Cerca de 80% da população brasileira acima de 16 anos, em algum momento da vida, se automedicou, ou seja, usou um medicamento por conta própria, sem recomendação médica. Os dados são de pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF), de 2019, encomendada ao Instituto Datafolha. Com a pandemia do novo coronavírus, a tendência é que essa estatística aumente de forma preocupante, já que não existe remédio para o vírus. É o que avalia a Infectologista do Hospital de Câncer Araújo Jorge, Cássia Godoy.

“O consumo tendeu a se acentuar com a epidemia do Covid. Se as pessoas usam por conta própria medicamentos já em períodos não críticos como esse, a Covid acaba trazendo essa ansiedade. Pelo medo, as pessoas acabam por aumentar essa automedicação”, analisa.

A responsável pelo acesso e regulamentação de medicamentos, se precisam ou não de prescrição médica é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que também fiscaliza a comercialização e o consumo dos fármacos no Brasil, inclusive dentro de unidades de saúde como hospitais.

A infectologista aponta as justificativas da população para o uso de medicamentos por conta própria, sem considerar os riscos, e que o problema pode estar dentro de casa ou até mesmo, atrás do balcão dos estabelecimentos.

“As pessoas argumentam que não têm tempo de procurar assistência, e reclamam da dificuldade de acesso ao atendimento, a uma consulta, ou que o atendimento não tenha sido claro, explicando porque sim ou porque não usar tal medicamento. Quem indica ou “prescreve”, ou seja, quem são os prescritores leigos? De uma maneira geral, 68% é a própria família”, afirma. “Em segundo lugar, o balconista (41%). Infelizmente nós temos no Brasil inteiro o balconista que não é nem farmacêutico, nem médico, não é uma pessoa que está capacitada para conhecer o medicamento e nem para indicar uma determinada situação clínica. Em terceiro lugar, são vizinhos, amigos, conhecidos, mais 27%”, enumera.

De acordo com Cássia Godoy, alguns dos sintomas para os quais as pessoas mais buscam a automedicação estão entre os causados pela Covid-19, como dor de cabeça, dor no corpo, febre, resfriado e tosse. E é aí, segundo ela, que mora o perigo.

“O mais preocupante é que as complicações da automedicação podem ser leves, moderadas, graves e até mesmo letais”, alerta.

Na última semana, o Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (Hmap), começou a usar o corticoide dexametasona no tratamento de pacientes graves da Covid-19. O uso é baseado em pesquisa da Universidade de Oxford, na Inglaterra, com 4 cerca de mil pacientes. No estudo, os pesquisadores observaram uma redução de 30% no número de mortes pela doença do coronavírus. Mesmo assim, Cássia Godoy recomenda cautela na utilização.

“Fazer isso em paciente grave, assumir uma conduta igual se assumiu no início, há alguns meses, de tentar usar hidroxicloroquina e tentar associar com azitromicina, é uma medida extrema, mas para o paciente que está muito grave na UTI. Fazer transfusão de soro de pacientes que já tiveram Covid-19 é uma prática que nós temos feito agora nos dois últimos meses aqui em Goiânia, inclusive. Nós estamos tentando nos pacientes muito críticos alguma solução, e à medida que a gente vai aprendendo que não vai dando certo, a gente vai desprezando, deixando para lá esses medicamentos que não têm efeito. Usar Anitta, que é nitazoxanida, usar ivermectina, é muito cauteloso, isso é remédio para verme, remédio que tem efeitos colaterais. A ivermectina se usa no gado, por exemplo, então tem que ter muito cuidado”, conclui.