O professor de ecologia, Jean Paul Metzger, que leciona no Instituto de Biociências e no Instituto de Estudos Avançados da USP, criticou o Projeto de Lei nº 2.159/2021 que estabelece um novo marco federal para licenciamento ambiental no país. Metzger é autor do artigo “Em desarmonia com a natureza”, publicado no jornal Nexo, no qual ele afirma que o projeto favorece a degradação ambiental.

“A revisão foi pautada na busca por maior celeridade e eficiência no processo de licenciamento, com o objetivo de reduzir o chamado “entrave ambiental”. Na prática, ela promove o autolicenciamento de empreendimentos de baixo a médio impacto ambiental e dispensa uma série de atividades do licenciamento, entre elas uma ampla gama de atividades agropecuárias. Em outras palavras, abre as porteiras para a degradação ambiental, favorecendo alguns poucos setores industriais e econômicos e prejudicando amplamente a sociedade em termos de resiliência climática, bem-estar e saúde”, escreveu.

O professor da USP destacou que o projeto aprovado no Senado na quarta-feira (21), com 54 votos favoráveis e 13 contrários, aumenta significativamente os riscos de poluição e de perda de vegetação nativa altamente biodiversa. 

“Isso ficou particularmente evidente quando os senadores incluíram, de última hora, uma emenda que literalmente desconstrói a Lei da Mata Atlântica. A modificação, que parece ser singela, nada mais é do que a eliminação do principal princípio norteador dessa lei: a proteção de florestas em estágios mais avançados de sucessão”, apontou.

Jean Paul Metzger (Foto: USP)

No artigo, Jean Paul Metzger afirma que as florestas que podem ser eliminadas são importantes aliadas no enfrentamento das mudanças climáticas: “tanto em termos de estoque de carbono quanto de proteção contra eventos climáticos extremos”. Ao longo de décadas ou séculos, essas florestas se desenvolveram e com o novo licenciamento ambiental poderão ser mais facilmente cortadas.

“A autorização para o corte dessas florestas, que só deveria ocorrer em situações excepcionais de utilidade pública e após análise de órgãos estaduais ou federais competentes, passa agora a poder ser feita no âmbito municipal. Infelizmente, muitos municípios — em especial os menores ou localizados em áreas remotas, que frequentemente coincidem com regiões mais preservadas — não dispõem de equipe técnica qualificada nem de órgãos dedicados a essas análises socioambientais”, argumentou.

Desta forma, o processo de licenciamento ambiental que deveria atender a critérios técnico-científicos e estar livre de interesses políticos e econômicos fica vulnerável. 

“O Brasil deveria priorizar ações que criem as condições necessárias para avançar rumo ao desmatamento zero e à restauração plena das áreas degradadas. No entanto, o novo licenciamento ambiental, com a mudança da Lei da Mata Atlântica, caminha na direção oposta, facilitando o desmatamento de florestas e outras formações nativas que beneficiam cerca de 140 milhões de brasileiros. O desmatamento zero deveria começar com a plena proteção das matas mais maduras”, afirmou.

Um processo de licenciamento ambiental deve ser aperfeiçoado com celeridade e qualidade, disse Metzger. “O ganho de velocidade não pode ocorrer em detrimento da qualidade”. Para isso, ele pontuou, que seria mais lógico o Congresso Nacional reforçar os órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento do que fragilizá-lo ou eliminá-lo.

Desmatamento registrado em região próxima à Floresta Estadual do Antimary, no Acre (Foto: Beatriz Cabral/Inpe)
Desmatamento registrado em região próxima à Floresta Estadual do Antimary, no Acre (Foto: Beatriz Cabral/Inpe)

“Com a fragilização promovida pelo Projeto de Lei nº 2.159/2021, quem perde é a sociedade brasileira, que conviverá com paisagens mais poluídas e degradadas, sofrerá ainda mais com as mudanças climáticas e seus eventos extremos e vivenciará a perda de um patrimônio natural altamente biodiverso. Com isso, estamos indo abertamente contra o bom senso e violando as diretrizes do Marco Global da Biodiversidade, aprofundando nossa desarmonia com a natureza”, disse o professor.

O texto foi aprovado no Senado, mas como foi alterado ele retornou à Câmara dos Deputados para nova análise. O novo licenciamento ambiental é uma proposta que está em discussão há 21 anos no Congresso Nacional — 17 anos na Câmara dos Deputados e quatro anos no Senado. 

*Com Jornal da USP

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima e o ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes.

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