Os 30 micro-ônibus do sistema CityBus continuam rodando, apesar da determinação do Setransp e as ameaças jurídicas e administrativas da Câmara Deliberativa do Transporte Coletivo. A contenda entre empresários e poder público indicava que os quase mil e cem passageiros, que utilizam os serviços dos micro-ônibus, teriam que procurar outra solução de mobilidade a partir das zero hora de sábado passado. A espera foi adiada para o final da tarde da próxima quarta-feira, quando todos os personagens dessa história se reúnem no primeiro andar do Palácio Pedro Ludovico.

Como este tipo de serviço foi criado como vacina contra o resurgimento dos perueiros, a suspensão do CityBus pode abrir espaço para o retorno do transporte seletivo. Apesar dos ex-protagonistas daquela era serem, atualmente, os proprietários da Cootego, uma cooperativa que explora o transporte coletivo oficial nas regiões norte e leste, conforme contrato assinado com a Prefeitura de Goiânia, em 2008.  

O sindicato, que defende os interesses da HP Transporte, Reunidas, Rápido Araguaia e Cootego (empresas que operacionalizam o sistema de coletivos da região metropolitana da Grande Goiânia), garante que a suspensão dos serviços se dá em virtude do congelamento no valor da tarifa do transporte urbano em R$ 2,70 e na baixa procura do público. Atualmente, o sistema CityBus – criado em maio de 2009 com uma tarifa de R$ 4,50 – opera em dez linhas, através de 30 veículos, com 422 usuários em média ao dia, mediante 235 viagens diárias e um valor tarifário de R$ 3,50.

O vereador Elias Vaz, cujo início da carreira política se mescla à luta dos perueiros, em Goiânia, para implantar o transporte alternativo na capital, anuncia ser contra a suspensão do serviço, alegando que está faltando é qualidade que atraia o usuário. De acordo com ele, esse tipo de serviço contribui para a melhoria e qualificação do tráfego em diversas cidades brasileiras. Vaz assevera que dois problemas são determinantes para a baixa média de usuários: linhas inadequadas e frequências. “Em Goiânia a espera pelo transporte diferencial é maior do que pelo convencional. É um absurdo”.

A superintendente do Procon goiano, Darlene Araújo, adianta que o órgão de defesa do consumidor não entrará nesta contenda entre Setransp e CDTC, explicando que o foco, atual, é a questão tarifária. Araújo adianta, que a Agência Goiânia de Regulação (AGR) deveria ser instada a entrar na discussão, por ter responsabilidade legal pela fiscalização de serviços público.

De acordo com a dirigente do Procon, a suspensão das atividades do CityBus, além de ser um fato novo, não foi um item previsto na ação civil pública proposta pelo órgão estadual. No processo estão previstos retorno da tarifa aos R$ 2,70, a melhoria do transporte e a mudança no sistema do cartão eletrônico. Por enquanto, o Procon prefere a cautela e realiza avaliações.

Até o final da tarde de sexta-feira, o órgão não havia realizado o registro de reclamações, sob alegação de que o fato não estava consumado. Materializado o fato, o Procon procederá a abertura de atendimento preliminar. Para que o procedimento se torne uma reclamação, que resulte na abertura de processo administrativo, o fato tem que se configurar má prestação de serviço. Uma situação complexa, caso se questione se a suspensão dos serviços acarretará ou não problemas ao usuário do sistema de transporte coletivo.

Cronologia
Exemplos nacionais revelam que a aceitabilidade do transporte alternativo não é diretamente proporcional ao valor da tarifa. O caso de Porto Alegre (RS) é um dos mais emblemáticos, onde a tarifa é 80% maior do que a do transporte convencional e 43% de seus usuários são proprietários de veículos. Um cenário que revela a contribuição positiva para a questão da mobilidade.

O CityBus foi criado, de acordo com a Rede Metropolitana de Transporte Coletivo de Goiânia (RMTC), como um laboratório ambulante para experiências de novas tecnologias, que poderiam, posteriormente, serem agregadas ao transporte coletivo. O usuário do serviço nunca foi oriunda das classes média e alta, mas de uma ínfima parcela do sistema de coletivos que poderiam pagar um pouco mais, como estudantes ou recém-formados que estariam indo para o primeiro emprego. Essencialmente.

Alternativo
O início da luta pelo transporte alternativo teve início em abril de 1997, quando se criou o Sintrago. À época, o vereador Misael Oliveira (PTB) cria projeto que dispõe sobre a implantação do sistema de transporte alternativo na capital. O recém-empossado prefeito Nion Albernaz (PSDB) é sitiado por kombis e vans, mas o projeto é rejeitado em maio, por 23 votos a cinco. Quatro meses depois, o Sintrago assina convênio com o Diretório Central dos Estudantes da UFG (DCE/UFG) e posteriormente com a Associação dos Moradores do Itatiaia (Amovita), pelo qual passou a funcionar o transporte alternativo dessas localidades até o Centro.

O Setransp não demorou a agir, buscando cassar o serviço na Justiça, mediante um mandado de apreensão dos carros do serviço. Mediante protestos estudantis, o sistema alternativo foi mantido. No ano subsequente, os perueiros, como eram conhecidos, quase conseguiram a instituição do serviço em âmbito estadual, quando a Assembleia Legislativa aprovou a proposta em dois turnos, mas rejeitou na terceira rodada, em uma sessão que terminou de madrugada e sob protestos.

Um dos momentos mais críticos do movimento pela implantação do serviço alternativo aconteceu com no primeiro semestre do governo Marconi Perillo, em 1999, quando durante um confronto entre os perueiros e a polícia, o motorista José Marcos Ferreira da Silva foi morto por um tiro de escopeta calibre 12. O fato aconteceu em frente ao prédio da reitoria da UFG, durante ação ostensiva da ROTAM e do GATE. Os estudantes universitários, revoltados com a atitude da polícia, queimaram vários ônibus.

Seis meses mais tarde, sem as devidas autorizações, mas com uma lei aprovada pelo Legislativo de Goiânia, o transporte alternativo começa a rodar sem autorização. Inicialmente, 300 vans rodavam na Grande Goiânia, em linhas definidas pela própria categoria. Na tentativa de asfixiar economicamente os perueiros, o Palácio das Campinas, em 2000, determina que todos perueiros adquiram micro-ônibus. O ano termina com o serviço regulamentado, permissões provisórias distribuídas e uma frota de 740 micro-ônibus rodando.

Durante todo o governo do professor Pedro Wilson (2001/2004), o Setransp elevou o tom e arregimentou aliados, com o propósito de por fim ao sistema. Chegou a reduzir a frota, alegando prejuízo. A população passou a hospitalizar os alternativos. O setor estaria em crise. Para minimizá-la, os alternativos foram proibidos de circular no Centro Expandido. O reordenamento culminou com a demissão de dois mil cobradores. Os passageiros dos bairros passaram a ser obrigados a realizarem as interligações nos terminais. Às vésperas da deflagração do processo eleitoral, em 2003, os perueiros foram convencidos a se organizar em uma cooperativa para participar, posteriormente, de uma licitação.