A licitação para o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), obra faraônica a ser implantada no Eixo Anhanguera, mal começou a viagem, mas já caminha para o anúncio do vencedor: o consórcio composto pela Rede Metropolitana de Transportes Coletivos da Grande Goiânia e por uma das maiores empreiteiras do País, a Odebrecht. O consórcio foi o responsável pela elaboração do projeto básico para a implantação da obra e deve disputar a licitação, marcada para daqui a menos de um mês, no dia 2 de agosto. Orçado em R$ 1,3 bilhão, o projeto já foi colocado na lista de prioridade de órgãos fiscalizadores que prometem acompanhar as obras com uma lupa.

O consórcio foi o único a aderir ao Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), quando o governo contratou a elaboração dos estudos funcionais e básicos. Os trabalhos, concluídos em 2011, foram avaliados em R$ 8,8 milhões. A Lei de Licitações (nº 8.666/93) é clara ao vetar a participação do autor do projeto básico na licitação e na execução da obra. Porém, como a modalidade de concessão do VLT é baseada na Parceria Público-Privada, ninguém ficará surpreso se o consórcio ganhar o certame.

A Lei da PPP, ao contrário da Lei de Licitações, permite a participação do autor do projeto básico na disputa da licitação. Portanto, tudo leva a crer que o VLT se tornará um novo Maracanã, alvo de polêmicas, liminares e protestos. O questionamento do Ministério Público do Rio de Janeiro foi exatamente o fato de haver indício de favorecimento na licitação do estádio, uma vez que a IMX, do empresário Eike Batista, produziu o estudo de viabilidade e também integrou o consórcio vencedor.

Embora o governo possa utilizar desse arcabouço legal, caso o consórcio ganhe o certame, o processo licitatório já é colocado em xeque, uma vez que ele não prevê a igualdade de tratamento entre os licitantes. Esse é o entendimento do procurador da República e coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal de Goiás (MPF/GO), Hélio Telho. Para ele, se o consórcio disputar a licitação, ele já terá algumas vantagens em relação aos concorrentes.carlos maranhão

“Primeiro porque ele (consórcio autor do estudo) conhece com mais detalhes o projeto que ele mesmo fez, inclusive, eventuais necessidades de ajustes que fazem com que ele tenha uma vantagem na disputa com outros concorrentes. Em segundo lugar, ele pode ali na hora da elaboração do projeto, colocar alguma coisa que o favoreça e prejudique os demais concorrentes, ainda que isso não seja o melhor para o interesse público.”

A Odebrecht e as empresas de ônibus em Goiânia produziram todas as informações privilegiadas e necessárias para a elaboração do projeto, portanto, os demais interessados em disputar a licitação estariam em situação de dependência e desigualdade, tendo que elaborar suas propostas a partir das informações elaboradas pela própria concorrente.

Além disso, se outras empresas concorrerem e vencerem a licitação para a elaboração do projeto executivo, da obra e operação do sistema, elas terão de ressarcir os custos dos estudos anteriores bancados pelo consórcio Odebrecht/RMTC, avaliado em mais de R$ 9 milhões.

Nos bastidores do governo, circulou uma informação que o próprio grupo responsável pela obra, comandado pelo ex-presidente da Metrobus, Carlos Maranhão, teme a possibilidade de apresentação de embargos e recursos, logo após a publicação do consórcio vencedor. Para Hélio, se o governo já estaria antevendo problemas jurídicos, isso pode acender o sinal de alerta em relação ao processo licitatório.

Maranhão nega essa preocupação do grupo. “Não sei da onde tiraram isso, pois da nossa parte não foi. O pessoal que toca o projeto, que é o nosso grupo e a Secretaria da Região Metropolitana, não tem nenhuma preocupação”, garantiu. Maranhão explica que o grupo ficou três meses consultando técnicos da Controladoria Geral do Estado. “Fizemos o edital com o máximo de contribuição  e recomendação desse órgão. Então estamos tranquilos”.

Maranhão disse que muitas pessoas se confundem e quer analisar a licitação do VLT sob o ponto de vista da lei nº 8.666 e não sob o ponto da vista das leis da PPP. “A Lei das PPP não faz nenhuma restrição de quem faz o estudo de não poder participar do processo de licitação. Essa forma de bancar os estudos foi uma coisa nova no Brasil e que surgiu com as PPPs. Não tem nenhuma restrição e isso é o arcabouço legal por qual está andando essa licitação”.

 

Na mira do MPF
Apesar de o governo defender que a licitação está dentro da legalidade, o Fórum de Combate à Corrupção do MPF/GO, o Focco, deliberou na semana passada, a sugestão de criação de um grupo de trabalho para fazer uma auditagem no edital de licitação. O objetivo é verificar se o certame prevê alguma exigência que possa direcioná-lo em favor de algum consórcio. “A intenção foi de provocar a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria-Geral do Estado, para a formação de um grupo de trabalho entre esses órgãos, para fazer uma auditagem nesse edital e também olhar com mais atenção para o consórcio que já estava trabalhando na elaboração desse estudo”, contou Hélio Telho.

O procurador disse que encaminharia o pedido aos órgãos ainda nessa semana. Para Hélio, o grupo teria uma função de trabalho preventivo, para evitar que a obra seja suspensa antes mesmo de ser iniciada, como ocorreu no caso das obras do Mutirama e do aeroporto de Goiânia. Hélio não quer antecipar nenhuma avaliação sobre a legalidade ou não de qualquer um dos atos do edital da licitação sem uma investigação profunda e isenta do processo.

O problema é que não cabe ao Focco constituir esse grupo de trabalho, e sim os órgãos controladores. Como a abertura do edital de licitação está prevista para daqui a menos de um mês, o grupo teria que correr contra o calendário para analisar o certame  a tempo e constatar se existem irregularidades ou não. Mesmo se o grupo não for constituído, o MPF já está com uma lupa na mão para acompanhar o passo a passo as obras do VLT. “Afinal de contas, é uma obra de R$ 1,3 bilhão. Uma das obras mais caras em andamento no País e seguramente a obra mais cara do Estado”.

 

Detalhes
Segundo cálculos do governo estadual, 91,8% dos recursos que bancarão o empreendimento serão de empréstimos. O próprio grupo que vencer a licitação terá que bancar R$ 495 milhões. Maranhão disse que o governo do Estado já garantiu R$ 800 milhões entre recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), empréstimos e recursos que virão da iniciativa privada. Desse valor total, R$ 215 milhões são de recursos da União e o restante da iniciativa privada.

Se tudo ocorrer como o esperado, Maranhão prevê que a ordem de serviço da obra seja assinada ainda no final da primeira quinzena de setembro. A previsão de conclusão do projeto é de 2 anos. “Essa é uma obra diferenciada, porque já temos os financiamentos garantidos e existe a participação da iniciativa privada. A iniciativa privada não vai colocar dinheiro em uma obra que corre o risco de dar problemas, de não ser concluída”, disse o presidente do grupo, para justificar que o VLT não terá o mesmo destino de tantos outros projetos não concluídos pelos governos.

O edital foi lançado com mais de oito meses de atraso, pois a intenção do governo era lançá-lo em setembro do ano passado. Porém, o governo demorou enviar a documentação ao Tribunal de Contas do Estado, que ficou quase dois meses analisando o processo.

O VLT será composto por 30 trens, de duas composições cada, os trilhos terão um novo transporte que deverá alcançar uma média de 23,5 km/hora. O tempo de viagem deve ser reduzido de 72 para 36 minutos em um percurso de quase 14 quilômetros. Cada trem terá capacidade para 600 passageiros.

 

Desconfianças e questionamentos
O VLT sempre esteve envolvido por desconfianças e questionamentos. Em junho, surgiu a informação que o próprio governador Marconi Perillo (PSDB) já não demonstrava mais certeza se executaria uma de suas maiores promessas de campanha. No entanto, o receio foi colocado de lado e, no final do mês, o aviso de licitação internacional referente ao projeto foi publicado no Diário Oficial do Estado.

Apesar de o governo ter feito diversas garantias, principalmente aos comerciantes do Eixo Anhanguera que temem prejuízos econômicos com as obras, o projeto ainda provoca desconfiança de especialistas e autoridades. Como, por exemplo, se o VLT seria a opção mais viável financeiramente e operacionalmente e como ficará a Metrobus, que hoje opera as linhas do Eixo Anhanguera.