Nos últimos meses, o mundo presenciou uma sucessão de eventos climáticos extremos: alagamentos na Espanha e Inglaterra, um furacão de grande intensidade nos Estados Unidos e chuvas intensas no Rio Grande do Sul, no Brasil. Esses fenômenos, embora geograficamente distantes, compartilham um fator em comum: as mudanças climáticas globais.
De acordo com o cientista e doutor em física atmosférica, Paulo Artaxo, em entrevista ao Sistema Sagres, a frequência e intensidade desses eventos vêm crescendo de forma alarmante. “O aumento da energia na atmosfera, causado pelo aquecimento global, está diretamente relacionado à intensificação desses fenômenos”, explica.
Além disso, ele aponta que as alterações climáticas estão impactando regiões de maneiras distintas. “No Brasil, estamos vendo secas mais intensas na Amazônia e chuvas acima da média em outras áreas. No Atlântico Tropical, furacões estão se tornando cada vez mais violentos.”
Rio Grande do Sul
No primeiro semestre de 2024, a região metropolitana de Porto Alegre enfrentou chuvas intensas, resultando em alagamentos em bairros como Cidade Baixa e Partenon, além de transtornos em importantes rodovias, como a BR-116. Sendo assim, a alta do nível do Lago Guaíba e falhas nos sistemas de drenagem agravaram a situação, causando danos em infraestrutura e afetando milhares de pessoas.
As tempestades, intensificadas pelo El Niño e pelas mudanças climáticas, também provocaram quedas de árvores e destelhamentos, exigindo a atuação da Defesa Civil. Do mesmo modo, em Canoas e Sapucaia do Sul, vias urbanas e rodovias registraram acúmulo crítico de água, interrompendo a mobilidade.
De acordo com especialistas, o aumento da frequência de eventos extremos reflete a necessidade de melhorias em drenagem urbana, manutenção de sistemas de bombeamento e infraestrutura resiliente. Além disso, o fortalecimento do monitoramento climático é essencial para prevenir novos desastres.
Ação humana como catalisadora
O papel da humanidade no agravamento desses eventos é incontestável, de acordo com o especialista. “A ação humana é a responsável pelo aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos. O uso indiscriminado de combustíveis fósseis, o desmatamento de florestas tropicais e a falta de ações efetivas por parte de governos e empresas são os principais fatores.”
Apesar das evidências científicas, a resposta de líderes globais ainda é insuficiente. “O que temos observado é uma falta de ação contundente tanto de governos quanto de empresas, mesmo diante de alertas claros da comunidade científica”, critica o professor.
Nesse sentido, os efeitos desses desastres recaem de forma desproporcional sobre as populações mais vulneráveis, especialmente em áreas urbanas e rurais. “Cidades como São Paulo estão enfrentando inundações mais frequentes e intensas. Em contrapartida, Brasília registrou uma seca extrema de 164 dias sem chuvas em 2024, mostrando como diferentes regiões são impactadas de maneiras únicas”, destaca.
No campo, a escassez de água e os impactos na agricultura agravam ainda mais a crise econômica e social, colocando em risco a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas.
Furacão Milton
O furacão Milton, um dos mais devastadores de 2024, impactou severamente os Estados Unidos em outubro, especialmente a Flórida. Após começar como uma tempestade tropical, o fenômeno alcançou a categoria 5 no Golfo do México, com ventos de 260 km/h.
Essa rápida intensificação resultou em preparativos emergenciais, incluindo evacuações obrigatórias em condados como Pasco e Pinellas. Comparado ao furacão Irma de 2017, Milton exigiu a maior mobilização de evacuações no estado em anos.
Ao atingir a costa da Flórida, Milton já havia enfraquecido para a categoria 3, mas seus ventos de até 200 km/h causaram danos significativos em Tampa Bay, por exemplo. Estruturas foram destruídas, árvores derrubadas e diversas áreas, como Miami e Orlando, sofreram inundações. Chuvas torrenciais e rajadas de vento continuaram à medida que o ciclone avançava para o interior, afetando uma extensa área do sudeste americano.
As autoridades agiram rapidamente para minimizar os danos. O governador Ron DeSantis coordenou evacuações e abriu abrigos temporários, enquanto pedágios foram suspensos para facilitar o deslocamento de milhares de pessoas. Especialistas alertaram para os perigos das chuvas prolongadas e ventos fortes, que agravaram os alagamentos em áreas costeiras e urbanas.
Caminhos para a mitigação
Para mitigar os impactos dos eventos climáticos extremos, ações urgentes são necessárias. “Precisamos reduzir as emissões de gases de efeito estufa, eliminando o uso de petróleo e interrompendo o desmatamento de florestas como a Amazônia. Essa é a única forma de conter a intensificação desses desastres”, conclui o especialista.
“Os desastres climáticos, como ondas de calor, furacões e inundações, vão se tornar mais frequentes conforme aumenta a temperatura global. O impacto deles na nossa sociedade certamente vai crescer, à medida que sua intensidade também aumenta”, explicou o professor.
Ao ser questionado sobre a possibilidade de a temperatura global ser estabilizada no futuro, em cumprimento ao Acordo de Paris, o especialista fez questão de enfatizar a importância da ciência na análise do cenário.
“Não se trata de acreditar. A palavra ‘acreditar’ é para religião. No caso das mudanças climáticas, precisamos olhar para as evidências científicas. E essas evidências mostram que os eventos climáticos extremos vão se agravar à medida que as emissões de gases de efeito estufa continuam subindo. Até o momento, nenhuma conferência das partes, incluindo a COP29, resultou em ações efetivas para reduzir essas emissões.”
Alagamento em Valência
Os alagamentos em Valência, Espanha, ocorridos em novembro de 2024, são um dos desastres mais graves da história recente do país, gerando buscas intensas sobre o impacto das mudanças climáticas na região. Em poucas horas, a cidade foi atingida por chuvas equivalentes ao esperado para um ano inteiro, devido ao fenômeno meteorológico Depressão Isolada em Níveis Altos (DANA).
Este evento é provocado pelo encontro de ar polar frio com o calor úmido do Mediterrâneo, algo que está se tornando mais frequente devido ao aquecimento global. A tempestade causou danos significativos à infraestrutura. Vias foram destruídas, bairros inundados e o transporte ferroviário entre Madri e Valência foi interrompido, deixando milhares de passageiros isolados.
Estruturas urbanas e rurais também sofreram com a força das águas, incluindo pontes que desabaram e plantações devastadas, intensificando as preocupações econômicas e ambientais na região Em termos de impacto humano, as consequências foram trágicas. As enchentes já deixaram pelo menos 95 mortos, com dezenas de pessoas ainda desaparecidas.
Ponto de não retorno
A entrevista também abordou a possibilidade de um “ponto de não retorno” nas mudanças climáticas. De acordo com o professor, ainda há tempo para evitar cenários catastróficos, mas isso exige medidas urgentes e concretas.
“Estamos a tempo de evitar o ponto de não retorno. Isso está muito claro nos relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.”
“No entanto, precisamos acabar com a exploração e o uso de combustíveis fósseis, interromper o desmatamento de florestas tropicais e iniciar a construção de uma sociedade sustentável, com menores emissões e uma economia baseada em energias renováveis”, concluiu.
Chuvas na Inglaterra
A tempestade Bert, que atingiu o Reino Unido no final de novembro de 2024, provocou alagamentos devastadores, resultando na morte de pelo menos cinco pessoas. A forte chuva e ventos intensos causaram transbordamentos de rios, quedas de energia e interrupções no transporte rodoviário e ferroviário.
Além disso, milhares de pessoas ficaram isoladas em áreas inundadas, e dezenas de alertas de inundação foram emitidos, especialmente em regiões vulneráveis.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima
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