Desde que iniciou o segundo mandato na Casa Branca, em 20 de janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem realizado ações que convergem com suas promessas de campanha. Uma das principais políticas em andamento se trata de uma série de tarifas comerciais sobre outros países, que o professor do Curso de Relações Internacionais da PUC-GO, Giovanni Okado, explicou porque estão sendo aplicadas.

Okado contou que há um protecionismo por parte dos EUA, que é um pensamento econômico que entende que um país pode ser autossuficiente ou que se ele prejudicar os demais países pode crescer mais que eles. A ideia é ilusória para o mundo atual, pois nenhum país é autossuficiente e então mesmo os Estados Unidos não são autossuficientes nos assuntos nos quais estão sendo protecionistas com as tarifas.

O professor exemplificou essa ambiguidade com o aço e o alumínio, que foram taxados por Trump em até 25%, isso para todos os países do mundo. Na visão de Okado é um problema que os Estados Unidos criam para si mesmo por causa da não autossuficiência produtiva.

“Existe uma estimativa que os Estados Unidos produzem cerca de quase 100 milhões de toneladas, se eu não me engano, de aço e alumínio por ano, só que o consumo varia de 100 até 200. Ou seja, ele de repente conseguiria atender ou vai ter que comprar o dobro do que produz e o que acontece é que ele vai comprar mais caro do mundo. Faz sentido de repente para os Estados Unidos esse tipo de tarifa agora? não”, afirmou.

Aumento na inflação

Giovanni Okado vê um possível crescimento inflacionário nos EUA com as próprias decisões, porque a inflação já é um problema doméstico gigantesco e a expectativa é que chegue a casa de 3% até o final desse ano, uma das mais elevadas da série histórica. Então, o professor avaliou que as tarifas sobre o aço e o alumínio podem piorar a inflação americana.  

“Se o produto estrangeiro chega mais caro nos Estados Unidos logo eu tenho mais inflação. Então, quer dizer, hoje nós estamos falando de um protecionismo econômico ou de um nacionalismo econômico, como queira, por parte dos Estados Unidos que é completamente inócuo. Ele atende uma lógica do Trump de entender que o problema é aquilo que vem de fora e que de certa forma valorizar, fazer com que as empresas americanas voltem para o país ou eventualmente fazer com que os produtos estrangeiros cheguem mais caros no país, vai aumentar a produtividade nacional, o que não é verdade. Porque, de novo, a gente vive num mundo interdependente, e os Estados Unidos depende de insumos que vem de fora para alavancar a própria produção industrial”, explicou. 

Tarifas para países específicos

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Donald Trump, presidente dos EUA, durante discurso no Congresso. O Pauta 1 desta semana discute a influência e o impacto do novo Governo Trump na política e economia mundiais (Foto: Divulgação/Twitter @POTUS)

Além da ordem tarifária global sobre o aço e o alumínio, que afeta muito a Europa e o Brasil, Donald Trump anunciou tarifas específicas para Canadá, México e China. Sobre Canadá e México há tarifas gerais de 25% e ainda uma possível taxa para automóveis. 

Carros são a segunda maior exportação do Canadá para os EUA, por isso, eles querem atrair montadoras para o país. Mas como depende de peças que chegam dos dois países taxados, a produção americana atual também pode ser afetada com a carestia dos produtos.  E Giovanni Okado acredita que o setor automotivo não será realavancado sem a diminuição das tarifas de aço e de alumínio.

Além disso, os EUA também sofrerão com os preços, porque os países afetados estão reagindo impondo também tarifas sobre o país. Com isso, Okado falou que há um início de guerra comercial, mas observou que os países estão buscando alternativas no cenário para não negociar com o governo de Trump.

“O Brasil, por exemplo, não está tão preocupado com algumas tarifas dos Estados Unidos porque ele tem a China. Por exemplo, no ano passado, o Brasil teve exportações recordes de carne bovina para os Estados Unidos, cresceu e foi uma das maiores de vários tempos. Se os Estados Unidos aumentarem as tarifas em relação à carne bovina brasileira, o que vai acontecer é que o Brasil vai vender para a China, que tem uma demanda gigantesca disso e a China vai comprar do Brasil”, disse.  

Por que as tarifas?

No exemplo citado acima, o professor explicou que os países estão se reposicionando justamente para evitar essa guerra comercial e para não ter que negociar com os Estados Unidos. Mas com tantas tarifas aplicadas para diversos países, inclusive parceiros comerciais de longa data, qual é o motivo para cada uma delas? “No caso do Canadá e do México, o discurso do Trump é para conter a imigração”, disse.

“No caso do Brasil é porque ele faz parte de uma elevação de tarifas generalizadas e como o Brasil tem exportado quase 70% de aço para os Estados Unidos nos últimos tempos, lembrando que os Estados Unidos é o nosso segundo maior parceiro comercial, então o Brasil acaba também sofrendo um impacto gigantesco por conta disso. Mas eu não vejo que o Brasil está sendo diretamente afetado, não é que o Trump está fazendo isso contra o Brasil, ele está fazendo isso para todos os países”, afirmou Okado.

China e Estados Unidos têm entraves comerciais há um bom tempo, também na área tecnológica. O país norte-americano já tem muitas tarifas sobre produtos chineses, mas dobrou de 10% para 20% a tarifa sobre todas as importações da China.

“Tem realmente essa questão da rivalidade tecnológica e geopolítica que os Estados Unidos tem com a China no sentido de que, na visão do Trump, quanto mais eu enfraqueço a China melhor eu consigo superar ela. Então aí eu acho que tem uma outra retórica. Mas o que a gente também tem que lembrar é que, de novo, como a gente tem uma economia que é globalizada e interdependente, o que significa dizer qeu qualquer elevação do produto nos Estados Unidos vai levar a uma elevação do produtos no restante do mundo, porque boa parte das mercadorias também são transacionadas em dólar”, contou.      

Interesses dos EUA nas guerras

Os Estados Unidos atuaram de forma importante para o primeiro cessar-fogo entre Israel e Hamas e estão interessados na guerra que ocorre na Ucrânia contra a Rússia. Desde que entrou na Casa Branca, Donald Trump tem adotado postura diferente nesse conflito, antes os EUA mantinha apoio irrestrito à Ucrânia e à Otan, mas Trump não demonstra muito interesse na aliança militar com a Europa. Neste momento, há duas possibilidades para um cessar-fogo na guerra, uma que parte dos EUA e outra que parte da Europa. 

“A Ucrânia está numa encruzilhada histórica: ou ela vai assinar um acordo com os Estados Unidos ou vai assinar um acordo com a Europa, com os dois ao mesmo tempo é impossível, porque se tratam de duas propostas mutuamente excludentes”, disse Giovanni Okado.

O professor afirmou que a proposta dos EUA não é muito clara e que sua consistência é manter o apoio militar ou a ajuda econômica ao país contra a Rússia. No entanto, a proposta inclui um acordo para a Ucrânia ceder parte de minerais críticos relacionados com terras raras, lítio, grafite e outros que o território ucraniano possui em abundância para os Estados Unidos.

“Diga-se de passagem a Ucrânia tem cerca de 70%  de toda a reserva de lítio da Europa, então ela é super estratégica para os Estados Unidos nesse sentido. Só que os Estados Unidos claramente já disseram que é inviável a Ucrânia manter a integridade territorial, coisa que o Zelensky não aceita”, pontuou. 

A proposta da Europa

Por outro lado tem a Europa que desde o início também deu apoio irrestrito à Ucrânia contra a Rússia, e em grande parte do conflito esse apoio ocorreu por meio da Otan, com o então presidente estadunidense Joe Biden. Desta vez com Trump, o professor disse que a aliança deve perder força no cenário e que se divida as propostas dos EUA e dos países europeus.

Os países europeu propuseram a Zelensky um novo acordo com o estabelecimento de quatro fases para pensar a paz com a Rússia.

“Temos uma em que a Europa se compromete a manter os esforços militares da Ucrânia e a pressão econômica sobre a Rússia; Na segunda fase a ideia de que qualquer cessar-fogo necessariamente precisa respeitar a soberania e a segurança ucraniana; Uma terceira etapa que uma vez que a paz seja conquistada garantias para que a Rússia não venha a intervir novamente no território ucraniano; e a quarta etapa é criar uma coalizão de dispostos caso eventualmente a Rússia venha atacar novamente a Ucrânia e essa coalizão é uma espécie de aliança militar que faria parte não só os países europeus mas outros países do mundo”, explicou.

Diante das propostas apresentadas, o professor Giovanni Okado argumentou que para a Ucrânia estar junto com a Europa é se afastar dos Estados Unidos e estar junto com os Estados Unidos é se afastar da Europa. “Por isso que eu digo que está numa situação de encruzilhada histórica”, afirmou.

Assista a entrevista completa no Pauta 2:

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas. Nesta matéria, o ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.

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