A Deloitte Touche Tohamatsu Consultores vai receber um total de R$ 9,8 milhões dos cofres públicos para realizar uma perícia na folha de pagamento do Estado e buscar soluções para contenção de gastos. O contrato, firmado entre a Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento (Segplan) e a Deloitte, tem duração de 15 meses. Ao que pese os benefícios que a consultoria eventualmente trará ás contas do governo deve-se avaliar também a idoneidade de quem presta serviço ao poder público.

A empresa contratada responde a diversos processos por envolvimento em ações fraudulentas, tanto no Brasil como no exterior, e coleciona condenações na maior parte deles. Em um dos episódios, as infrações cometidas podem acarretar à Deloitte a perda de licença para continuar a exercer serviços de auditoria na Espanha. Nesse processo, a empresa é acusada de violação do dever de independência dos auditores de contas durante uma consultoria prestada ao Bankia, um dos quatro maiores bancos espanhóis.

Diretamente atingido pela crise imobiliária que acometeu o continente europeu em 2008, a instituição teve de ser assistida por serviços de auditoria, realizados pela Deloitte em 2011. De acordo com o Ministério da Economia da Espanha, a Deloitte não teria cumprido as normas vigentes de auditoria, infração classificada grave pela legislação espanhola que pode levar a Deloitte a ser coibida de atuar no país.

Além do episódio ocorrido na Europa, a empresa de contabilidade foi condenada pela Justiça brasileira a pagar uma indenização de R$ 47,6 milhões por danos morais e materiais à fabricante de tubos e conexões Tigre. A condenação é referente a uma operação de exportação fraudulenta. O juiz Luis Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível de São Paulo, considerou a empresa de consultoria culpada pelos atos de exportação que envolviam a retomada de créditos tributários, operação que trouxe prejuízo para a Secretaria da Fazenda.

A operação data de março de 2003, época em que a Deloitte integrava o Comitê Fiscal da Tigre e apresentou à empresa um projeto chamado “Geração de ICMS e Crédito Presumido de IPI em Decorrência de Exportação”. A ação era fundamentada na aquisição, beneficiamento e exportação de soja, o que geraria créditos tributários. A Tigre, então, em dezembro do mesmo ano, alterou seu estatuto para entrar no ramo da agricultura. Em 2005, a empresa acabou sendo autuada pela Sefaz por exportação simulada.
 
Deloitte em Goiás
No mês passado, a Rede Clube de Comunicação veiculou reportagem divulgando a contratação da Deloitte para realizar serviços de auditoria no Estado. Uma contratação que estaria envolta de irregularidades. Embora o objetivo da consultoria seja controlar os gastos estaduais, a terceirização do serviço representa um gasto a mais para o Estado, uma vez que a administração pública dispõe de técnicos qualificados para desenvolver.

Em entrevista à Rádio 730, no dia 8 de julho, a superintendente-central de Recursos Humanos da Segplan, Lilian Milhomens, justificou a contratação dos serviços de auditoria alegando que quadro de funcionários da Segplan não é preparado tecnicamente para executar esse tipo de trabalho. “O nosso núcleo é voltado para os deveres cotidianos. Sobrecarregaríamos os nossos servidores se os puséssemos para realizar este trabalho e, além do mais, não temos a expertise que uma empresa especializada tem”. Depois de publicada a reportagem, no dia 16 do mesmo mês, a Segplan enviou uma nota negando que a superintendente tenha duvidado da capacidade dos servidores e gestores governamentais, porém a entrevista foi gravada e consta dos arquivos da emissora.

A fiscalização da folha de pagamento do Estado deve, em tese, ser realizada pela Controladoria Geral (CGE), cujos deveres cabem comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e nas entidades da administração estadual.  O serviço de auditoria deve também ser executados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), que tem uma Gerência de Controle de Atos de Pessoal para vistoriar os contratos de funcionários, aposentadorias e outros atos. E uma terceira opção, que fragiliza ainda mais a versão de que o Estado não tem competência para realizar o trabalho a ser realizado pela Deloitte, seriam os gestores governamentais que, legalmente, têm atribuições para formularem políticas públicas, regularem, fiscalizarem e controlarem internamente a administração.

Esse contrato não é único firmado entre a Segplan e a Deloitte. Por R$ 1,5 milhão e sem passar pelos trâmites legais do processo licitatório, a Deloitte foi escolhida também para realizar um estudo sobre a Plataforma de Logística Muldimodal, em Anápolis. O projeto pretende ligar o Aeroporto de Cargas e o Porto Seco, formando um grande complexo logístico. De acordo com a Segplan, o motivo da não realização de certame para a contratação da consultoria seria uma suposta exclusividade dos serviços ofertados pela Deloitte.

Entretanto, este acordo fere frontalmente a lei 8.666, que estabelece condições para os processos licitatórios e regulamenta a dispensa dos mesmos, visto que existem no mercado nacional e internacional outras empresas especializadas em serviços de contabilidade, auditorias fiscais e consultorias financeiras.  

A Deloitte é uma das cinco empresas associadas ao Movimento Brasil Competitivo (MBC) – que consiste em firmar parcerias entre segmentos empresariais e o governo de Goiás. O objetivo do programa é monitorar fatores que afetam o desempenho econômico da administração pública e reparar danos, indicando soluções plausíveis aos gestores do Estado. Além da Segplan, outras cinco pastas goianas já aderiram ao projeto: Secretaria da Saúde, da Fazenda (Sefaz), da Educação (Seduc), do Meio Ambiente (Semarh) e de Segurança Pública (SSPJ).

Investigações do Ministério Público
O Ministério Público de Goiás (MP) abriu inquérito para avaliar a legalidade do contrato entre a Deloitte e o Estado. O processo está sob a guarda da promotora de Justiça do Patrimônio Público Leila Maria de Oliveira, que acredita no superfaturamento do contrato. “Foi enviado um ofício para o TCE perguntando se há ou não superfaturamento nesse contrato com a Deloitte, pois eles são técnicos e poderão emitir um parecer técnico. Somente após a confirmação das irregularidades e superfaturamento podemos abrir uma ação civil pública”, explica.

Contrariando mais uma vez a negativa da Segplan, a promotora afiança que também recebeu a alegação de que não há no governo servidores habilitados para realizar a auditoria interna. Quanto à denúncia de que a Deloitte responde a processos por envolvimento em fraudes em outros Estados do Brasil e no exterior, Leila Oliveira assegura que o fato é novo, sendo informada pela reportagem no momento da entrevista, e que isso será levado em consideração no decorrer do inquérito, além de mudar completamente o rumo das investigações.

Por nota, a Segplan alegou que toda a documentação exigida no processo de licitação, definida pela legislação brasileira, foi apresentada pela Deloitte e considerada regular. Disse ainda que o Governo de Goiás não pode emitir opinião sobre situações que transcendem a esfera do Estado, até mesmo porque desconhece o conteúdo dos processos. Por fim, a secretaria garantiu que o contrato está sendo executado conforme o planejado e as áreas de controle estão atenta às decisões ocorridas dentro do território brasileiro.