Imagine uma ferramenta capaz de prever o risco de desmatamento. Não só isso. Que ela fosse capaz de estimar áreas futuramente desmatadas. Pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) criaram, em parceria com o Banco Mundial, uma plataforma capaz de fazer tudo isso em prol dos Estados que compõem a Amazônia Legal.

A ferramenta “Painel Floresta em Risco” combina os efeitos macroeconômicos com governança local para prever a perda de vegetação nativa na região. Os resultados podem informar políticas públicas e iniciativas privadas que visam a redução do desmatamento.

Além disso, a ferramenta foi desenvolvida a partir de análises feitas para a nota técnica “Cenários espaço-temporais para o desmatamento na Amazônia Legal brasileira”. A nota teve publicação no dia 29 de abril. O texto é de Andrea Garcia, Rafaella Silvestrini, Lais Ferreira e Alvaro Batista, pesquisadores do IPAM. A elaboração ocorreu em parceria com Marek Hanusch, Philipp Kollenda, Carla Uehara e Dieter Wang, do Banco Mundial.

Imagem: Foresta Trisk | IPAM

De acordo com o modelo da plataforma, o desmatamento brasileiro é fruto da relação entre fatores macroeconômicos, da governança ambiental e da vulnerabilidade das áreas de vegetação nativa. Ou seja, enquanto os fatores macroeconômicos têm utilização para estimar a quantidade de desmatamento esperada, os fatores de governança e vulnerabilidade são usados para estimar o local com maior risco de ser desmatado, assim como a possibilidade de vazamentos – quando o desmatamento não é eliminado, mas apenas “transferido” para outra região.

“Por exemplo, uma vez que as florestas são destinadas à conservação e os agentes de desmatamento se tornam menos encorajados a desmatar, é possível que os mesmos busquem outras oportunidades em outras áreas e, assim, o desmatamento é ‘vazado’ de uma área para outra. Por isso também é muito importante que as políticas de controle de desmatamento sejam executadas como políticas multisetoriais em diferentes escalas, onde diferentes mecanismos são implementados em conjunto para evitar o desmatamento”, afirma Andrea Garcia, então pesquisadora do IPAM e uma das autoras do artigo.

Dinâmica do desmatamento

A pesquisa utiliza as previsões macroeconômicas do Banco Mundial como ferramenta para prever o impacto dos fatores econômicos no desmatamento. ”Um estudo nosso anterior a este mostrou como dinâmicas que ocorrem dentro e fora da floresta, incluindo a produtividade da economia Amazônica e brasileira, os preços das commodities, e a taxa de câmbio estão fortemente ligados às pressões de desmatamento. O trabalho com o IPAM agora nos permite modelar o desmatamento ao longo do espaço e do tempo, a partir das nossas premissas macroeconômicas,” disse Marek Hanusch, economista líder do Banco Mundial.

Outro fator importante na criação dos modelos foi o mapeamento de áreas onde o desmatamento tem mais chance de ocorrer. Para calcular essa propensão e prever o padrão de desmatamento, houve utilização de dados do Prodes de 2017 a 2022. O Prodes é o (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite). Através da análise dos dados históricos e de fatores como o domínio da terra, proximidade de centros urbanos, rodovias e outras áreas desmatadas, as pesquisadoras identificaram as tendências futuras de desmatamento.

“A projeção mostra a quantidade de desmatamento esperado, onde é provável que aconteça e quais fatores representam uma forte conexão com essa dinâmica. Dessa maneira, podemos pensar em estratégias mais direcionadas para o problema em questão. As projeções também são importantes para se estimar a eficácia dos mecanismos implementados em um curto espaço de tempo, assim como potenciais vazamentos oriundos das estratégias implementadas”, aponta Garcia.

Os modelos

Os pesquisadores apresentaram três diferentes cenários a partir da alteração de pontos chaves do modelo. No modelo Macroeconômico, a quantificação do desmatamento se baseia nos fatores macroeconômicos previstos pelo Banco Mundial. No modelo Business as Usual a quantificação do desmatamento apenas segue as tendências dos últimos anos de forma constante, sem considerar as previsões macroeconômicas.

No cenário Macroeconômico com Governança, porém, a quantificação do desmatamento se baseia em fatores macroeconômicos. Entretanto, também considera que florestas públicas ainda não destinadas tiveram destinação para a conservação. Os três modelos se aplicaram em todas as regiões da Amazônia Legal e tiveram comparação com as medições reais do Prodes.

Imagem: Foresta Trisk | IPAM

De acordo com o cenário Business as Usual, o desmatamento acumulado entre 2020 e 2025 será de cerca de 50.000 km2, 35% maior do que o indicado pelos cenários que levam em consideração fatores macroeconômicos que apontam 37.000 km2 desmatados no período.

“É muito difícil prever exatamente onde vamos observar desmatamento no futuro, e quanto mais longe o futuro ainda mais difícil essa tarefa se torna. Mas conseguimos projetar o que é mais provável que aconteça se a dinâmica de desmatamento obedecer a mesma lógica do passado recente. Essa projeção é muito valiosa para podermos construir mecanismos que freiem o desmatamento com maior efetividade”, destaca Garcia.

A distribuição espacial do desmatamento prevista pelos três modelos indica a região central do Pará e o sul do Amazonas, especialmente as regiões próximas a estradas, como as áreas com maior risco de desmatamento. Ademais, valores menores são observados na região entre Cerrado e Amazônia, uma das fronteiras agrícolas mais antigas da Amazônia e que possui florestas com extensas áreas desmatadas.

Florestas públicas

Além disso, as florestas públicas não destinadas foram as áreas mais desmatadas nos cenários Business as Usual e Macroeconômico. Quando se prevê a destinação dessas florestas para a sua conservação (cenário macroeconômico com governança), é observada uma redução de 57% no desmatamento nesse tipo de área.

Além disso, é importante notar que mesmo no cenário macroeconômico com governança, caso não haja mecanismos de controle de vazamento do desmatamento, a previsão é que o desmatamento aumente. Isso ocorreria, principalmente, em assentamentos de reforma agrária e propriedades rurais. Em menor quantidade, também em Unidades de Conservação.

Os demais dados cuja obtenção se deu a partir dos modelos podem ter acesso pelo painel desenvolvido pelo Banco Mundial.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), ODS 14 – Vida na Água e ODS 15 – Vida Terrestre

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