Em entrevista à Sagres, o ex-governador de Goiás, José Eliton, criticou a entrada de Goiás ao Regime de Recuperação Fiscal (RFF), autorizado na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A medida permite a renegociação da dívida que deixou de ser paga desde junho de 2019 e a suspensão do passivo por pelo menos mais 18 meses. Para José Eliton, a adesão ao RRF pode representar intervenção federal em Goiás.

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“Essa decisão do governo do Estado é um equívoco. Na visão do ministro Gilmar Mendes, naquele momento Goiás não se enquadrava no RRF, mas futuramente talvez sim. O que demonstra que em 2018 tínhamos as contas tranquilas, claro que com desafios e dificuldades que Goiás e outros estados enfrentavam, mas bastava que o atual governo estabelecesse uma política de austeridade fiscal. Ao invés disso, o governo atual optou por buscar um refinanciamento da dívida pelo estado sem as devidas contrapartidas de austeridade fiscal. E assim fica mais fácil, porque vamos viver sob uma intervenção federal na prática com pouquíssima capacidade decisória do governo do estado, cujo o grande prejudicado será o setor produtivo, porque teremos limitações de bens e serviços”, afirmou.

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Na decisão, Gilmar Mendes reconhece a defesa por parte da União de que o Estado de Goiás não estaria apto ao enquadramento no RRF, no entanto, diante dos dados apresentados, poderia ser enquadrado em uma razoabilidade de estar a caminho da falência.

“Com todas as vênias, é desarrazoado exigir a completa penúria do Ente subnacional para fazer jus às benesses da Lei Complementar 159/2017 apenas no ano subsequente. Tal interpretação apenas privilegia aqueles entes subnacionais mais perdulários em detrimento de outros que ainda não atingiram patamar de falência na gestão dos recursos públicos, mas que
podem estar a caminho (exercício financeiro atual). Guardadas as devidas proporções, fere a proporcionalidade e a razoabilidade deixar para auxiliar aquele que está na enfermaria, à espera de socorro, apenas quando estiver na UTI.”, argumentou.

Sobre as contas “tranquilas”, José Eliton elencou que deixou o governo em 2018 com parte da folha de dezembro paga, R$ 700 milhões em caixa e fechou o ano com uma dívida consolidada em R$ 19 bilhões. José Eliton voltou a frisar sobre o histórico de outros estados que ingressaram no RRF. “Com exceção do Rio Grande do Sul, que inicia agora um processo forte de austeridade fiscal, não não vemos nenhuma melhora efetiva nos outros estados que assim fizeram. Portanto, acho a decisão equivocada”, complementou.

Ao contrário da fala de José Eliton, a secretária de economia Cristiane Schmidt afirmou à Sagres nesta terça-feira (26) que assumiu a gestão da pasta em 2019 com o Estado em situação crítica e a entrada no RRF é necessária para que Goiás possa ter fôlego, já que o Estado estava gastando quase 100% da Receita Corrente Líquida com pagamento da despesa da dívida e folha dos servidores ativos e inativos. Hoje, a dívida com a União é de R$ 21 bilhões. “Não muda muito do cenário de 2019. A diferença é que eu paguei a divida externa do Estado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento”, disse a secretária Cristiane Schmidt.

Para José Eliton a saída para o Estado deveria ter sido pensada em 2019. “O governo deveria ter enxugado a máquina pública, no sentido de austeridade fiscal. Claro que teria repercussão nas políticas de investimento e de desenvolvimento, mas tem que readequar políticas importantes com olhar a longo prazo. Quando o governo faz a opção do ingresso na RRF ele pega outras perspectivas para o Estado. Em 2019, por exemplo, Goiás teve acesso a R$ 1,8 bilhão referente a depósitos judiciais privados que estavam depositados nas contas judiciais. Tentei fazer isso em 2018 e isso daria fôlego para o governo”, argumentou.

TETO DE GASTOS

O Estado enviou ontem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto de gastos à Assembleia Legislativa. A PEC determina o teto de gastos no Estado conforme inflação até 2027. A aprovação da proposta é necessária para que Goiás mantenha o teto até 2023.

Em 2018, Goiás rompeu o teto de gastos e isso fez com que o Estado fosse penalizado com uma multa de R$ 1 bilhão. Para que essa multa não fosse executada, o Ministério da Economia solicitou o cumprimento do teto por três anos consecutivos.

Sobre o rompimento do teto em 2018, José Eliton afirmou que naquela época havia um “arcabouço jurídico” para isso. “Era autorizado a contabilidade pública estadual atuar daquela forma, tanto é que os governos anteriores fizeram isso. Houve então uma atualização do entendimento do Supremo em relação a isso. Nós fizemos a gestão com muita responsabilidade. (…) Cheguei a dispensar um financiamento da Caixa Econômica de R$ 600 milhões por entender que aquilo poderia comprometer as contas públicas. Nenhum centavo foi aumentado da dívida no período que eu estive no governo. Tinha naquele momento um arcabouço jurídico que autorizava atuarmos daquela forma. Nós observamos a regra legal vigente à época”, justificou.