Equidade de gênero: os cenários, desafios e avanços foi assunto do Conexão Sagres #4, a última edição do programa. Uma das abordagens do tema foi as diferenças das carreiras das mulheres e dos homens. O episódio contou com a participação de Simone Disconsi, promotra em Aparecida de Goiânia e integrante do núcleo em equidade de gênero do Ministério Público de Goiás (MPGO), Janira Sodré, especialista em educação, professora no Instituto Federal de Goiás (IFG) e doutoranda em história, e apresentação das jornalistas Jéssica Dias e Laila Melo.

Assista ao programa:

“Equidade em princípio é a igualdade respeitada as diferenças. Então, existem algumas diferenças que são da própria reprodução humana, quando você pensa a gestação, o parto, a amamentação e o impacto disso na carreira da mulher. Temos e precisamos melhorar políticas de amparo a esses momentos da vida da mulher que vão ter impacto em outros setores da vida, como é o caso do cuidado com as crianças e o próprio trabalho doméstico”, afirmou Janira Sodré.

Por outro lado, a especialista também ressalta que é possível pensar na equidade como produção de uma igualdade respeitadas as diferenças que muitas vezes são apropriadas e transformadas em desigualdades: como o caso da diferença racial.

“O movimento de mulheres mais potente do mundo é o Movimento Negro de Mulheres Brasileiras, com imapcto que perpassa desde a reivindicação de políticas públicas para contemplar, vamos dizer assim, as desigualdades históricas e contemporâneas. Por exemplo, carreira mulheres negras, se você pega o ganho médio de um homem no Brasil é R$ 100, uma mulher branca ganha R$ 70, um homem negro R$ 63 e uma mulher negra R$ 40. As diferenças raciais são de tal sorte que o impacto na renda das mulheres negras não respeita sequer o avanço da escolarização”, destacou Janira Sodré.

Trabalho fora

De acordo com Simone Disconsi, falar sobre carreira da mulher é interessante porque é uma situação muito generalizada, o que supera a questão da classe social ou nível intelectual da pessoa.

“Em todos os patamares de carreiras de trabalhos, a gente vê a dificuldade da mulher diante do cenário contraposto do homem. Para dar um exemplo, eu trabalho em um órgão público, o MP, em que as pessoas geralmente ingressam por concurso e a maioria dos servidores têm curso superior. Então, a gente convive com pessoas de um nível intelectual bastante elevado e ainda sim, dentro desse tipo de instituição, é muito comum perceber a dificuldade das mulheres para conseguir se firmar em cargos de liderança, encontrar oportunidade de ter a mesma visibilidade do que os colegas homens”, declarou.

Do mesmo modo, Janira Sodré acredita que mulheres negras geralmente identificadas como raivosas, ou pouco femininas, nem sempre são idealizadas como mulheres. A forma de incomodar, ir contra o discurso patriarcal e machista da mulher feminina, que se cala, que não lidera e está no âmbito da casa para cuidar dos filhos, causa o que Janira Sodré chama de multidiversidade.

“Eu também sou acadêmica e trabalho em uma instituição de gente muito escolarizada, no entanto o machismo não recua. Penso que a gente precisa mobilizar elementos relacionados ao que pode fazer com que mentes e corações se transformem em favor das mulheres. Nem sempre processos educacionais vinculados apenas à instrução, mas a uma mobilização ética e afetiva de fato sobre o que é ser mulher. Eu penso também, no desenvolvimento de carreira, que a participação das mulheres nas posições de liderança é temida também porque com certeza mulheres na liderança trarão transformações que desalojam privilégios”, analisou.

Conexão Sagres gênero
(Conexão Sagres da semana debate sobre equidade de gênero | Foto: Sagres Online)

Sobre o lar

Pensando historicamente, Janira Sodré afirma que a categoria masculina, que comanda a maioria das sociedades, não tem seus processos de vida e desenvolvimento elementos que afetam a carreira da forma que a carreira das mulheres é afetada.

“Todo um trabalho de cuidado de idoso, doente e crianças, do espaço doméstico, da roupa, da comida, que é necessário para a sociedade funcionar, é totalmente privatizado e domesticado sobre corpos de mulheres que sequer calados sobre esse tópico. Por exemplo, o trabalho doméstico no Brasil tem muita conexão com nossa herança escravocrata, um trabalho totalmente realizado por mulheres, tendencial e estatisticamente, sobretudo por mulheres negras e ninguém toca nisso”, criticou.

“O tema do trabalho doméstico atrapalha nossas carreiras, quando você para por conta de gestação, você está reproduzindo à sociedade um trabalho social e importante para todos, porque se todas as mulheres parassem de parir e cuidar das crianças, a sociedade cessaria. Então, é um tema de continuidade de interesse de todos. Quando essa criança nasce e entra no quarto mês de licença maternidade a mãe começa a se desesperar, vou deixar com minha mãe, irmã, creche, com quem vai deixar? O pai nem cogita largar a carreira em relação a cuidar desse ser muito amado, que é um filho ou filha”, completou.

Avanços

Além da problematização, existem também avanços no assunto da equidade de gênero. Segundo Simone Disconsi, a pauta dos desafios e dificuldades parece ser muito maior do que os avanços, mas eles existem e não podemos esquecê-los.

“Com certeza eles existem, tanto que estamos aqui, a professora Janira, eu promotora de Justiça, nós ainda somos minoria dentro da carreira do Ministério Público, mas já estamos quase alcançando ali os 50%. Isso tem um reflexo importante dentro da instituição. Percebo que tivemos grandes avanços, que tem muito a ver com a cidadania. Nós conseguimos sim avançar na questão de discutir esses temas mais afundo dentro das unidades de ensino, para que a gente possa de fato trazer para o berço da formação humana, que não é só dentro de casa”, pontuou.

“Se hoje temos mulheres jovens, lutando, trabalhando, inclusive sofrendo todas as consequências desse processo, é porque elas tiveram acesso a essas informações. Então, essa luta começa lá mesmo, dentro da escola e das famílias. Esses avanços que tivemos, seja na legislação, na questão de cotas, políticas públicas que avançaram em muitos sentidos, isso precisa ser reconhecido sim. É uma luta que não tem fim, penso que vamos travar e passar para nossas filhas, que elas possam continuar e a gente possa ter gerações mais conscientes”, finalizou.

*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 05 – Igualdade de gênero

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