesso. Por isto avalio como normal a emoção que tomou conta daqueles procurados pelo Charlie para falar sobre ele. Quando a morte leva uma pessoa de bem, as lágrimas contam o quanto esta pessoa é amada.

Já que nunca o agradeci pelo ato nobre de 2002, o faço agora: “Obrigado Tiãozinho. Deus há de te receber com a mesma benevolência com que me recebeu naquele dia”.