Jovem Apinajé aprovado em Medicina quer fazer a diferença na comunidade

TOCANTINS – Foi observando as dificuldades dos parentes na aldeia Butica, em Maurilândia no Tocantins, que Lucas Gomes Apinajé passou a se interessar pela área da saúde. Aos 19 anos, aprovado pela Universidade Estadual do Tocantins, Lucas é o primeiro da sua etnia a ingressar no curso de Medicina da Unitins.   

“Essa decisão (de cursar Medicina) aconteceu desde muito cedo. Eu comecei a ter o entendimento sobre o mundo e via que na aldeia, os mais velhos tinham dificuldades de se expressar no português e eu via a fragilidade da saúde indígena em atender essas pessoas. Vejo que faltam medicamentos, profissionais, a demanda é grande. Foi uma decisão de querer ajudar meu povo, de querer ajudar a dar uma saúde melhor e a forma que encontrei foi entrar na Medicina”, explicou o calouro.   

A vontade de retribuir à comunidade veio da observação, mas também do apoio que sempre recebeu. A mãe, Sheila Baxy Apinajé, sempre foi uma grande incentivadora de Lucas, e é nas palavras dela que ele se apoia para inspirar outros jovens a buscar a realização dos sonhos.   

“Foi minha sétima tentativa antes da aprovação, tive outros fracassos. Minha mãe sempre me apoiava me dizendo: ‘uma hora vai chegar a sua vez, porque você está estudando e seu estudo vai gerar resultado’. Eu quero aqui poder influenciar outros jovens a querer o mundo acadêmico, a desejar o mundo acadêmico, pode serem profissionais e entrar no mercado de trabalho para poder, no meu caso, contribuir com a minha comunidade”, afirmou.   

Desafio e celebração   

Assim como milhões de brasileiros, Lucas foi um dos jovens que enfrentou as dificuldades advindas da pandemia e o seu impacto na educação. Habituado ao ensino presencial regular, o estudante teve que se adaptar ao ensino à distância durante a sua preparação e também optou por fazer cursinho pré-vestibular em busca da aprovação – a notícia veio através de uma prima, que viu o resultado antes de Lucas.   

“Quando saiu o resultado eu não estava sabendo ainda, aí uma prima minha me ligou, me parabenizando, me dando as felicitações, que eu havia passado, nesse momento eu não estava acreditando, não tinha caído a ficha ainda. Logo eu entrei no site da instituição e confirmei e comecei a mandar pra minha mãe, pro meu pai, pros meus familiares, e todos me parabenizando, me dando felicidades dizendo que todo esforço gera um retorno”, lembrou o jovem. 

Lucas, ao lado do avô, o cacique José Ribeiro, durante ritual do Pepkaàk – Foto: Arquivo Pessoal

A celebração da conquista de Lucas contou com a realização do ritual do Pepkaàk (sem tradução para o Português) – que na cultura Apinajé abençoa e permite a ida do indígena em busca do novo conhecimento, retornando, posteriormente, com o aprendizado adquirido para que seja aplicado na sua comunidade.   

O ritual marca uma nova fase de maturidade, um novo tipo de conhecimento e foi conduzido pelo bisavô do calouro, cacique José Ribeiro. Segundo Lucas esse momento na comunidade o ajudou a se sentir mais confiante e confortável nessa nova etapa.   

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Sistema de Cotas   

Lucas Gomes Apinajé é o primeiro da etnia cursar Medicina na Unitins – Foto: Ananda Portilho/Governo do Tocantins

Para o professor Augusto Rezende, reitor da Unitins, a aprovação de Lucas é um reflexo do esforço do jovem, mas também da importância do sistema de cotas e pode servir de inspiração para outros jovens no Tocantins.   

“Quando isso acontece nós temos a certeza de que a Unitins está oportunizando, por meio do ensino superior e da aplicação da política de cotas – aprovada pela Assembleia Legislativa do Tocantins e implementada pela Unitins – a transformação dos cidadãos tocantinenses, dos povos originários e indígenas. Entendemos que ele terá esse olhar voltado para a comunidade dele, o que nos deixa felizes. Acredito que esse será mais um exemplo de sucesso que nasce da política de cotas”, pontou.   

Instituída com base na Lei Estadual 3.458 de 17 de abril de 2019, a política de cotas da Unitins destina atualmente 50% das vagas ofertadas no vestibular para estudantes de escolas públicas. Dentro desse recorte, a distribuição para pardos, pretos, indígenas e pessoas com deficiência é definida em congruência com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desde 2021, a universidade prevê vagas para cota indígena em todos os editais de vestibular.   

“Criamos uma banca de heteroidentificação para garantir uma análise criteriosa e científica da abrangência da nossa política de cotas, bem como Junta Médica para perícia nos casos das vagas para pessoas com deficiência. É importante ressaltar, ainda, que após o ingresso do cotista na Unitins, o nosso Núcleo de Apoio Psicossocial e Educacional (NAPE) faz o acompanhamento desse acadêmico durante todo a sua graduação”, explicou o reitor da Universidade.   

Recém-aprovado no vestibular, Lucas Apinajé acredita que o sistema de cotas é importante e que deveria até ser ampliado, para oportunizar a mais jovens o ingresso ao Ensino Superior.  

“Eu acho que o sistema de cotas não veio para menosprezar ou dizer que os índios, negros, quilombolas são menos inteligentes ou menos favorecidos. Pra mim o sistema de cotas dá uma oportunidade de essas comunidades de adentrar no meio universitário. De poder, ser um incentivo, para poder fazer faculdade”, avaliou.  

*Izabela Martins é jornalista e atua como correspondente Demá Sagres no Tocantins