De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública, em 2022, o Brasil produziu cerca de 82 milhões de toneladas de lixo. Esse volume tem um impacto significativo no meio ambiente e, geralmente, tem relação apenas à reciclagem como forma de lidar com o problema. No entanto, é possível que uma embalagem descartada hoje seja um objeto arqueológico no futuro.
“É possível pensar em técnicas de escavação, interpretação e análises arqueológicas que favoreçam uma compreensão maior sobre as questões históricas, sociais, culturais, econômicas e ambientais relacionadas aos resíduos sólidos, ao lixo“, explica a geógrafa, Luciana Ziglio, em entrevista a Alessandra Ueno do Jornal da USP.
Existem diversas técnicas para estudar os resíduos sólidos deixados por uma sociedade, sendo uma delas a estratificação. É importante destacar que a estratificação não ocorre necessariamente em aterros sanitários. Eles têm como função receber o lixo, mas também pode ocorrer em terrenos com ocupação prévia. Nesse método, é possível fazer a divisão das camadas do solo e, quanto mais profundas forem, mais antigos serão os vestígios arqueológicos encontrados.
“Exemplos de técnicas que podem ser utilizadas nesses estudos são muitas, mas uma que pode ser lembrada são as análises de composições gravimétricas; elas podem ser realizadas, por exemplo, em aterros sanitários, onde se separam quantidades de resíduos sólidos urbanos e lá se verifica a quantidade e a qualidade do que foi selecionado“, acrescenta Ziglio.
Metodologia
A análise gravimétrica é uma técnica que envolve a separação dos componentes do lixo e a determinação da porcentagem de cada um em uma amostra. Além disso, a literatura também pode ser uma fonte útil de informações para esses estudos. Esses métodos podem obter informações sobre a composição dos resíduos sólidos e entender melhor a forma como a sociedade lida com seus resíduos.
“É possível pensar também nos estudos de resíduos sólidos por meio de análises da literatura, que podem retratar, historicamente, organizações sociais e incluindo também evidências da geração de resíduos sólidos“, afirma a geógrafa.
A garbologia, que é o estudo dos resíduos sólidos, é importante em diversas áreas além da arqueologia. A análise dos resíduos pode fornecer informações valiosas sobre a cultura, os hábitos e as práticas de consumo de uma sociedade. Dessa forma, a garbologia é uma ferramenta útil para a sociologia, antropologia, história, geografia e outras áreas. Elas buscam compreender a relação entre os seres humanos e o meio ambiente.
“A Arqueologia do Lixo ou Arqueologia dos Resíduos Sólidos é um campo de estudo científico da arqueologia, mas também de interesse de outros campos científicos, como a geografia, a engenharia, a história, a química e a sociologia“, argumenta a especialista.
Considerações finais
No âmbito da Arqueologia do Lixo, essa fundamentalidade pode ter relação com diversas informações. “Os resíduos sólidos revelam a sociedade e pode-se descobrir tudo por eles, são evidências para muitas explicações dos agrupamentos humanos“, exemplifica Ziglio.
Ela acrescenta que questões sociais, até mesmo as não tão aparentes, podem ter análises por essa especialidade do campo arqueológico. “É um campo científico que tem muito a ser estudado e, ao pensar na sociedade contemporânea, cujo resíduo sólido é resultante de uma exclusão, é possível inferir estigmatizações como injustiças, desigualdades, preconceitos ocultos socialmente, mas simultaneamente materializados nos resíduos sólidos urbanos“.
E essas análises não se limitam à contemporaneidade, estendendo-se até pelas sociedades passadas: “Com a Arqueologia do Lixo, pode ser estudado o tempo presente ou também outras épocas. É possível pensar nos resíduos sólidos ao longo da sociedade, da temporalidade da sociedade, desde da antiguidade até a contemporânea, pode-se afirmar, por exemplo, que existiram mudanças nas formas das embalagens e, para algumas sociedades, essas embalagens nem existiram hoje como conhecemos. Assim, é possível que as gerações futuras, ao realizarem arqueologia do lixo nos aterros sanitários de hoje, achem bem diferente o nosso modo de viver em sociedade“, finaliza.
*Esse conteúdo está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 11 e 12 – Cidades e Comunidades Sustentáveis e Produção e Consumo Responsáveis
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