Depois de ter sido selecionada para produzir praticamente todos os eventos culturais do Estado, como o Fica e o Canto da Primavera 2012, a Oscip Instituto de Desenvolvimento Econômico e Sócio-Ambiental (Idesa) teve pela primeira vez sua qualificação questionada pela Procuradoria Geral do Estado, para executar o Canto da Primavera deste ano. Em um ano, a Secretaria de Estado da Cultura (Secult Goiás) já empenhou R$ 11,699 milhões para a Oscip realizar os principais festivais culturais do Estado.

No mês passado, a Secult Goiás precisou adiar o Canto da Primavera 2013 – que seria realizado em Pirenópolis entre os dias 25 e 29 de setembro – para atender a uma recomendação da PGE, que detectou um problema na qualificação do Idesa, que já havia sido selecionado para executar o evento. O procurador do Estado Alerte Martins de Jesus, chefe da advocacia setorial da Secult Goiás, explica que o decreto que havia qualificado a Oscip no âmbito do Estado o fez de forma restritiva, determinando que ela só poderia firmar termo de parceria com o Estado dentro do conceito de meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

Inicialmente, em seu parecer, o procurador entendeu que o aspecto cultural estava inserido, tacitamente, no desenvolvimento sustentável. Ele se baseou na Lei Estadual nº 15.731/06, que dispõe sobre a qualificação das Oscips e prevê que se o instituto atender pelo menos uma das finalidades contidas nos seus incisos, ele já poderia firmar contratos com o poder público.

Porém, quando o processo foi enviado ao procurador-geral do Estado, Alexandre Tocantins, houve o entendimento que a qualificação do Idesa não poderia ser interpretada de forma abrangente. “Um inciso da lei já tratava especificamente de cultura. Diante deste argumento, entendemos que era mais prudente não prosseguirmos com o termo de parceria. Foi mais por uma questão de interpretação, uma filigrana jurídica”.

O detalhe jurídico, no entanto, não foi observado pela Procuradoria Geral na realização do Canto da Primavera 2012, do 1º Festival Internacional de Música de Goiás (Figo), da produção e execução da Orquestra Filarmônica de Goiás e do 11º Festival do Teatro Nacional de Porangatu – TeNpo, edição 2012. Todos os eventos genuinamente culturais foram executados pelo Idesa. “O Fica, por exemplo, não teria problema porque se trata de um evento cultural, mas com foco no meio ambiente. O Figo nós não percebemos essa questão. Foram detalhes que passaram despercebidos. Não é que esteja errado, mas não é a melhor interpretação jurídica”.

Para estar qualificado na nova convocação pública do Canto da Primavera 2013, o Idesa solicitou à Casa Civil a derrogação (revogação parcial) do decreto governamental que a qualificou de forma restritiva. O instituto também solicitou permissão para atuar também na área cultural, alegando que já realizou outros eventos e que a própria PGE não se opôs a essa questão nas edições anteriores dos festivais. O governador Marconi Perillo (PSDB) assinou o documento nessa semana ampliando a qualificação do instituto.

O presidente do Idesa, Paulo D´Ávila Ferreira disse que o instituto vai concorrer no novo processo. A data da abertura das propostas será na próxima quinta-feira, 10. O festival foi transferido para novembro, entre os dias 6 e 10 de novembro.

Desconfianças
O fato do Idesa ser o responsável pela execução dos principais eventos culturais do Estado também levanta suspeitas de favorecimento e influência entre o instituto e a produtora cultural  A Construtora Música e Cultura. O presidente do instituto, Paulo D´Ávila Ferreira é pai de Eline Ferreira, uma das produtoras culturais responsáveis pela A Construtora Música e Cultura.

A produtora foi criada em 2011 por Fabrício Nobre, que foi superintendente de Ação Cultural da Secult Goiás até meados de junho deste ano. Coincidência ou não, na maioria dos festivais culturais executados pelo Idesa, a produtora conseguiu emplacar na grade de programação muitos artistas que são agenciados por ela.

No Canto da Primavera 2012, por exemplo, o Fora do Eixo – uma rede de coletivos que atua na área da cultura em todo o Brasil e que é uma grande parceira da A Construtora -, teve um espaço muito significativo na programação do festival. A informação que se tem é que, apesar de estar fora atualmente da Secult Goiás, Fabrício teria sido contratado ainda pela Oscip para ajudar na execução do Fica e Figo deste ano.

O Idesa tem sido o único instituto a concorrer nos concursos de projetos realizados pela secretaria para a execução dos festivais. Esse fato provoca questionamentos por pessoas do cenário cultural goiano e já foi motivo de preocupação na Secult Goiás. Porém, sob o ponto de vista jurídico, não há problema do Idesa ser o único interessado e habilitado no processo.

Produtores culturais afirmam que são poucas as Oscips que atuam na área cultural em Goiás. No entanto, o procurador diz que o adiamento do Canto da Primavera 2013 trouxe algo de bom: pelo menos duas Oscips devem participar do novo processo licitatório.

Quanto às suspeitas de favorecimento para a produtora onde sua filha atua, Paulo justifica que Eline trabalha na área cultural há quase 18 anos e que, no Estado, o círculo de profissionais que trabalham no meio não é tão grande para atender o movimento. “Você pega os cantores desses festivais e a maioria deles tem um empresário único. Se tiver outro participante no processo, eles vão pegar o orçamento de muitos profissionais que eu também pego, porque o círculo não é muito grande. Não vejo interesse em favorecer minha filha porque ela atua há muito tempo na área de cultura. Se tivesse que afastar alguém seria eu, para não tomar o lugar dela”.

O presidente do Idesa também explica que os cantores nacionais são escolhidos pela Secult Goiás para apresentação nos festivais. Quanto aos artistas regionais e locais, uma curadoria é responsável pelo processo de seleção. “A Oscip somente executa o que é determinado. Obviamente que entre 30 artistas goianos, um desses vai cruzar com a produção de alguém que eu conheço ou que você conhece. Nesse quesito, Goiânia ainda é pequena”.

No entanto, o fato de Fabrício Nobre, idealizador da produtora, ter atuado tanto tempo dentro da própria secretaria, e a empresa ter conquistado espaço na apresentação de seus artistas nos grandes eventos culturais do Estado, foi motivo suficiente para as desconfianças no cenário cultural goiano.