Na quarta-feira, 24, o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Edson Ferrari, baixou uma portaria convocando o conselheiro Celmar Rech e interrompendo seu período de férias sob o argumento de se atingir o quórum mínimo estabelecido pelo regimento interno e, assim, deliberar as matérias que forem pautadas. A portaria impediu que o auditor Cláudio André Abreu Costa estivesse em plenário, mesmo estando em plenas condições para tal. A justificativa do documento se baseia em dois pontos principais: a possibilidade iminente de apresentação e a anotação de licença médica por parte da conselheira Carla Cíntia Santillo; e o afastamento do auditor Marcos Antônio Borges.
Contudo, os motivos pelos quais o presidente do TCE baixou a portaria são ilegais por uma série de razões. Todo ato administrativo deve ser pautado por fatos e normas. Porém, ao fundamentar a portaria na “possibilidade iminente de apresentação de licença médica por parte da conselheira Carla Santillo”, o presidente incorreu em ilegalidade, pois a conselheira não pediu licença, nem apresentou qualquer justificativa para não estar presente na sessão do dia 25. Logo, como aponta o procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC) junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), Eduardo Luz Gonçalves, esse argumento é despido de qualquer tipo de concretude. “O presidente se pautou em um acontecimento futuro e incerto”, diz.
A outra justificativa – a das férias do auditor Marcos Borges – também é falha, pois consultando o diário eletrônico de contas do dia 13 de junho é possível verificar que as férias do referido auditor se encerraram no dia 23 de julho. Ou seja, no dia 25, o auditor teria plenas condições de estar presente. “Logo, o fundamento se mostra falacioso na medida em que é desprovido de veracidade”, relata o procurador.
Além disso, Gonçalves afirma que o presidente deixou de levar em consideração alguns fatos que tornaria insustentável a convocação do conselheiro Celmar Rech: os conselheiros Sebastião Tejota e Milton Alves não estão formal e legalmente afastados de suas atribuições. “Ou seja, eles deveriam estar presentes, tanto é que o conselheiro Tejota participou da reunião de câmara no dia 24 de julho, da qual participei. Portanto, a portaria é ilegal por várias razões, além de implicar ainda na inviabilização das funções legais do auditor Cláudio Costa, que é o substituto natural do conselheiro Celmar Rech.”
Até o fechamento desta reportagem, o presidente não respondeu às tentativas de contato da reportagem, mas, durante a sessão do dia 25, Edson Ferrari declarou que a conselheira Carla Santillo entregou pedido oficial de licença médica e que o auditor Marcos Borges também oficializou pedido para estender suas férias até a quinta-feira, 1º.
Possíveis motivos
Informações de bastidores dão conta que na pauta da sessão de quinta-feira, 25, estava previsto pelo auditor Cláudio Costa, então substituto legal do conselheiro Celmar Rech, uma matéria contra o presidente do TCE, Edson Ferrari. A matéria tratava da representação do procurador de contas Fernando Carneiro que pedia fiscalização por parte do Tribunal referente a 32 leis aprovadas pela Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) durante o primeiro semestre de 2010. Todas versando sobre quadros de pessoal da administração pública e disciplinando enquadramentos, progressões, promoções e alterações remuneratórias.
Em relação a essa representação, o presidente teria impedido sua distribuição e a arquivado monocraticamente, isto é, sem passar pelo Plenário. O auditor iria apresentar a matéria, mas antes que tivesse a oportunidade, o presidente baixou a portaria convocando de volta o conselheiro Celmar Rech, tirando, assim, o auditor de suas funções como conselheiro substituto.
Na representação, o procurador Fernando Carneiro pontua que o conjunto de leis aprovadas causaria “e continuará a causar expressivo impacto na despesa total com pessoal, situação essa que poderá agravar sobremaneira as contas públicas, que aparentemente se encontram em situação delicada.” Pelo site do Tribunal é possível ver que a representação saiu do gabinete da presidência direto para o Serviço de Arquivamento, onde ficou 285 dias antes de seguir para o Serviço de Publicações e Comunicações, de onde foi para o gabinete da conselheira substituta Heloísa Helena Godinho e retornou para Publicações e Comunicações.
Sob pressão, portaria é aprovada em plenário
Durante a sessão plenária da quinta-feira, 25, o auditor e conselheiro substituto Flávio Rodrigues pautou matéria para questionar a portaria baixada pelo presidente Edson Ferrari no dia anterior. E durante a etapa de discussão, a conselheira Heloísa Helena foi contundente ao afirmar que não concordava com a portaria e, consequente, interrupção das férias do conselheiro Celmar Rech.
“Não estamos debatendo se podemos nos ausentar ou não, pois todos temos intercorrências pessoais e nos afastamos das sessões. Por isso que no âmbito dos tribunais, seja no Judiciário ou no de Contas, há um substituto legal. A decisão de férias permanece com o Tribunal Pleno, que não decide acerca da concessão das férias, mas sobre as férias, ou seja, se irá conceder, suspender, interromper, etc. É o que diz a legislação e o que nós, do ramo do direito e aqui homens públicos, sabemos que é uma regra a ser obedecida. No caso de força maior, o senhor [presidente Edson Ferrari] até poderia baixar uma portaria, mas somente em caso extremamente excepcional e não sob meras suposições acerca do que poderia ocorrer na semana seguinte”, relatou.
Heloísa continuou dizendo que na quarta-feira, 24, seria dia de sessão da 2ª Câmara, que não se realizou, devido à portaria do presidente. “Apesar de todas as providências tomadas pela presidência para assegurar a realização das sessões, malferindo as funções do auditor [Cláudio Costa], que estava legalmente substituindo o conselheiro [Celmar Rech], a sessão de câmara não se realizou. Isto é, o problema ficou. Hoje está ocorrendo sessão e o conselheiro Tejota está aqui.” Neste ponto, o discurso de Heloísa Helena foi interrompido pelo conselheiro Milton Ferreira. “Mas não havia matéria para ter sessão.” Ao que recebeu a seguinte resposta: “Havia matéria, mas porque houve troca de nomes pelo conselheiro Celmar, essa matéria sumiu da pauta, que passou a estar vazia. E essa mudança fez com que a sessão não ocorresse.”
Após todas as discussões, a matéria foi votada e a nulidade da portaria foi negada. Os conselheiros Milton Ferreira e Sebastião Tejota votaram contra a nulidade e os colegas Flávio Rodrigues e Heloísa Helena votaram a favor. O conselheiro Celmar Rech, sob pressão, se declarou inapto a votar, pois a questão dizia respeito a ele. Porém, disse que aguardaria a decisão e, se fosse o caso, retomaria suas férias imediatamente “com muito prazer.” Empatado, coube ao presidente Edson Ferrari dar o “voto de Minerva”, ao que foi questionado pelo procurador-geral de Contas, Eduardo Luz, e pelos conselheiros Flávio Rodrigues e Heloísa Helena, pois ele decidiria sobre sua própria ação. Contudo, alegando se tratar de ato administrativo, o presidente seguiu os primeiros conselheiros e também votou contra a nulidade, mantendo Celmar Rech em serviço.
Heloísa Helena, entretanto, questionou o presidente dizendo que não se trata de ato administrativo e sim de ações de controle externo e que, portanto, não caberia à presidência desempatar. Não ouvida, a conselheira, então, pediu que constasse em ata sua discordância.