THIAGO RESENDE E DANIELLE BRANT
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
– A Câmara dos Deputados concluiu nesta quarta-feira (15) a votação da segunda parte da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que adia o pagamento de dívidas da União já reconhecidas pela Justiça e, assim, libera espaço no Orçamento para promessas do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O texto-base do projeto, que libera mais R$ 43,8 bilhões em despesas no próximo ano, foi aprovado em primeiro turno nesta terça (14) por 327 votos a favor e 147 contrários. No segundo turno, concluído nesta quarta, a proposta recebeu 332 votos favoráveis e 141 contrários. Agora, segue para promulgação.
Os deputados desistiram de fazer alterações significativas no texto que já foi aprovado pelo Senado. Com isso, não será mais necessário enviar a proposta para nova análise pelos senadores.
Por maioria, os deputados suprimiram dispositivo que contém previsão para o pagamento das parcelas dos precatórios do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) dentro do mesmo ano. O Senado criou esse calendário para evitar que o governo pagasse esses recursos a estados comandados por adversários políticos apenas após a eleição de 2022.
Apesar da supressão, pontos essenciais da PEC foram mantidos.
Em entrevista ao chegar à Câmara, Lira fez questão de ressaltar que os deputados mantiveram o cerne do texto dos senadores, como a vinculação dos recursos ao pagamento do programa social e o Fundef fora do teto.
“Então foi uma maneira de dizer ao Senado que a Câmara, quando assume os compromissos, ela cumpre. Com tranquilidade, sem nenhum tipo de alarde, com discussão”, afirmou.
A PEC dos Precatórios é hoje a principal pauta de interesse do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. O objetivo é autorizar o governo a gastar mais e viabilizar a promessa de elevar o valor do Auxílio Brasil numa tentativa de dar impulso a Bolsonaro na campanha à reeleição em 2022.
Com a aprovação desta segunda parte da PEC, o efeito total da proposta é alcançado -R$ 106 bilhões em 2022.
No entanto, segundo cálculos do Ministério da Economia, o valor é insuficiente para atender à promessa de reajuste de servidores feita por Bolsonaro, para ampliar as emendas parlamentares e para elevar os recursos do fundo de financiamento de campanha eleitoral.
Para ampliar em cerca de R$ 106 bilhões as despesas do próximo ano, a versão anterior PEC tinha dois pilares.
Um deles, que já foi promulgado e já está valendo, permite um drible no teto de gastos, fazendo um novo cálculo retroativo desse limite.
A outra medida, que foi aprovada na Câmara nesta quarta, cria um valor máximo para o pagamento dos precatórios -as dívidas que não entrarem nessa lista serão adiadas e quitadas em anos posteriores.
Esse limitador para a quitação de dívidas deve ser questionado na Justiça. O presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, Eduardo Gouvêa, já disse que pretende entrar com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a medida.
O fatiamento da PEC ocorreu por causa de mudanças feitas no Senado ao texto que já havia sido aprovado previamente pela Câmara.
Os senadores mantiveram integralmente a parte que dribla o teto de gastos e libera R$ 62,2 bilhões em 2022.
A Câmara precisou então votar as alterações feitas no pilar que trata do limite de pagamento de precatórios, responsável pela abertura de R$ 43,8 bilhões para novas despesas no Orçamento do próximo ano diante do adiamento da quitação de dívidas.
Os deputados aceitaram prever que a medida tenha validade até 2026, e não até 2036 como estava a versão anterior.
Isso foi uma demanda de senadores que temem que a criação de um teto de pagamento de precatórios vire uma “bola de neve” e a União passe a acumular uma dívida muito grande no futuro.
Ao reduzir em dez anos o prazo de vigência, a nova versão da PEC não altera os efeitos da proposta no Orçamento de 2022.
Também foi aprovada pela Câmara a parte que deixa claro que o aumento de gastos em 2022, a partir da aprovação da PEC, será vinculado a despesas obrigatórias, à área social e à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.
O texto também prevê um mecanismo de vinculação dos gastos que deixarão de ser pagos em precatórios para bancar despesas com o programa social e na área de seguridade social, como aposentadorias, entre 2023 e 2026.
A Câmara confirmou ainda que o pagamento de dívidas ligadas ao Fundef (fundo da área de educação) ficará fora do teto dos gastos. Isso representou uma derrota para a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) que resistia a essa medida, mas teve que ceder para aprovar o texto no Senado.
Para 2022, há mais de R$ 17 bilhões em dívidas de repasses do Fundef para estados e municípios. A PEC, porém, parcela essa conta em três anos.
A equipe econômica conta com o espaço de R$ 106,1 bilhões para conseguir acomodar todas as despesas previstas para 2022.
Para assegurar a ampliação do Auxílio Brasil, o governo precisa de R$ 51,1 bilhões adicionais.
Outros R$ 48,6 bilhões serão destinados à correção de benefícios sociais pela inflação, à ampliação do teto de gastos de outros poderes (devido à mudança na regra) e ao ajuste nos mínimos constitucionais de saúde e educação.
Há ainda uma fatura extra de R$ 5,3 bilhões para bancar a prorrogação da desoneração da folha de pagamento para empresas, medida já acertada entre governo e Congresso Nacional.
Conforme o jornal Folha de S.Paulo revelou, a votação do primeiro turno da PEC original teve manobra de Lira para aumentar as chances de aprovação da medida.
O texto, prioridade do governo Jair Bolsonaro (PL), aliado de Lira, passou em primeiro turno pela Câmara com uma folga de apenas quatro votos -312 votos favoráveis (eram necessários ao menos 308)-, na madrugada do dia 4 de novembro.
A votação remota, nos termos definidos por Lira, permitiu que deputados “no desempenho” de viagem de missão oficial pudessem votar sem registrar presença no sistema de identificação biométrica do plenário.
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PONTOS DA PEC
1) Mudança no indexador do teto de gastos
O que é o teto: regra constitucional aprovada em 2016 que limita o aumento da maior parte das despesas federais à inflação do ano anterior
Como é hoje: o teto é corrigido pela inflação medida pelo IPCA em 12 meses até junho do ano anterior
Como fica: o valor é recalculado, retroativamente, com base no IPCA de janeiro a dezembro; na prática, isso amplia o teto

2) Refis a municípios
O que diz a PEC: possibilidade de municípios parcelarem dívidas com a União caso aprovem reformas da Previdência locais
Condições: municípios terão que comprovar mudanças específicas nas regras previdenciárias. Uma delas é que os servidores municipais não poderão pagar alíquotas menores que os servidores da União

3) Teto para pagamento de precatórios
O que é precatório: dívidas da União já reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de recurso
Como é hoje: precatórios inscritos no Orçamento são pagos
Como fica: é criado um valor máximo a ser quitado no ano (cálculo usa como base o montante pago em sentenças judiciais em 2016 e corrige esse número pela inflação); os precatórios que ficarem fora desse limite deverão ser pagos em outros anos

4) Vinculação de despesas liberadas após a PEC
O que diz a PEC: os R$ 106 bilhões a serem autorizados após a conclusão de toda a PEC seriam usados apenas em algumas despesas
Lista de despesas: gastos obrigatórios (aposentadorias, pensões e despesas atreladas à inflação), Auxílio Brasil e desoneração da folha de pagamento