Na noite da última quarta-feira (24), Pedro Paulo Lemes narrou pela primeira vez uma partida de futebol no rádio. 

“Goooooooooooool! É do Vila Nova, é do Tigrão! Guilherme, Guilherme, Guilherme Parede faz a nação balançar. É assim que se faz, é assim que se faz Vila Nova! Guilherme Parede com um golaço aqui no estádio Onésio Brasileiro Alvarenga”.

Foi assim que o estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG) narrou o gol da vitória do Vila Nova sobre o Ituano,  pela 8° rodada do Campeonato Brasileiro da Série B, na transmissão da Rádio Universitária da UFG.

Pedro Paulo Lemes narrando o jogo (Foto: Ricardo Pavan)

Pedro Paulo é deficiente visual, mas isso não o impediu de levar aos ouvintes da rádio o que estava acontecendo no estádio. “Foi bem legal e diferente e o gol foi bem no comecinho. Foi uma emoção diferente, a torcida estava fazendo muito barulho, acho que deu para passar bastante a emoção do gol”, descreveu o momento.

Levar aos ouvintes a emoção do estádio foi uma das maiores preocupações do estudante durante o jogo. Com alegria, ele lembrou do momento de tensão e expectativa no segundo tempo, quando o atacante do colorado Neto Pessoa foi cobrar um pênalti. “Estava todo mundo esperando sair outro gol, mas não saiu. Mas eu acho que consegui passar a emoção do pênalti errado também”, contou.

Deficiência visual

O estudante contou que até meados de 2015 “enxergava ok” e tinha “uma porcentagem legal de visão”, principalmente no olho direito. Mas daí em diante a visão foi diminuindo cada vez mais e até hoje o estudante não conhece a causa.

“Hoje em dia eu enxergo mais sombra e luz. Em algumas situações dá para identificar vulto, cor, mas é coisa que não interfere em nada, não dá para eu contar com a visão para muita coisa não”, diz entre risos.

A deficiência visual de Pedro é consequência de um glaucoma congênito, uma condição rara dos olhos que afeta recém-nascidos e crianças até os 3 anos de idade. O glaucoma congênito causa o aumento da pressão ocular por causa de um acúmulo de líquido no local, que se não for tratada, leva à cegueira irreversível.

“Desde que nasci eu tenho a deficiência. Já fiz mais de 40 cirurgias, eu acho, pois já perdi a conta. Mas principalmente no primeiro e no segundo mês foi bem complicado, eu fazia cirurgia direto, ficava um tempo internado para controlar e estabilizar o glaucoma”, lembrou. “Mas depois que se estabiliza ele é tranquilo, o meu depois que se estabilizou foi tranquilo”, detalhou.

Paixão pelo futebol

A experiência do Pedro Paulo com o futebol é principalmente sensorial. O jovem afirmou que gosta de esportes desde a infância por influência do avô que levava ele e o  irmão aos estádios.

“Nas minhas primeiras lembranças eu já tenho o esporte. Bem novinho eu já via futebol, fórmula 1, então cresci acompanhando, principalmente com meu avô, que levava eu e meu irmão muito para o estádio. E a gente também sempre jogava na casa do meu avô, então tudo começou ali”, contou.

O tempo levou o estudante a gostar de outros esportes. Atualmente o preferido preferido ainda é o futebol, mas aquele que é praticado com a bola oval. “Eu fui me afastando um pouco do futebol, hoje em dia estou muito mais próximo do futebol americano, eu gosto mesmo”.

Mesmo brincando, ele ressalta que se perguntarem a ele, sua preferência não será o soccer. “Eu vou de futebol americano porque é realmente o esporte que eu gosto e me identifico mais, mas acompanho basquete, hóquei e fórmula 1”, pontuou. “Mas eu sempre gostei de futebol. A maioria das amizades que eu fiz foi por causa de futebol, foi jogando futebol, foi conversando sobre futebol, então foi bem importante”, completou.

Esporte

O gosto por esportes foi um dos motivos para Pedro entrar na área em 2019, quando ainda estava no ensino médio. “Eu comecei um podcast com uns amigos sobre o Boston Celtics de basquete e um deles trabalhava num site chamado Playmaker Brasil, daí eu fui para lá Escrevia sobre basquete e futebol americano e depois até cobri a Eurocopa de futebol por lá também “, contou.

Após o Playmaker Brasil, Pedro trabalhou no portal Torcedores.com cobrindo futebol americano e basquete. Já em 2021, fez parte da equipe de cobertura de jogos da Kickoff rádio, que é uma rádio que trabalha mais com futebol americano e futebol europeu.

“Em 2022, logo quando entrei no Doutores, eu passei a ser setorista do Atlético Goianiense no Torcedores.com. Antes eu fazia futebol americano e basquete e depois passei a cobrir mais o Atlético. Hoje estou no Esporte News Mundo, que inclusive entrei essa semana, mas por enquanto eu estou lá e no Doutores.  

Doutores da Bola

A paixão pelo esporte fez Pedro Paulo Lemes escolher o Jornalismo como profissão. O estudante está no terceiro período do curso e desde a segunda semana na faculdade faz parte do Doutores da Bola, equipe de jornalismo esportivo da Rádio Universitária da UFG.

“O Pedro Paulo Lemes é o primeiro aluno que chega ao Doutores da Bola com esse grau de deficiência visual. O conhecimento e o empenho do estudante, no entanto, fez com que ele logo se adaptasse à equipe, tornando-se uma referência para os colegas em razão de seu comprometimento e compreensão das atividades envolvidas no projeto”, destacou o professor Ricardo Pavan, que é o orientador do programa.

O Doutores da Bola é um programa desenvolvido por estudantes do Curso de Jornalismo dentro da programação da Rádio Universitária da UFG. As transmissões esportivas ficaram paradas durante a pandemia e o programa funcionou no formato de podcast. Mas, com a volta das transmissões, Pedro Paulo contou que sua experiência na área desde o ensino médio fez diferença para a equipe. “Eu era o mais experiente porque já tinha experiência por fora. Então acabou que eu sabia muita coisa e o pessoal não”, disse.

Inclusão

A recepção do estudante na rádio foi “tranquila”. “Todos me receberam bem, os técnicos, o Pavan, não tive nenhum problema em  relação ao projeto, então foi tranquilo”, disse. Este ano, o Doutores da bola completa 23 anos de existência e o Pedro é o primeiro aluno com deficiência visual a integrar a equipe do programa do Curso de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG.

“Logo que chegou ao Doutores da Bola e aos laboratórios da Rádio Universitária pensei na relevância de seu papel para incentivar outros portadores de deficiência visual a acreditarem e desenvolverem seus potenciais, independentemente da área que atuem”, contou Pavan.

Diversas personalidades do Jornalismo que atuam na imprensa esportiva goiana passaram pela Doutores da Bola. Assim, o professor Pavan disse não ter dúvidas em relação ao futuro do jovem Pedro Paulo e destacou sua importância para a continuidade do programa.

“Não tenho dúvidas que o Pedro Paulo alcançará grande visibilidade no cenário do jornalismo esportivo e abra espaço para que outros jovens com deficiências semelhantes sigam o mesmo caminho”, afirmou.

Beira do campo

Pedro disse que já fez todas as funções no Doutores da Bola: mídias, ancoragem, plantão, comentários, reportagem e também já foi monitor do projeto. Ele afirmou que gostou de narrar, que agora é a sua mais nova função no programa, mas ressaltou que o seu lugar preferido numa partida de futebol é atrás do gol. 

“Eu geralmente faço reportagens que são na beira de campo, que é a área que eu mais gosto. É uma área que eu já atuo também em outros locais fora do Doutores e é a que eu me identifico mais”, disse.

Pedro Paulo conta que já cobriu jogos dos três times mais importantes do estado. Dentre eles, gosta de destacar seu trabalho como repórter nos confrontos do Atlético Goianiense pela Copa Sul-Americana contra o Nacional e contra o São Paulo no ano passado. “Só que não era na beira do campo, era na tribuna, porque em jogos da Conmebol a gente não pode descer”, destacou

A experiência na beira do campo já ocorreu em jogos do Campeonato Brasileiro, na final da Copa Verde do ano passado e na final do Campeonato Goiano deste ano. “É totalmente diferente porque você está na beira do campo conversando com os jogadores. Hoje sou setorista do Atlético em outro portal que trabalho, então é bem bacana conhecer os jogadores, no Atlético eu consigo identificar o pessoal pela voz”, disse. 

Pedro detalhou como identifica os jogadores e leva aos ouvintes o que está acontecendo dentro do campo. “Eu acompanho os treinos e consigo saber posicionamento, como são as mudanças. Mas quando é um time que não tenho tanto contato, eu pego pelo posicionamento dos jogadores, daí vou me guiando pelo narrador também, mas vou pelo posicionamento, pelo que os jogadores estão conversando, pelo toque da bola. Então é bem pelo barulho mesmo”, contou.  

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