O parquinho passava pelas regiões pelo menos uma vez por ano. Ficava uns 90 dias e neste período era os pontos de encontros. De segunda a sexta-feiras funcionavam das 18:00 às 22:00 e aos sábados e domingos o dia todo. Era sempre o mesmo. Não tinha muitos brinquedos, mas a movimentação era grande.

O carrossel tinha as cadeiras fixadas na parte superior com correntes. Eram vinte lugares. Quando o giro começava as correntes abriam para as laterais e dava a sensação de liberdade com o vento no peito de todo mundo e jogando os cabelos das moças para trás.

As canoinhas eram compartimentos para duas pessoas amarradas em uma vigota de madeira. Esta vigota era sustentada por dois triângulos de vigotas, pelos lados, que tinham pouco mais de um metro abaixo do travessão de baixo, para ficar enterrado no chão. Parecia um “A”. Na parte de cima, onde as duas vigotas laterais se encontravam, encaixava a que recebia as cordas das canoinhas.

Tinham este nome, porque o compartimento onde as pessoas se sentavam, uma de frente para a outra, tinha a estética de uma canoa. Eram cinco ao todo. Uma meio metro distante da outra. Nas laterais de cada lado duas cordas eram amarradas na vigota de cima. Duas cordas desciam da vigota superior para o interior do brinquedo. Um pegava numa ponta, o outro na outra e cada um puxava a sua ponta revezadamente. Aos poucos a canoinha ia subindo mais, voando para um lado e para o outro. Moças de vestido ou saia não brincavam na canoinha, pois o vento levantava a roupa.

Miralva não se importava com isto e bastava um chamar que ela ia. Era a alegria dos adolescentes campineiros. A maioria já tinha ido para atrás das moitas dos muitos lotes vazios com ela. Vivia com a mãe, Maria do Socorro (gostava deve ser chamada de Help) que saía à noite para trabalhar no Buracão das Leitoas e ela ficava ali soltinha e sem juízo. Sumiu de lá quando o Divino Vaqueiro quis morar com a Help e ambas foram viver no Cedro, um povoado do município de Trindade, próximo da fazenda onde ele trabalhava.

O parquinho ainda tinha um trem fantasma. Entrava de um lado e ia caminhando até sair do outro lado. Tudo escuro. Nas curvas ascendiam luzes de uma vez e apareciam caixões, caveiras, monstros de acrílicos que pareciam muito com os que eram mostrados nos filmes de terror. Cada fantasma que aparecia, vinha junto com um som cavernoso e assustador. Os rapazes gostavam de levar as moças pois em cada susto era um abraço agarrado no escuro.

A barraca do tiro ao alvo era muito concorrida. Os brindes ficavam numa tábua ao fundo. Numa distância de 10 metros os atiradores disparavam. As armas eram espingarda de pressão. Dobrava ao meio, voltava para o ponto normal, colocava a rolha na ponta do cano e pregava fogo. Acertar aquilo já não era fácil e quando acertava, as rolhas eram leves e muito dificilmente o brinde caía. Se não caísse no pano, não ganhava. Mesmo assim os adolescentes adoravam.

Os brindes eram carteiras de cigarros e umas caixinhas de papelão cheias de serragem com o nome da prenda escrito. Um dia o Itamar, filho do seu Djalma sapateiro, saiu de lá com as mãos cheias. Derrubou um monte de brindes. Não voltou lá mais.

O malandro tinha levado tachinhas de pregar solado de sapato e enfiado nas pontas das rolhas. Ficaram pesadas e onde acertaram, derrubaram o brinde no pano. Como sabia que depois que as rolhas fossem recolhidas o golpe seria descoberto, não voltou lá mais. Era tudo muito bonito. Pintado de vermelho, azul e amarelo. Muitas luzes.

O que mais tinha eram bancas de jogos. De argola para laçar refrigerantes e bebidas. De pescaria para pescar bichos de pelúcias, bonecas, bolas e carrinhos de plásticos, pião, bilboquê, trouxinha com 10 bolinhas de gude. Tinha ainda as salas de jogos com roletas, carteado, bingo e domino. Nestas só entravam adultos.

Refrigerante, cerveja, coxinha e pastéis eram vendidos numa barraca ao lado dos carrinhos de cachorro-quente e pipoca. Lá perto também ficava o homem que vendia algodão doce e balão cheio de gás que vinha amarrado na linha e ficava suspenso no ar.

Um jovem de voz bonita anunciava as músicas. Falava o nome da música, quem havia pedido e para quem dedicava. Martinha, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Vanusa, Wanderley Cardoso, Valdirene, Os Incríveis, Jerry Adriane eram os mais pedidos.

Tinha alguns pedidos para as músicas sertanejas: Nenete e Dourinho e Miltinho Rodrigues eram os mais pedidos, mesmo assim bem menos do que os artistas da jovem guarda. Cada pedido de música custava dez cruzeiros novos. Ia na barraca, pedia a música.

Preenchia a ficha com os dados a serem falados pelo locutor e ficava esperando. Tinha música que levava mais tempo lendo os pedidos do que a duração da canção. Mas ninguém se importava com isto. Estava sempre lotado. Era 1967. O parquinho chegava após o período de chuva e ia embora quando a chuva estava de volta.

Normalmente entre final de maio e início de setembro. Era mágico estar no parquinho. Mesmo os que não tinham um centavo no bolso iam, só para conviver com aquele clima de magia no ar.

Foi lá que o Juvenal conheceu a Helena. Ele era fortão, trabalhava lavrando dormentes para a estrada de ferro. Mulato, baixo, peito largo e bunda grande. Foi junto com o Adeguimar e foram balançar na canoinha.

O Adeguimar trabalhava na mesma função e também era fortão. Baixinho também, sem um dos dentes da frente e moreno claro do cabelo lisinho. Ambos eram fregueses assíduos do Buracão das Leitoas. Ambos conheceram muito bem a Help.

Foram balançar na canoinha e como eram fortes impressionaram todo mundo. O brinquedo quase virava sobre a vigota que servia de travessão central. O parquinho parou para ver e quando o tempo deles acabou, compraram outro bilhete, voltaram para a fila e balançaram na canoinha de novo e pararam o parquinho outra vez.

A Helena vendia os bilhetes da canoinha. Na segunda ida para comprar o bilhete ela piscou para o Juvenal. Ele piscou pra ela: – “Posso te esperar quando o parquinho encerrar as atividades hoje?”- quis saber o mulato, enquanto aguardava o bilhete: – “Hoje, não. Amanhã às nove da manhã, na pracinha do campo do Atlético” – respondeu a moça pela portinhola por onde recebia o dinheiro e entregava o bilhete.

Rosto arredondado, cabelo loiro, olho verde, brinco de ouro na orelha. Foi tudo o que o Juvenal pode ver. Foi para a segunda rodada na canoinha. Quando saiu tomou uma cerveja na barraca das bebidas, perdeu um dinheiro nas argolas tentando laçar uma garrafa de Bacardi e foi para o alojamento onde morava.

Pelo caminho foi sonhando no ouvido do Adeguimar: “Ela que piscou pra mim. É uma brasa, mora (Roberto Carlos falava isto na televisão e os jovens repetiam). Loira, olho verde, carinha redonda igual de anjo. Tô gamado” – falava com euforia.

Acho que além das mulheres do Buracão das Leitoas, não havia conhecido mais nenhuma.
O Adeguimar quis saber como ia fazer para sair às nove horas do serviço: “Vou sair cedinho e o Clero (era o encarregado nas lavragens dos dormentes) nem vai ver. Quando chegar falo que tive dor de dente, fui cedinho no Mauricio dentista, que só abriu o gabinete às 10 horas e tá resolvido”.

Naquela noite nem dormiu direito. Só pensava naquele rostinho angelical.
A pracinha do campo do Atlético está lá até hoje, no cruzamento da Rua Senador Jayme (antiga Catalão), com a Avenida Perimetral. Atualmente é ocupada por um trailer de sanduíche. Em 1967 tinha um canteiro central com grama e roseiras e uns banquinhos de cimento em volta. No meio do canteiro central tinha um Flamboyant responsável pela sombra agradável do lugar.

Juvenal acordou cedinho. Colocou a camisa estampada, a calça faroeste, calçou o sapato de ir à missa, se perfumou com o Lancaster do Adeguimar e rumou pra pracinha, antes que o Clero acordasse. Tomou café lá na Panificadora Pão de Ouro e comprou um Sonho de Valsa para a moça. Das seis e meia às nove andou por ali.

Olhando sempre lá na pracinha. Não queria chegar primeiro para impressionar a moça. Enquanto fazia as andanças ia sonhando. Se desse certo se casaria e construiria uma família. Nove e cinco viu de costas uma loira do cabelo cumprido sentada no banco da pracinha. Apressou o passo de acordo com as batidas do coração. Quando chegou mais perto se assustou.

A moça não tinha mais do que um metro. Era anã. Rostinho bonitinho, carinha de anjo, bundinha curvada para trás, pela lordose da coluna e perninhas grossas e curtas: – “Entrei pelo cano e vou sair pela torneira” – disse pra si mesmo. Ela o viu e sorriu um sorriso largo, fitando os dois olhos verdes sobre o mulato. Ele continuou a caminhada até o banco.

Ela estendeu a mãozinha: “Prazer, Helena”. Ele levou aquela mão grossa de lavrador de dormentes em direção a mãozinha dela: “Prazer, Juvenal”. Ficou sem assunto e sem ação. Ela viu o constrangimento e quebrou o gelo: “Não gostou de mim, estou vendo”.

Sem jeito ele arrumou a desculpa: – “ Amanheci com dor de dente e só vim porque não queria te deixar esperando. Olha o que trouxe pra você” – tirou do bolso o Sonho de Valsa e entregou a ela. Sorridente ela respondeu: – “Quanta finesse”.

Ele que nem sabia o que era isto já cuidou das despedidas: “Vou ter de ir ao dentista e a noite, se estiver melhor, vou lá no parquinho para marcar um novo encontro”. Ela desceu do Banco (dava no joelho dele), se despediu, abriu a sombrinha vermelha e saiu Perimetral acima. Ele desceu a Catalão com passadas largas. Contou o Adeguimar. A desculpa com o Clero colou e ele não foi mais ao parquinho.