A cidade de Goiás elegeu no último domingo (15) a primeira vereadora negra do município. Elenizia da Mata de Jesus (PT), de 38 anos, recebeu 476 votos. Também foram eleitas outras duas mulheres para compor a Câmara Municipal do município a partir de janeiro de 2021. Ao todo, 13 mulheres já ocuparam uma cadeira no Legislativo da Cidade de Goiás, mas nenhuma delas era negra.

Professora de Letras, a nova vereadora é natural de Goiânia e mudou-se para Matrinchã aos 9 anos de idade. Anos depois foi para a Cidade de Goiás para cursar Letras na Universidade Estadual de Goiás (UEG). Após a graduação, fez MBA em Gestão do Terceiro Setor e se especializou em Direitos Sociais do Campo.

Integrante do movimento negro, em 2011 Elenizia recebeu da Câmara Municipal de Goiás, o título de cidadã Vilaboense, maior honraria concedida pelo munícipio que foi constituído em sua maioria por negros.

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Em entrevista ao Sagres Online, Elenizia falou sobre como ela encara essa responsabilidade. “Claro que é uma oportunidade muito singular, mas também diz muito do racismo estrutural. A nossa história foi narrada só a partir do lugar da cor, então a gente sabe sobre preto a partir do que? Da escravidão! No máximo, a gente tem Zumbi dos Palmares. Nós estamos aqui há 132 anos desde a assinatura da Lei Áurea e agora que conseguimos ter uma mulher com o poder da caneta. Isso diz muito do quanto a gente não respeita e não valoriza a contribuição das pessoas pretas”, enfatizou.

“Nós não estamos contadas adequadamente na história. Quem foram os abolicionistas que trabalham aqui na Cidade de Goiás? Porque tivemos! Nós tivemos mulheres: Rosas Gomes, Leodegária de Jesus que publicou antes de Cora Coralina, com 16 anos, era uma mulher preta. Então ao mesmo tempo que vejo com gratidão, vejo com esse sentimento, de que é necessário fazer justiça para as pessoas pretas. A ausência de poder para as pessoas pretas é um ato injusto. Dar poder legitimo às pessoas pretas é reduzir as desigualdades e as injustiças”, destacou.

Essa é a primeira eleição que Elenezia disputou. Para ela, as pessoas negras, principalmente as mulheres, precisam ocupar os lugares de poder.

“Não dá pra gente ficar achando que homens vão fazer a revolução por nós. Depois de estudar e pesquisar muito sobre gênero durante a minha especialização, comecei a perceber que a gente precisa apropriar-se desses espaços de poder. E quando se fala de uma mulher preta, essas questões são ainda mais intensas. Estamos hiper representadas em espaços destituídos de mobilidade e sub representadas nos espaços nobres”, afirmou.

“Uma cidade de quase 300 anos nunca ter tido um prefeito preto ou uma prefeita preta… São quase 300 anos de história, nós somos a mãe de Goiânia, então historicamente nós mulheres e pessoas pretas sempre tivemos intencionalmente afastadas dos espaços de poder. A luta exige que pessoas se coloquem a disposição da política para mudar também de cima para baixo e não só de baixo para cima”, ressaltou.

Candidatos quilombolas nas eleições 2020

Nas eleições municipais deste ano, cerca de 500 quilombolas se candidataram em todo o Brasil, de acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais e Quilombolas (Conaq). O número representa um aumento de 40% em relação ao pleito de 2016.

No entanto, a entidade contabiliza que só cerca 350 estão, de fato, comprometidas com pautas coletivas. A nova vereadora vilaboense explicou que muitas pessoas negras não se reconhecem como tal.

“Consciência de classe e de raça a gente aprende, tanto para poder se libertar, quanto para poder libertar os outros. Então, reconhecer-se preta e entender o significa ser preta e assumir a luta exige reflexão. Muitas vezes, eu detestei muito ser preta, destetei muito ter o cabelo que eu tenho, precisei ser curada por muita gente forte, para poder sair desse lugar. Isso significa que eu preciso continuar na militância que eu já faço, para o futuro, vejo a ampliação das lutas antirracistas”, salientou.

Representatividade

A falta de representatividade não está presente só na política e se estende a outros ambientes. Elenizia revelou que quando criança não tinha muitas referências de mulheres negras e hoje, vê que pode se tornar uma referência para as novas gerações.

(Foto: Isa Chaves)

“Recebi mensagens de mães escrevendo que suas filhas negras estavam dizendo que eram a Elenizia, com a minha foto nas mãos. O símbolo tem muito poder. Porque que eu desejava ter franjinha quando que era criança? Porque todas as imagens que chegavam até mim eram imagens de mulheres empoderadas com franjinha. As caixas de boneca que eu recebia tinham sempre uma boneca branquinha, os desenhos animados, os livros, não tinham nenhuma princesa preta. O máximo que eu tinha de referência preta, que eu olhava e ficava feliz, era aquela menina negra do Castelo Ratimbum, só aquela, aquela é a lembrança que eu tenho”.

“Quando eu cresci um pouco mais, tinham as capas de caderno com a Isabel Fillardis e com a Taís Araújo, fora isso eu tinha um olhar estereotipado, que era da globeleza, que me custou muito, pelo fato de ser uma mulher jovem e com características próximas. Há essa ideia de que a negra – inclusive nem chamam de negra, o que é totalmente violento conosco – a “mulata”, é o lugar do samba, da cama e da cozinha. Então a ausência de representatividade é algo muito grave. O poder precisa ser ocupado por mais pessoas, pessoas com literalmente a cara do povo. Nós somos a maioria dessa cidade e agora que conseguimos colocar uma cara de mulher preta na Câmara, e que compreende o que é ser preta”, finalizou.