A cidade assiste atônita a descoberta sobre um gato ser beneficiário em programa social do governo e o fato é que a maioria dos que apontam o inquisidor dedo gostaria de ter tido a oportunidade de se locupletar. Infelizmente! Afinal de contas, a questão central do fato não é a corrupção em si, mas o desdém do autor à estrutura conceitual da rede de proteção social implantada 1995, com o propósito de mitigar a miserabilidade e estimular a redistribuição de renda, viabilizando, assim, o desenvolvimento social, tanto de forma imediata, como mediadora.
A descoberta do golpe se deu, quando um agente de saúde foi até a casa do animal convocá-lo para a pesagem no posto de saúde, conforme exige o programa no caso de crianças. Indignada, a dona do felino descobriu que o marido não apenas recebia o benefício pelo bichano, como, também, por seus dois filhos. O ardil era conquistado graças à condição funcional do autor intelectual da conspiração, coordenador do programa no município de Antônio João (MS). Um cargo assumido em 2008.
Desmascarado, o servidor foi exonerado e está sendo processado. A tramoia veio à tona em setembro passado. A pena, provavelmente, gravite em torno da devolução do rombo causado, ou seja, R$ 7.580,00 com atualização monetária. É óbvio que o malandro terá sua situação agravada por processos criminais, que devem guindá-lo à condição de presidiário. Ponto final.
Não será o primeiro e, provavelmente, não será o último. E a assertiva é verdadeira não porque é inerente ao ser humano a condição de delinquente, mas por que em seu DNA o brasileiro continua se considerando um espoliado histórico. Que dó não fosse uma verdade enviesada, que há muito deveria ter sido superada. E não o foi, por que os governos tanto imperiais, quanto republicanos, estimularam uma cidadania meramente social imediata. Educação e saúde estariam fora do pacote.
A instantaneidade aos direitos mitigadores das desigualdades sociais, além de deixar em pouca relevância outras facetas da cidadania, tais como a política e a civil, também não estimulou em sua plenitude o cumprimento dos deveres, uma vez que em uma coletividade os direitos de um indivíduo são garantidos a partir do cumprimento dos deveres dos demais componentes da sociedade.
Neste cenário, estimulou-se a cristalização entre parcela significativa da sociedade brasileira que o Estado é o vilão e o pobre/remediado é o coitadinho que tudo pode, pois historicamente sempre foi espoliado pelo modelo colonizador do país. É como se os protagonistas dos direitos estivessem recebendo uma indenização histórica. Uma visão canhestra e oportunista, estimulada por políticos horizontais que primam apenas pelo momentâneo. Mercadores da imperfeição moral e da impunidade plena e exemplar.
Atendo-se apenas ao caso, é necessário entender que a ideia em combater a pobreza passa, necessariamente pela assistência específica a famílias mais necessitadas. Começou, nos anos 80 com as cestas básicas e atualmente está nos cartões. Primeiro se mata a fome e, em seguida, institui-se o ensino de um trabalho. Fragiliza-se o processo, quando se trata os beneficiários como coitadinhos. Abre-se flancos para se perpetrar o imaginário que os incentivos além das fronteiras da miserabilidade são migalhas.
Uma visão turva e mesquinha, que guinda aos cargos agentes públicos ligados partidariamente ao governo de plantão, que quando folgam com o legalismo desaparecem nos labirintos das legendas em voga. O problema não está na rede de proteção social.
Quem assim acha é por que nunca sentiu fome e sempre teve onde dormir, tomar banho, trabalhar e vivenciar o entretenimento social. O transtorno é perpetuar o imaginário coletivo que administração pública tem por fio condutor o paternalismo. Está na hora de crescer e parar de mirar no retrovisor.