Os irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS (Fotos: Agência Brasil)

Cinco anos depois de instaurar inquérito civil público contra ato do governo de Marconi Perillo, em dezembro de 2014, que concedeu perdão fiscal de quase R$ 1 bilhão ao Grupo JBS, a 50ª Promotoria de Justiça de Goiás ingressou com ação civil pública declaratória de nulidade de ato administrativo contra o benefício fiscal. Autora da ação, a promotora Leila Maria de Oliveira pediu a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 160/2017 e do Convênio ICMS 190/2017, bem como de ressarcimento ao erário contra a JBS.

Na ação, é pedida a indisponibilidade de mais de R$ 949,104 milhões de quatro empresas filiais do grupo, a título de tutela provisória de evidência (não exige demonstração do perigo de dano – periculum in mora –, baseando-se unicamente na evidência, isto é, na demonstração documental). A promotora Leila Maria alega que houve “evidente caráter imoral e desproporcional” no benefício.

Segundo ela, a Lei 18.709/14, que alterou a redação do Programa Regulariza, teve vigência por apenas oito dias – de 22 a 29 de dezembro de 2014, tendo a promulgação da Lei estadual nº 18.709/2014 sido direcionada para, num momento de recesso dos órgãos públicos de controle, beneficiar, de maneira ilícita, as empresas requeridas.

Esta é a segunda ação da mesma promotoria em relação a esse perdão fiscal ao Grupo JBS. Em abril, a mesma promotora propôs uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra Marconi pelo benefício fiscal a 1 mil empresas, entre elas o Friboi. Pediu ainda o bloqueio de R$ 3,9 bilhões em bens do ex-governador. A ação está na 4ª Vara da Fazenda Pública à espera de despacho da juíza Zilmene Gomide.

As duas ações são fruto do inquérito que o Ministério Público instaurou em março de 2015, quando o fato se tornou público. O benefício foi liberado em dezembro daquele ano (veja histórico abaixo). Em maio de 2017, a promotora já tinha indícios de ilegalidade na renúncia tributária, porque ela ocorreu depois de haver inscrição na dívida ativa e porque havia a previsão da receita orçamentária com inclusão de juros e multas previstas na legislação além do débito tributário.

A promotora também entendeu que havia indícios de ato de improbidade administrativa e crime de responsabilidade por parte do governador Marconi Perillo. Como ele tinha foro privilegiado, por ser governador, Leila Maria encaminhou o inquérito, ainda inconcluso, para a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ).

De acordo com a assessoria de imprensa, a PGJ entendeu por bem pedir diligências, solicitando documentos junto ao MPF sobre a delação do Grupo JBS na Operação Lava Jato. Só no início deste ano chegou a resposta, negando ao MP-GO o acesso à delação. Nesta ocasião Marconi já não tinha mais foro privilegiado, por isso o inquérito voltou à promotoria de origem. Em função disso, informa o MP, só agora as investigações foram concluídas para a propositura da ação.

Em julho de 2017, também o então senador Ronaldo Caiado propôs ação civil pública na Vara da Fazenda Pública Estadual em Goiânia contra os irmãos Wesley e Joesley, Marconi e o ex-secretário da Fazenda, José Taveira. Na ocasião, o governo do PSDB negou que houve privilégio. Justificou que 968 empresas regularizaram seus débitos com o Estado em 2014 e que essas empresas representam 1.234 estabelecimentos comerciais.

Em maio de 2018, o juiz Élcio Vicente da Silva, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, determinou a extinção da ação popular proposta por Caiado. O juiz entendeu que não caberia uma ação popular para este caso e declarou extinto o processo, sem exame de mérito, por “inadequação da via escolhida”.

Entenda o caso

A JBS dos irmãos Joesley e Wesley Batista deviam R$ 1,326 bilhão ao Estado, fruto de 49 autos de infração lavrados entre 2005 e 2014. Acusada pela Secretaria da Economia de fraudes como simulação de operações de exportação e omissão na apresentação de talonários com base em informações duvidosas e não comprovadas, a empresa se recusou a apresentar defesa, pois não reconhecia a dívida.

Em 5 de maio de 2014 o governador Marconi Perillo (SPSDB) sancionou a Lei 18.459, criando o Programa de Incentivo Fiscal de Empresas no Estado de Goiás (Regulariza). A lei autorizou a redução da multa, juros e da atualização monetária de créditos tributários inscritos na dívida ativa até 31 de dezembro de 2007 de acordo com uma tabela da antiga Secretaria da Fazenda (Sefaz).

Na época, a JBS era a maior empresa com débitos tributários em discussão administrativa e judicial do Estado, ainda assim ela não aderiu ao Regulariza. A dívida do grupo representava 18% das pendências que contribuintes da ativa tinham com o Estado. Parte dessas cobranças haviam sido julgadas procedentes pelo Conselho Administrativo Tributário (CAT) da Sefaz e estavam prontas para serem inscritas na dívida ativa. No entanto, os processos pararam.

Em 15 de dezembro de 2014, a Assembleia Legislativa recebeu o projeto de lei assinado pelo governador Marconi modificando a Lei 18.459. Essa modificação foi aprovada dia 18 de dezembro do mesmo ano, sem nenhuma discussão em plenário. Em 22 de dezembro, o governador sancionou a Lei 18.709, (ou a Lei Friboi, como ficou conhecida em Goiás) publicada em um suplemento do Diário Oficial do Estado, que incluiu o artigo 6º A no Regulariza aprovado em maio.

A mudança reduziu em 100% a multa, juros, e até mesmo a correção monetária do débito principal para quem pagasse no mínimo 40% à vista e em moeda. Ainda permitiu o parcelamento do restante em até 60 vezes com apenas 0,2% de juros e correção monetária ao mês. 

A redução integral de juros, multa e até da correção monetária de tributos em atraso nunca tinha acontecido. O novo Regulariza concedeu apenas uma semana para quem quisesse aderir: de 22 a 29 de dezembro, entre Natal e Ano-Novo. Foram apenas 15 dias, sem publicidade alguma, entre a apresentação do projeto de lei e o fim do prazo para as empresas aderirem ao perdão fiscal.

Foi então que a JBS renegociou sua dívida de R$ 1,326 bilhão. Fez o pagamento à vista de R$ 170 milhões (53% da dívida recalculada pelos benefícios da Lei 18.709) e parcelamento de R$ 150 milhões em 60 meses. O Estado recebeu R$ 326,690 milhões e a JBS economizou R$ 949,104 milhões. A economia foi duas vezes e meia maior que os R$ 366,8 milhões que a JBS declarou ter doado oficialmente na eleição de 2014.

Todo o processo legislativo e a negociação ocorreram em sigilo. Somente em janeiro de 2015 o acordo tornou-se público. A promotora Leila Maria de Oliveira do Ministério Público Estadual abriu inquérito civil público para investigar o perdão fiscal.

O governo emitiu nesta quarta-feira (11) seguinte nota sobre a ação civil pública:

“Em relação ao pedido de nulidade de benefício fiscal e bloqueio de R$ 949 milhões ao Grupo JBS, protocolado pelo Ministério Público de Goiás, a atual gestão do Governo de Goiás informa que sempre condenou este perdão de mais de R$ 1 bilhão concedido à JBS pelo ex-governador Marconi Perillo, por meio de uma lei que valeu apenas uma semana, exatamente para beneficiar a dívida de mais de R$ 1,3 bilhão da empresa. Esta ação lesou duramente o Estado de Goiás e os mais de 7 milhões de goianos que pagam suas dívidas em dia.

 

Importante lembrar que, enquanto senador, o governador Ronaldo Caiado sempre se posicionou contra esse perdão fiscal, inclusive tendo entrado com uma ação popular para que fosse suspenso esse programa de anistia fiscal que beneficiou o grupo JBS.

Governo de Goiás”.

Correção: Atualização às 15h, do dia 12 de dezembro de 2019, para correção de informação sobre a conclusão do inquérito instaurado pela 50ª Promotoria. Diferentemente do que informava a versão corrigida, este inquérito não foi concluído em 2017, quando enviado à Procuradoria-Geral de Justiça.