(Foto: Divulgação / Assessoria do Governo de Goiás)

O procurador-geral da República, Augusto Aras, informou nesta segunda-feira (2) ao governador Ronaldo Caiado que adotará quatro medidas para resolver a crise energética em Goiás. Vai enviar uma representação contra a Enel ao Ministério Público Federal em Goiânia, com pedido de a instauração de uma ação civil pública; um ofício à Aneel para reforçar a fiscalização em relação ao serviço prestado pela empresa italiana; além de encaminhamento da pauta para a 3ª Vara do MPF (da Ordem Econômica) e para a Advocacia-Geral da União. “Vamos procurar todas as saídas técnicas e viáveis possíveis”, confirmou Augusto Aras a Caiado.

A conversa aconteceu durante visita do governador ao procurador em Brasília na tarde de segunda-feira, quando Caiado entregou um ofício solicitando intervenção da Procuradoria-Geral da República. No texto, o governador pediu ao MPF a utilização “dos instrumentos legais para compelir o (poder) concedente e a concessionária a prestarem o adequado serviço público de distribuição de energia elétrica, bem assim para que sejam condenados por danos morais coletivos causados à população goiana”.

Em entrevista à Sagres nesta terça-feira (3), o presidente da Assembleia Legislativa, Lissauer Vieira (PSB), disse que esse pedido não significa que o governo desistiu de aprovar o projeto de lei apresentado por ele e o líder do Governo, Bruno Peixoto (MDB) para a Celg GT encampar a Enel. Lissauer afirmou que o projeto será votado em primeira votação nesta terça e em segunda votação na quarta-feira.

Atualização às 10h08: A Sagres apurou que o oficio já está no MPF em Goiás, que agora vai abrir prazos para a Aneel e a Enel se manifestarem. 

Confira abaixo a íntegra do ofício 114/2019 do governo de Goiás ao PGR

Senhor Procurador-Chefe,

A par de cumprimentá-lo, na qualidade de representante do povo goiano, ao tempo em que vimos repartir a nossa preocupação e profunda insatisfação com a qualidade da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica no estado de Goiás, apoiados no art. 6º da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24-07-1985), pedimos providências, ainda que as mais drásticas, para a solução das graves consequências à sociedade goiana.

De há muito, como é do conhecimento da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, que a concessionária Celg Distribuição S.A – CELG D, controlada pela Enel Brasil S.A., não vem prestando à população goiana um serviço público de qualidade, nem mesmo garantindo o mínimo aceitável. Os transtornos à sociedade são de grande monta e a perspectiva para a solução não tem se desenhado.

Diante desse quadro caótico foi assinado em fevereiro um Plano de Ações Prioritárias (PAP) em que se buscava consensualmente a devida prestação do serviço público.

Todavia, como o mesmo não foi suficiente para a solução da questão, recentemente, um instrumento de ajustamento de condutas denominado de

“Termo de Compromisso e Acompanhamento” entre o Estado de Goiás e a Celg D, sob a vigilância e interveniência do Ministério das Minas e Energia – MME e da ANEEL, onde a concessionária se comprometeu a aperfeiçoar a prestação do serviço público que executa por conta da União (documento anexo), a inércia e o desrespeito ao usuário persiste, resultando numa péssima qualidade da prestação de serviços de distribuição de energia elétrica, com graves prejuízos para todos (domicílios, escolas, hospitais, mobilidade urbana, indústria, comércio, atividades rurais, abastecimento de água e coleta de esgoto, etc.), instalando-se o caos, diariamente divulgado pela imprensa nacional.

O Estado de Goiás, à vista de sua depauperada condição e afligido pelo acentuado desajuste fiscal, que inclusive renderam ensejo à decretação do estado de calamidade financeira (Decreto n. 9.392/19), foi permitido por liminar em sede de ACO a aderir ao RRF e, por intermédio dele, buscar corrigir os desvios que afetaram o equilíbrio das contas públicas para, ao fim, reorganizar-se financeiramente. Neste sentido, o Governo tem empreendido enormes esforços para equilibrar as contas públicas e a falta da adequada prestação do serviço público de energia elétrica acaba por emperrar o desenvolvimento social e econômico do Estado.

Observe-se que pelo Relatório apresentado pela AGR (documento em anexo), agência contratada pela Aneel para realizar as fiscalizações na rede de distribuição de energia elétrica operada pela Celg D no Estado de Goiás, no mês de outubro desse ano atesta uma piora significativa na duração dos eventos de falta de energia elétrica quando comparado ao mês anterior e quando comparado com a previsão fornecida pela própria concessionária. Este mesmo relatório também mostra que 33 conjuntos de distribuição de energia elétrica, dos 156 existentes, estão acima de 3 vezes do limite de tempo máximo de indisponibilidade do fornecimento de energia elétrica recomendado pela Aneel, afetando diversas cidades e empresas do Estado de Goiás, que ficam dias seguidos com o fornecimento de energia elétrica interrompido. E mais, pela análise do relatório são grandes os indícios de que a concessionária não atenderá às metas de desempenho às quais se comprometeu.

Após fiscalização realizada pela AGR no inicio do 2º semestre de 2019, a CELG D foi penalizada em valor superior a R$62 milhões, considerada a maior multa já aplicada pela Aneel a uma distribuidora.

Outro documento que comprova que a concessionária Celg Distribuição S.A – CELG D, controlada pela Enel Brasil S.A., não vem prestando um serviço de qualidade, é a notificação da Saneago à CELG D pela interrupção constante de energia. Nessa oportunidade (documento em anexo), cientificou-se que diversas unidades operacionais de abastecimento de água e dos sistema de esgotamento sanitário tiveram faltas de energia nos últimos meses, prejudicando a distribuição de água e extravasando esgoto. As manutenções pela concessionária de energia não estão sendo realizadas de forma imediata, e demoraram às vezes 24 horas ou mais para serem restabelecidas.

Apesar de todas as queixas, reclamações e do clamor social, a Celg D continua numa passividade injustificável. O comportamento descompromissado da concessionária ofende as mais primitivas necessidades humanas. Nem a aplicação das sanções administrativas de grau pequeno e médio, como a imposição de multas, tem sido suficiente para convencer a concessionária a ajustar a sua conduta ao voluntariamente contratado.

Não bastasse as disposições dos arts. 6º e 31, inciso I, da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, a Cláusula Segunda – Condições de Prestação do Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica do Contrato de Concessão nº 63/2000 – ANEEL obriga, em vão, a concessionária a garantir a prestação do serviço público com regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia no atendimento e modicidade das tarifas.

O recalcitrante comportamento inadequado da concessionária sugere a exigência de medidas mais enérgicas por parte do Poder Concedente, cogitando-se da possibilidade da decretação da intervenção prevista nos arts. 32 e seguintes da Lei nº 8.987/95, e até mesmo podendo culminar com a extinção da concessão, na modalidade caducidade, ex vi dos arts. 35 e seguintes da lei de regência.

Nada obstante, o Poder Concedente se mantém inerte, deixando de exercitar o seu poder-dever constitucional, legal e contratual de proporcionar e de exigir da concessionária a prestação do serviço público digno para a população goiana.

Várias providências foram adotadas pelo Governo do Estado de Goiás e pelo Poder Legislativo Estadual para convencer o concedente e a concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica a prestarem o serviço no nível de qualidade desejada, mas em vão.

Extrai-se do art. 127, caput, da Constituição Federal, que incumbe ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais homogêneos. No mesmo sentido o art. 1º da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12-02-1993); o art. 1º, incisos II e IV, combinado com o art. 5º, inciso I, da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 24-07-1985); e o art. 81, parágrafo único, combinado com o art. 82, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11-09-1990), que indicam o Ministério Público como guardião e protetor dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

São por estas razões, e por outras que poderão surgir da atuação ministerial, que pugnamos para que o Ministério Público Federal se utilize dos instrumentos legais para compelir o concedente e a concessionária a prestarem o adequado serviço público de distribuição de energia elétrica, bem assim para que sejam condenados por danos morais coletivos causados à população goiana.

Atenciosamente,

Ronaldo Ramos Caiado