ESTÊVÃO GAMBA E SABINE RIGHETTI / SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cientistas vinculados a instituições de pesquisa brasileiras publicaram pelo menos seis artigos científicos sobre varíola dos macacos neste ano. Apesar de o assunto ter crescido por aqui, a produção ainda engatinha, o que pode ter relação com a falta de investimentos públicos específicos para as pesquisas.
Os trabalhos publicados até agora envolveram principalmente pesquisadores da USP, da UFRJ e dos hospitais Emílio Ribas (SP) e Evandro Chagas (RJ). Um deles foi comandado pela imunologista Ester Sabino, da USP, que ganhou notoriedade ao ter sequenciado o genoma do coronavírus em menos de 24 horas no início da pandemia de Covid. O genoma é uma espécie de retrato de todos os genes.
Dessa vez, ela coordenou o sequenciamento do genoma do vírus que causa a varíola dos macacos, seguindo a mesma metodologia (aprimorada) que já havia usado para o zika e para o coronavírus. O “retrato” saiu ainda mais rápido: a amostra do primeiro caso de varíola dos macacos no Brasil chegou ao laboratório dela em torno de 16h. Às 11h do dia seguinte, o genoma estava pronto.
“A tecnologia agora está aprimorada para qualquer vírus”, diz Sabino. O trabalho foi publicado em junho na Revista do Instituto de Medicina Tropical, com participação de colegas de instituições internacionais como o Imperial College London e as universidades de Oxford e de Edimburgo.
O principal ponto do estudo, diz Sabino, é a metodologia do mapeamento do genoma do vírus. “Se você não conhece o agente causador de uma infecção, o tratamento fica ainda mais difícil, assim como o desenvolvimento de testes de diagnóstico e de vacinas.”
Historicamente, o Brasil assina 29 publicações sobre a varíola dos macacos –com o primeiro artigo publicado em 2000. Agora, em 2022, pesquisadores brasileiros publicaram mais sobre o tema do que nos últimos cinco anos (de 2017 a 2021) somados. O número de artigos científicos de brasileiros sobre o assunto –trabalhos acadêmicos revisados e públicos– dobrou em relação ao ano passado.
Globalmente, a quantidade de trabalhos acadêmicos sobre varíola dos macacos aumentou nove vezes quando a doença se tornou uma emergência global de saúde pública. No ano passado, foram publicados 35 artigos científicos sobre o tema no mundo. Neste ano, já são 305 trabalhos.
Quem lidera essa produção acadêmica são os Estados Unidos (com 84 artigos científicos), seguidos pela Inglaterra (32), Índia e Itália (ambos com 21 trabalhos). No ranking de produção na área, o Brasil ocupa 23º lugar –atrás de países como Colômbia (16º) e Nepal (19º).
Entre os trabalhos publicados por pesquisadores do Brasil, houve também um posicionamento na Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn). Em editorial publicado em agosto, cientistas defenderam que associar a doença a homens que têm relações sexuais com outros homens aumenta o receio de hostilização pública.
“Relacionar a orientação sexual com o vírus monkeypox [varíola dos macacos] não faz qualquer sentido, já que existem opções de comunicação que se podem mostrar igualmente efetivas, como, por exemplo, focar na prática de relações sexuais entre indivíduos infectados, sem categorizar sexualidades”, disse o responsável científico pela publicação, Álvaro Francisco Lopes de Sousa, na época da divulgação do texto.
Os autores do editorial –de Lisboa (Portugal) e da UFBA (Universidade Federal da Bahia)– se ancoraram em fatos históricos como o surgimento do vírus HIV/Aids há cerca de 40 anos. Na época, o direcionamento da informação para homens que fazem sexo com homens contribuiu para protelar o diagnóstico dos infectados.
Também há participação de cientistas brasileiros em estudos sobre varíola dos macacos com foco na Europa e em países como o Paquistão. Poucos trabalhos, no entanto, são centrados no cenário nacional –o que pode estar relacionado à falta de recursos específicos para o tema.
Para se ter uma ideia, não há, até agora, editais específicos voltados para o financiamento de pesquisa sobre varíola dos macacos nas grandes agências de fomento à ciência brasileiras. Em sentido oposto, os recursos para pesquisa científica no país têm despencado há alguns anos.
Recentemente, por meio de uma Medida Provisória recente considerada “manobra” do presidente Jair Bolsonaro (PL), o orçamento de R$ 9 bilhões do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) deste ano fica limitado a R$ 5,6 bilhões –com expectativa de liberação de cerca de R$ 2 bilhões.
O sequenciamento do genoma do vírus da varíola dos macacos, da imunologista Ester Sabino, por exemplo, foi incluído em um projeto dela que já estava em andamento sobre arbovírus (vírus transmitidos por hospedeiros como mosquitos). O financiamento era da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Agora, pesquisadores da USP estão se dedicando a cultivar o agente causador da varíola dos macacos em linhagens celulares. De acordo com dados da Plataforma Brasil, base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos, há cerca de dez projetos de pesquisa em varíola dos macacos aprovados por comitês de ética em todo o país.
Os dados de produção científica sobre varíola dos macacos são da base internacional Web of Science, que reúne mais de 12 mil periódicos científicos de todo o mundo. É a mesma utilizada na coleta de dados do RUF – Ranking Universitário Folha. A extração foi feita no último dia 8. Também foram analisados dados da Plataforma Brasil, do Ministério da Saúde.
Leia mais: