ALEX SABINO – AL KHOR, CATAR (FOLHAPRESS) – Como futebol pode ser muito mais do que um esporte, a perspectiva de confronto entre Inglaterra e França na Copa do Mundo traz a lembrança da definição do pesquisador Richard Davies.
Em artigo no Jornal Francês de Estudos Britânicos, ele definiu que a relação entre os dois países jamais foi capaz de fugir de conflitos e rivalidades do passado. E que as memórias delas se transformam com frequência em pontos de referência em discussões e crises diplomáticas.
Com a tranquila vitória por 3 a 0 sobre Senegal neste domingo (4), a Inglaterra selou a classificação para as quartas de final para enfrentar os atuais campeões do mundo. Horas antes, a França havia despachado a Polônia por 3 a 1.
Os ingleses passaram décadas ironizando a inabilidade dos franceses para ganhar qualquer coisa em campo, apesar de apresentarem futebol bonito. A Inglaterra havia conseguido o título mundial em 1966. Só que o jogo virou. A França venceu as Copas de 1998 e 2018. Ficou com as Eurocopas de 1984 e 2000.
A Inglaterra se notabilizou por sempre ficar pelo caminho e falhar no momento decisivo. Foi assim em 2018, quando dominou a Croácia no primeiro tempo da semifinal do torneio da Rússia. Poderia ter goleado. Mas só fez um gol e perdeu na prorrogação. Se vencesse, enfrentaria a França na decisão.
Neste domingo, no estádio de Al Bayt, em Al Khor, demoraram a impor seu domínio sobre Senegal. Ismalia Sarr perdeu chance aos 21, com grande defesa de Jordan Pickford. Mas no momento em que Jordan Henderson abriu o placar aos 38, a partida só poderia ter um ganhador.
A Inglaterra tomou conta do jogo e ampliou nos acréscimos da etapa inicial com Harry Kane. Bukayo Saka completou aos 12 do segundo tempo.
A seleção tem batido na trave na sua busca por um troféu de expressão. Perdeu na semi em 2018 e foi finalista da Eurocopa do ano passado. Acabou derrotada nos pênaltis pela Itália.
A equipe chega à fase que foi a grande vilã em Mundiais passados, especialmente quando teve o que ficou conhecida como sua geração de ouro. O time que tinha David Beckham, Paul Scholes, Michael Owen, Wayne Rooney, Steven Gerrard e Frank Lampard perdeu nas quartas em 2002 (para o Brasil) e 2006 (para Portugal).
“Eu nunca fiquei tão frustrado em uma partida de futebol. Sabia que se ganhássemos, seríamos campeões”, disse Michael Owen à Folha em 2019, se referindo ao placar de 2 a 1 para a seleção brasileira na Copa Coreia/Japão.
O confronto com a França pode representar um divisor de águas para o futebol inglês. O típico jogo decisivo em que pode décadas, desde 1966, a equipe era derrotada. Tem o potencial para mudar a história e contra o país que é o seu maior rival fora dos gramados.
Inglaterra e França já estiveram envolvidos um contra o outro em 29 guerras diferentes. A primeira iniciada em 1109. A mais famosa ficou conhecida como a Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Os franceses tentaram intervir na Guerra das Rosas (1455-1487), a série de batalhas civis que mudaram a história inglesa e estabeleceram a dinastia dos Tudors.
Mesmo nos tempos modernos, ingleses e franceses não param de se estranhar. Em lados opostos no Brexit, a separação do Reino Unido da União Europeia, têm discussões e trocas de acusações sem fim sobre a passagem pelo canal entre Calais e Dover, usado por refugiados para chegar ao lado inglês.
Com o passar do tempo em Al Khor, o jogo perdeu todo o interesse e até os ingleses pararam de incentivar, já com a certeza da classificação. Uma parte deles foi embora, a partir dos 30 do segundo tenpo, talvez para guardar energia para a partida mais importante: contra a França.
Os que ficaram, começaram a cantar “God Save the King”, enquanto um grupo de senegaleses continuava sua batucada que durou os 90 minutos.
Derrotado o Senegal, a Inglaterra poderá ter pela frente o jogo de maior glamour do Mundial até agora. Será a disputa entre opostos, como sempre acontece entre os dois países. O artilheiro Harry Kane, referência do ataque inglês, contra Kylian Mbappé, já candidato a ser o melhor da Copa do Mundo e autor de cinco gols.
Rivalidades passadas em diferentes áreas continuam a ter negativo impacto nas relações entre franceses e britânicos, escreveu o pesquisador Richard Davies.
Agora será no futebol.
INGLATERRA: Pickford; Walker, Stones (Dier), Maguire e Shaw; Henderson (Phillips), Rice e Bellingham (Mount); Saka (Rashford), Kane e Foden (Grealish). T.: Gareth Southgate.
SENEGAL: Édouard Mendy; Sabaly, Koulibaly, Diallo e Jakobs (Ballo-Touré); Nampalys Mendy e Ciss (Pape Gueye), Diatta (Pape Matar Sarr), Ndiaye (Bamba Dieng) e Ismaila Sarr; Dia. T.: Aliou Cissé.
Estádio: Al Bayt Stadium, em Al-Khor (Catar)
Árbitro: Ivan Arcides Barton Cisneros (El Salvador)
Assistentes: David Jonathan Morán Santos (El Salvador) e Katie Nesbitt (Estados Unidos)
VAR: Drew Fischer (Canadá)
Cartões amarelos: Kalidou Koulibaly (SEN)
Gols: Jordan Henderson (ING), aos 38′, Harry Kane (ING), aos 47’/1°T, Bukayo Saka (ING), aos 11’/2°T