Qual a definição de economia? Em trecho de um artigo publicado no jornal O Boto, da comunidade de Alter do Chão, em Santarém, no Pará, é o conjunto de atividades desenvolvidas por pessoas visando a produção, distribuição e o consumo de bens e serviços necessários à sobrevivência e à qualidade de vida.

Essa pode ser uma definição básica, mas a partir do momento que na comunidade Alter do Chão, a compreensão, o auxílio mútuo, as relações pessoais, a cooperação e a sustentabilidade dos moradores passam a ser prioridade, o conceito se altera para economia solidária, que pode ser considerada como um dos indicadores ao cumprimento de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a ODS 8 – Emprego digno e Crescimento Econômico.

“São relações econômicas voltadas para uma ação comunitária, ou seja, que as pessoas tenham uma ação de solidariedade e de reciprocidade. O que isso significa? Estabelecer relações diretas com as pessoas. Você sabe quem é o seu consumidor, quem é o produtor, e tenta trabalhar uma produção e distribuição dentro da própria comunidade”, explica o economista Marcos Valle, da Uninter, do Paraná.

Costureiras em Alter do Chão – PA Foto: Agência Pará

Um exemplo de como Alter do Chão – que tem cerca de 7 mil moradores e sobrevive da exploração turística do rio Tapajós – passou a ser referência na execução da economia solidária, aconteceu durante o auge da pandemia do coronavírus. Trabalhando em casa, 36 mulheres que sobrevivem do turismo local, começaram a produzir cerca de 200 máscaras por semana. Com a fabricação, as famílias que estavam com atividades paralisadas puderam complementar a renda. Cada costureira produziu cerca de 1.600 máscaras.

Ao todo foram produzidas 60.600 máscaras, que foram doadas à Secretaria Municipal de Saúde de Santarém. Em troca, além do complemento da renda, as costureiras receberam kits especiais com produtos de higiene, álcool em gel, carta de agradecimento e cartilha de prevenção.

“Na economia solidária a ideia é ter uma ação que você tenha uma atenção com o outro, pra que o próximo tenha uma continuidade em sua vida. Que estabeleça uma relação mais significativa”, destaca Marcos Valle.

Quem pratica?

Além de Alter do Chão, outras comunidades espalhadas pelo Brasil praticam a economia solidária. No Conjunto Palmeira, bairro popular de Fortaleza, no Ceará, tem até um banco que estimula a circulação de uma moeda própria. Assim, os moradores compram, vendem e fomentam a economia local como uma forma de amenizar a falta da moeda oficial.

Sede do Banco Palmas Foto: Divulgação

“São pessoas que ficam a margem do sistema dominante, que as vezes não conseguem se estabelecer nas relações comerciais como estão postas, então devem se juntar, em grupos, pra suprir as necessidades. Esse modelo apresenta uma iniciativa de equidade e justiça social. Uma vez que não consigo me colocar dentro do modelo tradicional, devo procurar um modelo de sustentação, aí que entra a sustentabilidade”, detalha Marcos Valle.

Olhar pra fora

Se engana quem acha que a produção de bens e serviços se limite apenas para dentro das comunidades quando o assunto é economia solidária. De acordo com o economista Marcos Valle, a partir do momento que a execução do trabalho em grupo passa a ter resultados significativos, é normal comercializar o excedente. Outro ponto favorável neste processo, é a facilidade na obtenção de microcréditos junto aos bancos.

“É muito comum a economia solidária se transformar em cooperativas, que é um princípio de união, como organizar uma produção e organizar para captar recursos, porque um dos desafios da economia solidária é a captação de créditos, pra estabelecer relações maiores, além da delimitação geográfica, local. Isso passa a ser importante, pois é um meio da comunidade suprir as suas demandas por novos conhecimentos, tecnologia, melhorias e ter acessos a outros produtos e serviços. Ela tem o princípio de participação, mas com o tempo vai passar pelas condições que qualquer iniciativa tem dentro de mercado, seja para melhorias e captação de recursos”.

Princípios e compreensão

“Olhar pra dentro”, compreender a necessidade do próximo, são princípios básicos da economia solidária. Em linhas gerais, aquela “ajudinha” é um belo exemplo de quem quer ver o crescimento e continuidade do próximo na busca pela sustentação diária.

“Trabalho com o João, o Pedro e eu sei quem são essas pessoas e porque estou fazendo isso. Seria muito diferente, eu pegar e dizer para o João, que agora estamos em uma situação diferenciada, vamos desconectar nossas relações, pois agora vou fazer parte de uma economia de mercado que preza pelos resultados e lucro. Aí deixou de ser solidário, de ter preocupação com as pessoas e a sustentabilidade”, diz o economista Marcos Valle, que foi claro, sobre a importância da valorização das pessoas em todo o processo da economia solidária.

“No fim, a ideia surge de um estado de vulnerabilidade, mas é importante que não se perca na medida em que ela progride, que as pessoas se mantenham fazendo parte da economia, não descartando elas”.

Leia mais