Brasil aposta em adaptação climática com programa federal e foco em ações locais

Com os impactos das mudanças climáticas cada vez mais evidentes no cotidiano dos brasileiros — das enchentes no Sul às secas históricas no Centro-Oeste — o governo federal lança o Adapta Cidades, programa que busca fortalecer a resiliência climática de municípios e estados. A iniciativa faz parte de um novo modelo de articulação nacional chamado federalismo climático, que aposta na cooperação entre União, estados e municípios para enfrentar, com ações concretas, os desafios do aquecimento global.

“Não dá mais para fazer política pública cavilando. É preciso fazer com base em evidência”, afirmou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao explicar a importância de capacitar as prefeituras com dados e planejamento técnico. O Adapta Cidades foi lançado durante o encontro nacional de prefeitos e prefeitas em Brasília, com investimento inicial de R$ 15 milhões.

A verba será usada para apoiar a criação de planos de adaptação e resiliência climática em 260 cidades, auxiliando gestores na tomada de decisão com base científica. A ideia é que os recursos sirvam para mapear riscos, oferecer consultorias técnicas e orientar os municípios sobre onde e como aplicar políticas públicas com foco climático.

Tragédias recentes impulsionam mudanças

A motivação para a criação do programa também veio da realidade. As tragédias ambientais recentes, como a pior seca no Pantanal em 70 anos e, principalmente, as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024, acenderam o alerta. Segundo a diretora do Departamento de Políticas para a Adaptação e Resiliência à Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Inamara Melo, em entrevista ao programa Agir Sustentável, os números mostram a gravidade da situação.

“No ano de 2003, os prejuízos econômicos relacionados ao clima giravam em torno de R$ 5 bilhões ao ano. Em 2023, saltamos para R$ 54 bilhões. Com a tragédia do Rio Grande do Sul, esse número pode chegar a até R$ 110 bilhões só naquele evento”, detalhou.

A diretora ressaltou que o Brasil já enfrenta um aumento de até 3 °C na temperatura máxima em algumas regiões, valor acima da média global. “Precisamos aprender a lidar com esse novo normal. A mudança do clima já está acontecendo e impacta a todos, do norte ao sul do país”, alertou.

Integração entre setores

Segundo o governo, o diferencial do Adapta Cidades é promover a integração de diferentes setores públicos, como saúde, educação, transporte, agricultura e moradia, com a Agenda Nacional de Adaptação Climática. O objetivo é garantir que o enfrentamento das mudanças do clima seja tratado como prioridade transversal em todas as políticas públicas.

“Não estamos falando de uma agenda apenas ambiental. Quando tratamos da adaptação climática, falamos de proteger vidas, infraestrutura, garantir abastecimento de água, alimentos e serviços essenciais para a população”, explicou Inamara Melo.

Ela reforçou que o Ministério do Meio Ambiente tem atuado para que o Plano Nacional de Adaptação, conhecido como Plano Clima, seja incorporado nas estratégias locais. A capacitação de servidores para uso de ferramentas e análise de risco é uma das frentes do programa.

Apesar do avanço, a implementação ainda enfrenta barreiras. A própria diretora reconhece que há resistência política em parte dos municípios. “Ainda existe uma falta de compreensão sobre o perigo que todos nós enfrentamos. Há prefeitos que acreditam que sustentabilidade não dá voto”, declarou.

Para Inamara, mudar essa mentalidade é essencial: “Estamos fazendo um grande esforço para assegurar o engajamento da sociedade e dos gestores. Todos os investimentos, públicos e privados, precisam passar pela lente climática se quisermos um futuro sustentável.”

Construção sustentável

Com o avanço das mudanças climáticas e o aumento da frequência de eventos extremos, a construção civil passa a desempenhar um papel fundamental na adaptação das cidades e moradias ao novo cenário ambiental. Entre as alternativas apresentadas, estão as construções sustentáveis, com materiais ecológicos, técnicas de drenagem urbana e projetos arquitetônicos que reduzem o impacto ambiental e melhoram o conforto térmico das residências.

“O setor da engenharia é muito dinâmico. A partir do momento que detectamos um problema, buscamos a solução para que ele não se repita. É um processo contínuo de aperfeiçoamento que considera a sociedade como um todo”, afirma o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Goiás (Crea-GO), Lamartine Moreira, destacando o papel do planejamento urbano aliado à sustentabilidade.

Entre os exemplos mencionados, estão as caixas de infiltração. Elas funcionam como pequenas cisternas perfuradas que recebem o grande volume de água da chuva, especialmente em temporais. “Essa água, em vez de escoar direto para a sarjeta, fica armazenada e só depois é liberada. Com isso, diminuímos os alagamentos nas cidades”, explica o engenheiro.

Arquitetura que responde ao clima

O Agir Sustentável também visitou um exemplo prático de residência adaptada às novas exigências climáticas. A casa, localizada em um condomínio de Goiânia, é assinada pelas arquitetas Virgínia Perê e Tuane Galvão. “Independente da demanda do cliente, nossos projetos já nascem com a sustentabilidade como filosofia. É a forma como vivemos e trabalhamos”, pontua Virgínia.

Segundo as arquitetas, o projeto foi pensado desde o início de acordo com princípios da arquitetura bioclimática. Isso inclui a análise da trajetória do sol, da ventilação natural do terreno e do entorno da casa. “O objetivo é garantir conforto térmico o ano todo, com materiais como tijolos de solo-cimento, telhas isotérmicas e o uso da ventilação cruzada, que dispensa o uso de ar-condicionado”, explica Tuani.

Engana-se quem pensa que a sustentabilidade está restrita a construções caras. Apesar de estar em um condomínio de alto padrão, a residência visitada traz soluções viáveis e replicáveis. “O tijolo ecológico não precisa de revestimento, o concreto polido dispensa porcelanato. Isso reduz custos e evita desperdícios”, detalha Virgínia.

Além disso, o telhado já é projetado para receber placas solares, mesmo que o cliente não as instale de imediato. “A previsão evita retrabalho e desperdício. E mais: garante economia a longo prazo”, completa Tuane. Segundo elas, mesmo com um valor inicial parecido com o de construções convencionais, casas sustentáveis trazem payback: geram retorno financeiro ao longo do tempo com economia de energia e manutenção.

Outro diferencial está na reutilização de materiais, como esquadrias de madeira de demolição. “O que já existe é o mais sustentável. Essas peças têm excelente qualidade e custam até cinco vezes menos do que mandar fabricar novas”, revela Virgínia. Para elas, cada projeto é único e leva em conta o microclima regional.

“Um projeto feito para Goiânia não serve para o Sul do país, onde temos verões quentes e invernos rigorosos. É preciso adaptar tudo: aberturas, materiais, orientação solar e ventilação”, explica Tuani. A proposta de sustentabilidade passa, portanto, por uma concepção personalizada e consciente desde o início.

“Retrabalho não é sustentável. Pensar no futuro da obra desde o projeto evita reformas e garante uma casa mais eficiente, confortável e integrada ao ambiente”, conclui Virgínia.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima.

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