IDIANA TOMAZELLI / BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que vai abrir um espaço adicional de R$ 106,1 bilhões no Orçamento, a equipe econômica do governo Jair Bolsonaro (PL) quer trancar o cofre com um “cabo de aço”, na tentativa de atravessar 2022 sem risco de farra eleitoral.
Embora as despesas estejam limitadas pelo teto de gastos, agora expandido, há o temor de novas investidas para conceder reajuste a servidores públicos ou implementar o auxílio-diesel a caminhoneiros, prometido por Bolsonaro para atenuar a alta no preço do combustível, mas que até agora não saiu do papel.
Economistas de fora do governo, porém, são céticos quanto à capacidade da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) de barrar as pressões.
Eles também alertam para a possibilidade de uso de outros instrumentos, como renúncias fiscais e subsídios via bancos públicos, para conceder benesses sem esbarrar no limite de despesas.
Com a alta de juros promovida pelo Banco Central para conter a aceleração de inflação, os especialistas veem cenário propício ao pedido de empresas e integrantes do Congresso por concessão de crédito mais barato, patrocinado pelas instituições financeiras oficiais.
A correção da tabela do IR (Imposto de Renda), que retira receitas do governo, mas resulta em menor tributação para famílias, também está no radar como uma das medidas com apelo eleitoral.
O refinanciamento de dívidas tributárias de contribuintes, por sua vez, já está em discussão no Legislativo.
Auxiliares do ministro veem “alto risco” de a disputa pelo Palácio do Planalto motivar uma forte pressão por medidas populistas, mas destacam a necessidade de manter o rigor fiscal para evitar o descontrole das contas.
Em outubro, Guedes perdeu quatro integrantes da equipe após o presidente bater o martelo pela mudança do teto de gastos, que abriria caminho ao pagamento do Auxílio Brasil de pelo menos R$ 400 até o fim de 2022, ano em que Bolsonaro buscará a reeleição.
O ministro tem buscado, nas aparições públicas, destacar a melhora no quadro fiscal -o déficit de R$ 53,4 bilhões acumulado no ano até outubro é o menor para o período desde 2015-, mas já admitiu que a mudança no teto para gastar mais é politicamente oportunista, embora tecnicamente defensável.
Segundo auxiliares de Guedes, o foco agora é limitar as mudanças à PEC, já em fase final de tramitação no Congresso, sem dar espaço a novas investidas que ameacem a credibilidade fiscal do país.
A missão é comparada a uma travessia em rio turbulento: é preciso lançar uma corrente e se manter agarrado a ela para não ser levado pela correnteza.
Aliados do ministro dizem que o chefe da equipe econômica não é partidário e segue fiel a seus princípios de controle de gastos e menor participação do Estado na economia.
Na ala política do governo e no Congresso, no entanto, há apetite por medidas que resultam em mais gastos ou menos receitas. O próprio presidente voltou a defender reajuste para servidores públicos, embora não haja dinheiro no Orçamento para bancar o gasto.
“Teria [de ser reajuste de] 3%, 4%, 5%, 2%… Que seja 1%. Essa é a ideia. Porque nós estamos completando aí no meu governo três anos sem reajuste. Agora, o reajuste não é para recompor toda a inflação, porque não temos espaço para isso”, disse Bolsonaro em entrevista à Gazeta do Povo na quarta-feira (8).
Em meio à pressão por reajustes, Guedes e secretários da pasta responsáveis pela área de pessoal recebem nesta segunda-feira (13) o ministro Anderson Torres (Justiça) e os diretores-gerais da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e do Depen (Departamento Penitenciário). A expectativa é que a pauta seja a correção das remunerações da categoria.
Marcos Mendes, pesquisador do Insper e colunista da Folha de S.Paulo, vê a falta de controle da política fiscal pelo Ministério da Economia. “A PEC dos Precatórios é só um episódio em um quadro maior”, afirmou.
“Quem comanda agora são os interesses políticos, tanto do Congresso quanto da ala política do governo”, disse.
Para Mendes, as principais ameaças são o Refis para renegociar dívidas tributárias, a renovação de benefícios fiscais para empresas, a pressão para concessão de crédito subsidiado por bancos públicos e as chamadas políticas parafiscais, com uso de recursos de fora do Orçamento, como o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
“O próprio teto tem mecanismos para furá-lo, como a capitalização de empresas estatais”, afirmou o pesquisador do Insper.
A regra do teto permite aportar recursos em empresas não dependentes sem que isso esbarre no limite de despesas, expediente que foi usado em 2019 para viabilizar a construção de navios da Marinha.
O episódio rendeu um alerta na análise das contas do governo pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
O sócio e economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, também vê risco de uso dos bancos públicos para turbinar o crédito de empresas e famílias, além da redução de receitas do governo por meio da correção da tabela do IR.
“A lista de demandas é enorme e vai ser difícil segurar a pressão”, afirmou Barros, que também foi diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado). Para ele, a PEC dos Precatórios já abriu precedente de acomodação de interesses políticos.
Relator da reforma do IR no Senado, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) afirmou que o tema da correção da tabela da pessoa física deve voltar à pauta no início de 2022, após o recesso parlamentar.
Segundo ele, o tema foi discutido com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na quarta.
“Estou querendo estender a isenção [do Imposto de Renda] para quem ganha até R$ 3.300. Isso beneficiaria 19 milhões de contribuintes”, afirmou.
O senador disse não ter recebido da Economia estimativas de impacto da mudança. Na proposta enviada pelo governo, a faixa de isenção subiria de R$ 1.900 para R$ 2.500.
Crítico do desenho original do teto de gastos e também da recente alteração, o economista Fabio Terra, professor da Universidade Federal do ABC, questiona a força que a Economia terá para barrar a pressão eleitoreira.
Ele lembra que Guedes fazia uma defesa intransigente do limite de despesas, mas foi condescendente com a PEC. “É um discurso que joga na ambiguidade. Que força o Ministério da Economia terá para enfrentar isso [pressão por gastos]?”, questionou Terra.
Apesar disso, o professor ressalta que algumas demandas são pertinentes e merecem ser discutidas, como a própria ampliação do programa social.