Se você pesquisar na internet, a distância entre o Tocantins e os Emirados Árabes Unidos é de quase 12 mil quilômetros – e foi esse o trecho final do caminho percorrido por dois jovens tocantinenses, ativistas ambientais, que participaram da COP-28, realizada no final de 2023, em Dubai.
Mas até atravessar o Oceano Atlântico para participar da discussão global, Maria Gabriella Souza e Olavo dos Santos já trilhavam um caminho local no que se refere ao debate sobre as mudanças climáticas.
Aos 21 anos e natural de Porto Nacional, a cerca de 60km da capital Palmas, Maria Gabriella Rodrigues de Souza participou da 28ª Conferência do Clima da ONU através do Programa Operação COP – Jovens Embaixadores pelo Clima. Ela é aluna da faculdade de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
“O programa seleciona jovens universitários para uma experiência de serem negociadores pelo clima representando seus países. Acontece em vários países da América Latina, mas foi a primeira vez que aconteceu no Brasil. Mandaram o edital para o grupo de WhatsApp do meu estágio e vi ali uma oportunidade perfeita. Desde o início da universidade tenho muito interesse no estudo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, minha orientadora, professora Gleys Ially Ramos dos Santos me ajudou durante o processo para conseguir participar do programa e ter essa experiência de estágio com o Itamaraty. Quando me ligaram falando que tinha passado fiquei super feliz”, conta a jovem.
Maria conta que a sua trajetória no debate do clima começou através dos estudos étnico raciais e de gênero, e que ao compreender que essas pessoas eram as mais afetadas pela degradação ambiental – ao passo em que eram as menos responsáveis pelas mudanças climáticas, entendeu a importância de temas como racismo ambiental e justiça climática serem estudados e pautados. A ativista compartilha ainda como se identificou, de forma pessoal, com a agenda.
“Estagio como pesquisadora da temática na ONG ID Global há um ano, mas acho que como mulher negra, moradora do estado do Tocantins, sou afetada e tenho consciência disso há bem mais tempo. São 21 anos de idade e 21 anos que acompanho a degradação da minha região”, afirmou.
Natural de São Valério, município distante cerca de 200km da capital Palmas, Olavo Lisboa dos Santos, tem 22 anos e está se formando em Pedagogia pela UFT, na cidade de Arraias, região sudeste do estado.
“Em 2022 na disciplina de Direitos Humanos, fiz um trabalho sobre queimadas na região e em março de 2023 entrei para A Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática. Assim começou o meu interesse pelas discussões climáticas. No último módulo do curso da Coalizão Vozes do Tocantins, eu fui eleito para representar o grupo na COP. Isso em agosto, depois eu passei por preparação, aulas, momentos de informações acerca das principais questões que seriam discutidas. Isso era muito importante, pois foi a minha primeira Conferência”, contou.
A experiência
Estreantes em COPs, os jovens aproveitaram ao máximo a oportunidade inédita e única. Maria Gabriella explicou que estava acompanhando o diplomata brasileiro Daniel Machado nas discussões de Transição Justa e falou sobre a sua impressão na ocasião.
“Estava sentada nas mesas de negociação entendendo de perto como todas essas decisões são tomadas e como o Brasil atua nesses ambientes. Fiquei impressionada como nas discussões que acompanhei o corpo diplomático brasileiro se mostrou líder em trazer os temas que são realmente importantes para nós, que é a questão da justiça nessa transição, que os mais vulnerabilizados não continuem pagando por erros que não possuem nem 1% de contribuição”, destacou.
Maria Gabriella pontuou ainda que uma das discussões que mais gostou de acompanhar foram as da transição justa, que é o tema no qual atua há um ano no estágio, o que permitiu que a jovem tivess mais domínio para compreender as consequências práticas do que estava sendo discutido.
Já Olavo conta que a participação na COP-28 serviu para criar conexões e como motivação para seguir atuando na agenda ambiental.
“Foi muito boa, cansativa, mas boa. Principalmente, por conhecer algumas pessoas que já lutam a algum tempo contra a crise climática. As trocas, os painéis com discussões importantes, enfim, muito bom mesmo. Fiquei com mais vontade de participar de espaços como esses, voltei com mais ânimo”, explicou Olavo que afirmou ainda ter buscado participar de discussões que envolviam temas como o cerrado e racismo ambiental.
Encaminhamentos da COP
Um dos pontos que despertou mais atenção mundial no texto final da COP 28 foi a necessidade de eliminação do uso de combustíveis fósseis. Os jovens tocantinenses que participaram da Conferência do Clima confirmam a necessidade de que essa geração se faça presente nos debates e nas decisões que irão causar impacto direto no seu presente e futuro.
“Acho que pra minha geração essa decisão faz realmente um chamamento para estar nesses debates. Não é mais sobre o nosso futuro que estão negociando, é nosso presente! Que a juventude negra, indígena, quilombola do norte esteja nessas mesas de negociações, já vimos com decisões como essa que ainda não está sendo levado tão a sério a temática que tem matado muita gente há tempo demais”, alertou Maria Gabriella.
Olavo reforçou a importância da participação da juventude nas discussões e do papel do jovem na busca por soluções.
“É a nossa geração e das crianças que irão sentir por mais tempo as mudanças climáticas e o principal causador dessa crise são os combustíveis fósseis, temos que correr contra o tempo para pensar soluções necessárias para findar com eles. O papel da juventude é cobrar e lutar contra, e só juntos teremos chances contra os grandes capitalistas do petróleo”, afirmou.
Espaço aberto para a juventude
Para Maria Gabriella, o jovem brasileiro que quer começar a participar das discussões climáticas e se engajar com as causas ambientais tem uma gama de possibilidade, especialmente com a eminente realização da COP-30 no Brasil.
“Fui para esse Programa com Helena Branco (SP) e Guilherme Lima (RN) e o que sempre conversávamos entre nós era como tem lugar para todo mundo nessa luta, de como essa pauta é de todas, todos e todes. A COP30 será no Brasil e espero que a juventude brasileira seja protagonista. Minha dica é: comece agora! Com leituras sobre justiça climática e se juntando a grupos de jovens que estão nesse trabalho há mais tempo, temos muito que aprender uns com os outros, e uma longa preparação até 2025 em Belém”, afirmou.
Além disso, os criadores de conteúdo sobre o Clima para as redes sociais também podem ser inspiração para os jovens que estão se interessando pelo tema, conforme relatou Olavo.
“Acredito que existe várias formas de se engajar. Participando de discussões em eventos que envolva isso, pautando a importância do nosso Cerrado e nossas questões que envolvem os ataques as comunidades tradicionais”, pontuou.
COP no Brasil
Em pouco menos de dois anos será a vez do Brasil se tornar o centro das atenções mundiais no que refere às discussões climáticas. A COP-30, em Belém, é um marco para a América Latina e essencialmente para a Amazônia.
Para Maria Gabriella, a COP na América Latina tem muito potencial para avanços em cobranças históricas que o sul global tem feito aos países desenvolvidos.
“É fundamental que o centro dessa discussão seja o norte do Brasil, região que tanto sofre há tanto tempo com a degradação ambiental e os efeitos nas comunidades tradicionais e nos mais pobres. O Tocantins deve contribuir levando a pauta tão essencial de preservação do cerrado esse ecótono que dá vida a tantos outros biomas, e mais que isso cobrar os responsáveis por essa degradação, o agronegócio”, pontuou.
Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança do Clima.
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