Os Karajá, Tapuio e Avá-Canoeiro são os três povos indígenas que vivem em territórios demarcados em Goiás. Respectivamente, as etnias concentram-se em Aruanã, Vale do São Patrício e Minaçu, regiões Noroeste e Norte do estado. A demarcação tem por objetivo garantir o direito indígena à terra.

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No entanto, após décadas de extermínio e redução da população, as etnias seguem diariamente lutando por espaço. É o que explica a professora Lorrane Gomes da Silva.

“A gente tem hoje uma concentração da agroindústria e do agronegócio mais no Sul e no Sudoeste do estado, é justamente onde não tem povos indígenas. Isso também mostra um marco histórico. Se você pega hoje o mapa de Goiás, a expansibilidade desses povos está onde? Nesse movimento de desenvolvimento que aconteceu no estado. Se você pegar o mapa do Brasil, o movimento é o mesmo, porque a concentração está no Norte do país”, afirma.

Lorrane estuda os povos indígenas em Goiás há pelo menos 12 anos. Os Karajá, por exemplo, situam-se em três áreas descontínuas, sendo duas em Goiás, localizadas em Aruanã, e uma no Mato Grosso, separadas pelo Rio Araguaia.

De acordo com a pesquisadora, a cidade, a pecuária turismo na região são fatores que ameaçam a autonomia indígena do povo Karajá. Segundo Lorrane, não há um planejamento na região que atenda a essa etnia.

“Eles [os Karajá] vivem às margens desse não-planejamento. Em épocas de alta visitação turística, eles se tornam barqueiros, vendem peixe e têm uma organização deles próprios, mas não houve um planejamento local para atender a essa demanda”, afirma.

Professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e doutora em Gegrafia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Lorrane Gomes da Silva é co-autora do dossiê “Povos Karajá, Tapuio e Avá-Canoeiro: desafios da (re)existência”. Na pesquisa, ela mostra como o Rio Araguaia é considerado pelos Karajá como um dos elementos centrais para o desenvolvimento da vida no local.

À Sagres, ela aponta os impactos que atividades econômicas não-indígenas causam na realidade dos Karajá. “À medida em que o rio é um elemento de cultura de origem desse povo, o útero do povo Karajá, ele é, para o turista, uma mercadoria. Essa dualidade de visões a um mesmo elemento da natureza também impõe uma série de mudanças”, afirma. “Eles têm a cidade, o turismo e a pecuária pressionando, e isso acaba sendo uma ameaça”, complementa.

Realidade semelhante de resistência histórica contra investidas de violência física, social, cultural e epistêmica, vive o povo Tapuio. Localizado nas regiões entre os municípios de Crixás, Nova América, Araguapaz e Rubiataba, chamadas de “Carretão I e II”, a etnia também está situada em uma área cercada pela pecuária, já que se trata de uma região cortada por vários córregos.

“Os grandes pecuaristas encurralaram o povo Tapuio. De todos os ângulos em que se visita a terra indígena, é pecuária de todos os lados, e de grandes pecuaristas. A pecuária pressiona esse território de forma tão violenta que na demarcação isso ficou muito claro”, pontua.

Hidronegócio

Com cerca de 38 mil hectares de extensão, a reserva indígena dos Avá-Canoeiro, fica às margens do lago da usina hidrelétrica de Serra da Mesa, no Norte goiano. Das três, é a terra demarcada de menor concentração populacional, com somente dez indivíduos.   

Segundo a professor Lorrane, a possibilidade de expansão do Lago Serra da Mesa, que alimenta a usina, representa um risco à permanência dos Avá-Canoeiro na região.  

“É onde a gente tem a maior potência hidrográfica do estado. É um hidronegócio, que é o negócio da água. A usina de Serra da Mesa está bem centrada em Minaçu. O que pressiona a terra indígena Avá-Canoeiro desde o seu processo histórico é a usina, que já invadiu um terço da terra indígena na construção inicial do lago, e há sempre uma proposta de aumentar a ampliação desse lago”, relata.

Entretanto, de acordo com a professora, a região dos Avá-Canoeiro conta com uma Coordenação Técnica Local (CTL) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

“Os Avá-Canoeiro têm uma compensação em royalties, porque a energia elétrica é paga em royalties, e também há uma compensação pelos cabos de energia que passam [pelo local]”, esclarece.

O objetivo da CTL é potencializar o planejamento e a execução das ações de proteção nas terras indígenas. Segundo a professora, é a Funai quem administra os recursos advindos das compensações financeiras realizadas pelas empresas responsáveis pela usina. A pesquisadora questiona a ideia de isolamento atribuída à etnia.

“Os Avá-Canoeiro são considerados indígenas isolados e eles não teriam a capacidade de administrar os seus próprios recursos. É aí que há uma questão delicada que é: o que eles chamam de indígenas isolados? Porque, nos Avá-Canoeiro, não vejo isolamento algum, a não ser territorial. Eles viajam muito, eles falam português, têm uma conexão muito grande com o mundo”, argumenta.

Funai

A Sagres pediu posicionamento à Funai sobre a administração dos recursos destinados ao povo Avá-Canoeiro e sobre existência ou não de CTL nas terras indígenas Karajá e Tapuio, mas não obteve uma resposta até esta publicação. O espaço segue aberto.

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