A especulação imobiliária e os interesses econômicos privados são um dos principais impedimentos ao desenvolvimento da agricultura urbana. Segundo especialistas, a procura por cultivo residencial e sem uso de agrotóxicos tem aumentado nos últimos anos, mas esbarra na falta de apoio do poder público.

Em setembro de 2023, o governo federal publicou o decreto nº 11.700, que institui o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana. O termo agricultura periurbana se refere ao cultivo realizado ao redor das cidades, chamados de cinturões verdes.  Entre os objetivos do programa, estão a promoção da  agricultura sustentável nessas regiões, o acesso à alimentação saudável para a garantia da segurança alimentar e nutricional da população urbana.

A medida, ainda pouco implementada, pode ser um primeiro passo para a promoção de cidades sustentáveis. O agrônomo e doutor em agronegócio com enfoque na agricultura familiar, Thiago Verano, explica que os cinturões verdes passaram por um processo de encolhimento ao darem lugar a grandes empreendimentos imobiliários. Ele acrescenta que os interesses políticos locais, somados à especulação imobiliária, impedem a expansão da agricultura urbana e sustentável.

“É importante os municípios e os estados terem um diálogo melhor. Muitas vezes, para se fazer uma horta na cidade envolve a questão do uso do solo, que é de responsabilidade municipal. Já a questão ambiental quem fiscaliza são os estados. Algumas hortas não conseguem sair do papel por falta de diálogo entre município e estado”, explica.

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“Muitos prefeitos são ligados ao empresário que leva alimentos da Ceasa (Central de Abastecimento) para os supermercados. O setor de transportes, os chamados atravessadores, têm uma força política grande e isso dificulta o fortalecimento da agricultura urbana”, completa. Para o agricultor Henrique Tharley, que desenvolveu uma agrofloresta em Goiânia, a expansão da agricultura urbana e o combate às mudanças climáticas necessitam de atuação responsável dos órgãos de controle.

“Cada vez mais a gente vem fazendo uso de ocupação do solo com base no concreto e massa asfáltica, liberando construções em áreas que são de inundação, fundos de vale. Existe um técnico que é capacitado, mas que acaba liberando (as construções) por causa de um jogo político”, alertou. “Não tem como pensar nisso sem envolver políticas públicas. É Importantíssimo para que as mudanças climáticas não afetem tanto as cidades”, pondera.

Educação e continuidade

Além das políticas públicas, a educação é fundamental para uma transformação a longo prazo dos hábitos alimentares das cidades. Para Thiago Verano, a inserção do cultivo de plantas no currículo escolar é uma medida essencial. “O cultivo de hortaliças ou cultivos em geral não estão na grade curricular obrigatória das escolas. Algumas escolas têm um convívio com a terra mais sistematizado, mas nem todas têm”, pontua.

Tharley, que também atua como paisagista e desenvolve hortas em escolas, exemplifica o potencial de mudança quando a agricultura e a agroecologia são inseridas nos primeiros anos escolares. “Em um ambiente escolar, com o envolvimento dos pais, é possível envolver um bairro e deixar uma semente, compartilhar mudas e propagar a ideia”, salienta. “É essencial ter esse contato dentro da escola. Parece que é algo muito distante, mas muitas crianças não sabem o que é um pé de quiabo, de jiló, de mamão.”

Outro fator que impede a propagação do cultivo urbano sem uso de agrotóxico é a continuidade dos projetos. Thiago Verano considera que o problema começa no processo de formação dos profissionais das ciências agrárias. “Os técnicos das ciências agrárias têm uma formação muito precária na parte da sociologia, história, psicologia e assistência social. Muitas vezes o profissional das ciências agrárias está lidando com pessoas, não é só a planta ou o animal”, questiona o agrônomo.

“Acaba sendo uma formação muito frágil. Quando vai implementar os projetos, no que se refere a preparar e contribuir com aquela comunidade para a construção da autonomia dela. Seria interessante uma mudança na grade dos cursos para que esses projetos tenham sobrevivência para além da política pública, que continuem a sua vida própria, sem ajuda do estado”, completa Verano.

Benefícios do cultivo urbano

A agricultura urbana pode ser desenvolvida de diferentes maneiras, seja em sistemas intensivos convencionais, que utilizam grande quantidade de agrotóxicos para produzir em larga escala para exportação, ou em sistemas baseados na agroecologia, sem a utilização de pesticidas químicos.

É possível desenvolver o cultivo urbano nos chamados “telhados verdes”, quando a horta é desenvolvida no teto de uma casa ou prédios. As “fazendas verticais” são ideais para o plantio em grandes edifícios e permite a produção em larga escala. Nesse sentido, a agricultura urbana engloba diversos modelos de produção, que podem ser agressivos ao meio ambiente e à segurança alimentar da população, como no caso do uso de agrotóxicos.

“Cada vez mais, os consumidores estão procurando saber a origem dos alimentos, retomando aos poucos a questão sociocultural da alimentação. As pessoas buscam alimentos que são da reforma agrária, com baixa emissão de carbono. Quando o alimento é produzido localmente, ele demanda menos uso de agrotóxicos, consequentemente vai ter uma maior segurança alimentar àquela população e o país terá mais chance de ter uma soberania alimentar”, analisa Thiago Verano.

Hoje, a gente desembala muito mais do que a gente descasca o alimento. Se tivéssemos mais vínculo com o que a gente consome, entender de onde vem, dar valor a esse alimento, teríamos uma cultura alimentar mais forte. 

Thiago Verano, agrônomo e doutor em agronegócio

O agrônomo explica que a agricultura urbana também é uma iniciativa para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, ao reduzir a necessidade de transporte de longas distâncias. “O consumo local gera redução de emissão de carbono na atmosfera e também fortalece o vínculo do consumidor com seu alimento”, pontua Verano.

Durante o lançamento do Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, em setembro, o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira, afirmou que a agricultura urbana e periurbana têm papel fundamental na estratégia de combate à fome. “Tais projetos podem significar a inclusão pela renda, a produção de alimentos saudáveis, a estruturação de projetos de geração de renda, a formação profissional e a formação cidadã”, explicou o chefe do MDA.

Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).