Quando viu que o povo de Campinas não estava aceitando a ideia da cidade ser rebaixado à condição de bairro de Goiânia, o ex-prefeito ex-cidade, vereador da nova Capital, Licardino de Oliveira Nei deu a ideia para o interventor Pedro Ludovico criar algum laço fraterno entre o bairro e a nova Capital.

Nem sei de quem foi o projeto, mas o fato é que a rua larga que saia da Praça Coronel Joaquim Lúcio e ia até onde estava sendo construído o cemitério novo, batizado de Cemitério Santana, conhecida como Rua da Direita (a direita da Praça Joaquim Lúcio), passou a se chamar Avenida 24 de Outubro e foi estendida até se encontrar com a Avenisa Anhanguera, em frente ao local em que seria construído o Mercado São Judas Tadeu.

Dar o nome da data do aniversário da nova Capital ao principal logradouro campineiro acabou acalmando os corações bairristas da cidade que virou setor. Além de colocar em Campinas a Av 24 de Outubro, uma lei de autoria do poder executivo, comandado pelo prefeito Venerando de Freitas Borges, estabeleceu por lei que parte dos festejos dos aniversários de Goiânia fossem comemorados na imponente Avenida. Os primeiros aniversários tiveram.

Procissões, onde fiéis seguiam a Imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira da cidade, do Cemitério Santana até a Praça Joaquim Lúcio. Na praça a Santa era levada para o alto do coreto, onde já estava montado o altar. O povo se espalhava pela Praça e os padres, paramentados em branco, verde e vermelho (cores da bandeira de Goiânia), rezavam a missa solene pelo aniversário de da Capital.

Durante a procissão eram cantadas ladainhas. Um Fordinho, de carroceria fabricado em 1929, levava a imagem e os padres na frente e o povo vinha cantando atrás. Era sugerido ao povo seguir a procissão de branco, mas nem todos obedeciam. Após a missa rosas brancas, devidamente abençoadas por Nossa Senhora Aparecida eram distribuídas por quem conseguia pegar uma – o viveiro municipal não conseguia produzir rosas suficientes para todos.

Mas uma coisa tinha para todos: a apresentação da Banda Municipal. Tão logo terminava a missa, o altar era retirado e com ele todo o aparato da celebração e a Banda subia e tocava. Uma clarineta, um trombone, dois saxofones, dois violões, uma viola, um cavaquinho, um pandeiro e um surdo. 10 músicos ao todo. O repertório era marchinhas e o povo adorava.

Aliás, era a banda que iniciava a celebração do aniversário. Logo pela madrugada ela saia, na carroceria de um caminhão, com tábuas encaixadas entre uma lateral e outra da carroceria, servindo de acento, tocando pelas ruas da cidade. Primeiro em Campinas, depois no centro e por fim nos bairros periféricos.

A medida que as escolas forma chegando, chegaram com elas as bandas marciais. Eram lindas e tocavam maravilhosamente bem. Vários dos seus professores/regentes vieram de outros estados. Eram enormes, a do Lyceu de Goiânia e a do Colégio Pedro Gomes eram as maiores: Ambas tinham mais de 100 membros.

O uniforme das Bandas lembrava muito as fardas da guarda real dos tempos da monarquia. O do Liceu era sapato preto, meias brancas, calças de linho branco, com uma listra azul nas laterais das pernas, camisas brancas, com colarinhos e punhos amarelos e azuis, com adorno de ceda retorcida em cordões amarelos caindo pelos ombros. Na cabeça cartolas azuis com adornos amarelos.

O uniforme do Pedro Gomes era encantador também. Sapatos pretos, calças de linho brancas com duas fitas fininhas nas laterais das pernas, uma vermelha e outra preta. Camisas brancas com colarinho e punhos pretos e jaquetão vermelho, com listras pretas e brancas nas laterais das mangas longas. Nos ombros adorno de ceda retorcida em cordões dourado. Nas cabeças, cartolas vermelhas com penachos pretos e brancos.

Ainda eram bandas imponentes as da Escola Técnica Federal, Instituto de Educação de Goiânia, Colégio Universitário, Instituto de Educação de Campinas Presidente Castelo Branco. As bandas assumiram o lugar das procissões, no aniversário de Goiânia, na programação para a Ab 24 de Outubro. Era realizado um concurso, muito competitivo, com rivalidade maior do que as dos fanáticos pelo futebol.

A concentração acontecia no trecho entre a Av X (hoje Av Independência) e a Av Anhanguera. Tanto a X, quanto a Anhanguera também serviam de espaço para concentração.

Junto com as bandas tinham os carro alegóricos belíssimos, inspirados nas riquezas naturais do cerrado. Eram eles, os carros alegóricos que abriam o desfile de cada banda e atrás delas vinham os alunos uniformizados marchando.

A estética da formação da banda era perfeita. Filas horizontais, para os que tocavam os mesmos instrumentos e verticais, com um instrumento atrás do outro. Na frente vinham os bumbos, seguidos pelos tambores, depois os tarois. Os pratos abriam o bloco dos metais, seguidos pelos trombones trombones. Atras vinham os pistões, depois os saxofones, flauta e as cornetas.

Na frente, vestida com um maiô sempre lindo, nas cores da banda, vinha a baliza. Moça de corpo perfeito, pernas grossas, com um bastão nas mão, que fazia ginástica de solo e do ar. Depois da baliza vinham as portas bandeiras. Eram quatro, cada uma com sua bandeira: a do Brasil, de Goiás, de Goiânia e a da escola. Estas também eram moças selecionadas pela beleza e altura.

Uma banda só saía da concentração, quando a primeira fila da outra já havia contornado a Praça Joaquim Lúcio, onde, do alto do coreto, os jurados avaliavam e davam as notas.
O povo se aglomerava nas calçadas ao longo do caminho percorrido pelas bandas.

Não tinha uma só árvores que não ficava carregadas de adolescentes para ver o desfile. Eu que assisti todos os ocorridos após 1967, confesso que nunca vi espetáculo mais glamouro, emocionante e belo.

Os regentes caprichavam na seleção: Dobrados, marchas, músicas instrumentais e sucessos populares nacionais e internacionais adaptados para a orquestração da banda compunham o repertório. Curiosamente não havia música repetida. Cada banda tinha o seu: exclusivo.

Como bom campineiro, torcia pela Banda do Colégio Pedro Gomes, onde meus irmãos e irmãs estudavam, participavam do desfile e um tocava tarol na banda. Não via a hora de iniciar a fase do estudo colegial (hoje segunda fase do ensino médio) para estudar no Pedro Gomes e entrar para a banda.

Arrepiava quando a Banda do “Pedrão” aparecia. Como era do bairro, era sempre a última a se apresentar. Penso que não era apenas eu que arrepiava. Todas as escolas traziam para a 24 de Outubro um espetáculo rico em cor, movimento e som. Mas os alunos do Lyceu não reconheciam a beleza do desfile do Pedro Gomes e os do Pedro Gomes enchiam de defeitos (que não existiam) o desfile do Lyceu.

Raramente uma ou outra banda de outra escola ganhava o concurso. As favoritas eram as do Pedro Gomes e do Lyceu. O resultado era anunciado só no dia 25, mas até ele sair o assunto era o desfile.

Quem ganhava comemorava um dia inteiro. A banda se apresentava por várias vezes nas ruas entorno da escola. Fogos de artifícios explodiam por mais de uma vez no céu. Tinha discurso do diretor (a) e do maestro. Quem perdia dizia que foi roubado pelos jurados e curtia uma fossa duradoura e sofrida.

Além da beleza dos desfiles havia a beleza da qualidade do ensino público. A passagem do tempo levou a qualidade do ensino público. Não sei quem foi o responsável que colocou um fim no desfile escolar e no concurso das bandas, da Avenida 24 de Outubro, no dia 24 de outubro.

Mas sei que o baixo nível da qualidade do ensino fechou o ensino da segunda fase do ensino médio no Lyceu e no Pedro Gomes, hoje funcionando como escolas de tempo integral para a primeira fase do ensino médio e nenhuma delas tem banda mais.

Quando terminei o ginásio, naturalmente prestei a concorrida seleção para estudar no Pedro Gomes, que ainda era uma grande escola do então segundo grau. Era época de realizar o sonho: estudar no Pedro Gomes e entrar para a banda. Acho que pela altura seria selecionado para aprender tocar bumbo (por ser os primeiros da fila, os mais altos faziam parte deste grupo), mas valia qualquer instrumento.

O que queria era vestir aquela roupa linda, desfilar na 24 de Outubro e ganhar o concurso do Lyceu. Me dediquei como nunca para prestar a seleção. Passei, estive entre as melhores médias: quinto lugar na classificação geral dos 150 aprovados para as seis turmas disponibilizadas (duas pela manhã, duas a tarde e duas a noite).

Quando apresentei para me matricular minha inscrição não foi aceita. Com 11 anos não estava dentro da faixa etária para o segundo grau. Acompanhado pela minha mãe, falamos com a diretora. Ela lamentou, mas explicou que era determinação do Ministério da Educação e não tinha como fazer nada. Era época do governo militar e realmente não adiantava fazer nada. Para eles um menino de 11 anos cursar o segundo grau era queimar etapa e tirar da criança, o direito de ser criança.

O jeito foi seguir para a escola particular: primeiro o Carlos Chagas e depois o Objetivo. Nunca estudei no Pedro Gomes, só entrei numa de suas salas de aula, uma vez para prestar o exame de seleção, nunca aprendi tocar nenhum instrumento de banda e nunca participei de um desfile escolar.

Me sobraram dois direitos: 1 – Guardar na lembrança a magia dos dias 24 de outubro da infância e adolescência, quando o mais belo dos espetáculos acontecia; 2 – Manter viva a esperança de que um dia o concurso de banda volte junto com o desfile escolar.