A Rádio França Internacional (RFI) denunciou nesta quinta-feira (20) que há falhas de sustentabilidade na abertura de uma avenida que visa melhorar a mobilidade em Belém (PA) para a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30). O veículo de comunicação francês destacou irregularidades na obra de duplicação da rua da Marinha e na construção da Avenida Liberdade.

Segundo a RFI, uma floresta está sendo desmatada para abrir a avenida que deve diminuir os engarrafamentos entre Belém e sua região metropolitana, mas o projeto é para favorecer o trânsito de carros particulares e não o transporte público. Roberta Rodrigues, diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirmou que a obra atende interesses do mercado imobiliário e de grupos específicos da cidade e criticou o foco de sua existência.

“Tem obras que não têm nada a ver e que, para mim, são altamente contraditórias sob a perspectiva da agenda da COP e das mudanças climáticas. São obras rodoviaristas e a política para o carro a gente sabe como é: quanto mais espaço você der para o carro, mais carros vai ter”, disse.

Os especialistas ouvidos pela rádio francesa argumentam que as obras serão “irrelevantes para a realização da COP” e que não favorecem a adaptação da cidade às mudanças climáticas. Também arquiteto e urbanista, Lucas Nassar afirmou que muitas obras para a conferência estão sendo realizadas sem “nenhuma compatibilidade com a nova agenda urbana sustentável”.

Contradição com o evento

As COPs são o principal evento da ONU para discussão de compromissos climáticos globais e a deste ano ocorrerá no Brasil, no estado do Pará, em novembro. Escolhida como cidade-sede, Belém está passando por obras de adaptação para receber milhares de conferencistas de todo o mundo.

No entanto, os especialistas denunciam que há contradição entre as obras e o que será discutido na cidade, no final do ano. A Avenida Liberdade, por exemplo, está sendo construída numa área de mata nativa da Amazônia, portanto, uma Área de Proteção Ambiental (APA).

“O impacto é gigantesco, numa área que é uma APA e na lei da APA diz que não pode ter. Não poderia. Você compromete um manancial, áreas onde vivem comunidades tradicionais, quilombolas”, destacou Roberta Rodrigues. A avenida irá passar no meio da floresta e agora há preocupação sobre a possibilidade futura de uso da área. “Dizem que não vão ter propostas de uso dessas áreas a médio prazo, sendo que vão fazer uma rodovia ali, ao longo?”, questionou a arquiteta com preocupação.

Linha em vermelho mostra como avenida vai cortar área de proteção ambiental, em Belém (Imagem: Relatório de Impacto Ambiental/Governo do Pará)

Possíveis danos

A comunidade quilombola do Abacatal está localizada há apenas pouco mais de um quilômetro da futura avenida,  que terá 13 quilômetros e quatro pistas. Na área de floresta também vivem répteis, aves e mamíferos, que irão conviver com riscos de atropelamentos, de acordo com um relatório de impacto ambiental realizado pelo próprio governo estadual em 2023.

“Para os animais aquáticos poderá haver perda ou morte devido a possível alteração da qualidade da água nos rios e igarapés gerados pelos eventos indiretos de erosão ou ainda podem estar relacionadas a descartes de efluentes”, apontou o relatório.

Mais irregularidades

A questão da rua da Marinha é o seu prolongamento que para ser feito o governo estadual está desmatando áreas de vegetação às margens da rua. Segundo os especialistas, esse prolongamento é uma reivindicação antiga dos militares que estão instalados na região.

“Os militares, as diferentes forças, têm feito isso de uma maneira que eu considero muito irresponsável em relação à cidade, porque eles negociam essas áreas de reservas verdes, que têm uma importância ambiental para Belém gigantesca, e que depois viram shopping center, condomínio fechado de alto padrão”, disse Rodrigues.

Com problemas de aplicação dos recursos nas obras da própria COP 30, a professora da UFPA se preocupa com a adaptação de Belém às mudanças climáticas, sendo que um dos assuntos que será debatido na conferência em novembro é justamente a resiliência das cidades.

“A gente está perdendo uma grande oportunidade de mudar alguns padrões, e usar não apenas a oportunidade em termos de captação de recursos – porque Belém nunca teve tanto dinheiro sendo investido ao mesmo tempo como agora –, mas para a gente fazer a mudança de chave que toda e qualquer cidade vai precisar fazer”, afirmou.

*Com informações da Rádio França Internacional

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima.

Leia mais: