MATHEUS TEIXEIRA BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta quarta-feira (7) que o país vive um “delicado momento” em que autoridades ignoram os limites do poder e tentam cooptar as instituições.

A declaração foi dada após receber homenagem dos colegas em sua penúltima sessão como juiz da corte. Celso de Mello irá se aposentar no próximo dia 13, após mais de 31 anos como integrante do tribunal.

Foi o seu discurso de despedida. Mas o ministro ainda participará da sessão desta quinta-feira (8), quando será julgado o recurso do presidente Jair Bolsonaro contra decisão que obrigou o chefe do Executivo a depor presencialmente no inquérito que investiga se houve interferência à autonomia da Polícia Federal.

O magistrado não fez referência a nenhum político, mas há alguns meses ele se tornou um crítico contumaz do presidente Bolsonaro tanto em conversas reservadas quanto em decisões no inquérito, sob sua relatoria, que apura a veracidade das acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o chefe do Executivo.

Ao discursar, por meio de videoconferência, o ministro disse que tem uma “inabalável fé na integridade e na independência do STF” por mais desafiadores, difíceis e nebulosos “que possam ser os tempos que virão”.

“Os magistrados deste alto tribunal, com suas qualidades e atributos, sempre estarão, como sempre estiveram, à altura das melhores e mais dignas tradições históricas”, afirmou.

De acordo o decano, essa tarefa se dá “especialmente em delicado momento de nossa vida institucional no qual se ignoram os ritos do poder e em que altas autoridades da República, por ignorarem que nenhum poder é ilimitado e absoluto, incidem em perigosos ensaios de cooptação de instituições republicanas”.

Celso afirmou ainda que a atuação das instituições “só se pode ter por legítima quando preservado o grau de autonomia institucional que a Constituição lhes assegura”.
Inicialmente, o ministro deixaria o tribunal em 1º de novembro, quando faz 75 anos e teria de se aposentar compulsoriamente por causa da idade. No entanto o magistrado afirmou que “por razões estritamente médicas” teve de antecipar a saída da corte.

No último dia 1º de junho, o ministro enviou um texto a diversos interlocutores em que comparou a situação do Brasil à da Alemanha nazista e disse que parecia “estar prestes a eclodir” no país a destruição da ordem democrática.

A comparação foi feita no mesmo dia em que apoiadores de Bolsonaro haviam promovido um ato em Brasília no qual pediam a intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF.

À época, o gabinete do ministro disse que a manifestação foi exclusivamente pessoal e não teve vinculação com o STF.

No texto compartilhado com outros ministros e com pessoas próximas, Celso de Mello fez uma analogia com a Alemanha e lembrou que Adolf Hitler foi eleito pelo voto popular, mas depois “não hesitou em romper e em nulificar a progressista, democrática e inovadora Constituição de Weimar de 1919”.

O presidente da corte, ministro Luiz Fux, preparou a homenagem desta quarta e escolheu Cármen Lúcia, mais antiga ministra do tribunal em exercício, para falar em nome do tribunal.

O vice-decano do STF, ministro Marco Aurélio, porém, irritou-se por não ter sido o porta-voz do Supremo na homenagem e se recusou a falar depois dos colegas.

“Observo na vida acima de tudo a organicidade. Vossa excelência anunciou que a ministra Cármen Lúcia atuaria como porta-voz, falou em nome do colegiado”, disse o ministro para Fux.

O presidente do STF tentou evitar o mal estar e afirmou que as palavras da magistradas foram “insubstituíveis”.

Cármen havia dito que Celso alia “a firmeza de decisões com a lhaneza de trato e a leveza do convívio”.

“Fez do cuidado com o outro e com a justiça pelo outro um gesto humano permanente, a ser marca de sua vida”, disse.

Fux, por sua vez, classificou Celso de Mello como um “juiz visionário, republicano e progressista” e elogiou a postura do colega.

“Sua postura serena e o seu perfil conciliador o transformaram em um decano singular desta corte: ponto de equilíbrio nos momentos de instabilidade e farol nas situações de escuridão”, disse.

Até o advogado-geral da União, José Levi, que representa o governo federal no Supremo, elogiou Celso, sem citar os embates vividos entre o Executivo e o magistrado recentemente. Segundo ele, a saída do magistrado “abre um vazio” no Supremo.