Estamos de olhos abertos para propostas mirabolantes”. Estas palavras foram usadas pelo secretário estadual de Esportes, Rafael Rahif, para descartar a terceirização do Estádio Serra Dourada. Um alívio para os sensatos que querem o bem do futebol goiano e que têm respeito pelo patrimônio público. A fala do secretário foi feita numa entrevista ao Sistema Sagres de Comunicação, pelo âncora Rafael Bessa, no programa Toque de Primeira, da Rádio Sagres 730. A entrevista foi pautada por duas manifestações de interesse na Parceria Público Privada (PPP), que garante a transferência de propriedades públicas para gestões terceirizadas.

Manifestaram o interesse o Vila Nova, através do seu diretor de patrimônio, Leonardo Rizzo e a empresa W Torres. No caso do Vila Nova, já escrevi aqui neste espaço que o clube não tem a menor condição para assumir este compromisso. Seria um negócio de risco para o Estado e letal para o Vila Nova. A W Torres tem estrutura e conhecimento de causa e certamente faria para si um grande negócio, que poderia ser bom para o governo de Goiás, mas para os clubes seria de alto risco, já que teriam de pagar o valor estipulado pela empresa para jogar ali e nunca se sabe até onde esta cifra pode ir.

O Serra Dourada foi inaugurado em março de 1975 e até o final dos anos de 1990 era reconhecido como dos mais belos do Brasil. Placar eletrônico de ponta, jardins suspensos entre a arquibancada e a área de autoridades e imprensa, canteiros florais nos vãos internos por onde os presentes transitam, cabines de transmissão confortáveis e funcionais, banheiros conservados com presença de um funcionário em cada um, evitando a depredação. Nos vestiários toda estrutura necessária para o conforto e necessidades técnicas das equipes e arbitragem. Sala de aquecimento com piso adequado, duchas frias e quentes, banheiras para relaxamento (rigidamente higienizadas após cada utilização). O campo de jogo, uma das poucas coisas ainda elogiadas, sempre esteve ente os melhores do Brasil. No lado externo havia os jardins entre o piso inferior do estacionamento e o superior das bilheterias e portões de acesso. Na cobertura cabos para-raios de última geração e em todas as juntas de dilatação (encontro entre um lance de concreto e outro) estavam devidamente isoladas com material esborrachado que acompanha o movimento da estrutura, já que o concreto tem variações mediante o tempo de uso e as condições climáticas (embora poucos saibam).

O Serra Dourada era um orgulho para todos os desportistas goianos e nós da crônica esportiva gostávamos de contar sobre ele, quando viajávamos para acompanhar os clubes goianos, comparando suas virtudes, com as deficiências dos outros estádios.

Os anos de 1990 chegaram ao fim e houve alteração no quadro político/administrativo do Estado. Saiu Maguito Vilela, ex-jogador de futebol e fanático pelo esporte, e entrou Marconi Perillo. Maguito foi o último dos governadores do PMDB, que mandou no Estado após a redemocratização do País, até 1998. Marconi foi o primeiro governador do chamado Tempo Novo, que mandou no Estado de 1999 até 2018. Enquanto o PMDB venerava e até tirava proveito eleitoral das ações estruturais do esporte, Marconi guinou os rumos da gestão para a implantação de Distritos Industriais nos municípios, estruturação da UEG, programa Bolsa Universitária, além de trazer para a gestão de alguns setores as Organizações Sociais, entre outras ações, que seu governo batizou de “modernização”. Não cabe aqui nenhuma análise política de quem fez melhor, já que o tema não é este.

Para o Estádio Serra Dourada, o Tempo Novo foi ruim. Como o futebol não estava dentre as prioridades, o Estádio foi deixado em segundo plano, com reduzido investimento, que se limitava a reformas estéticas, quase sempre mal feitas. Jardins desapareceram no lado externo e interno, infraestrutura sucateou, contratos com parceiros políticos para utilização do espaço de prestação de serviço (bares e lanchonetes) e do espaço publicitário reduziram a renda fixa. De acordo com Rafael Rahif, o atual governo recebeu o Serra Dourada com um déficit anual de R$ 5 milhões. Este valor já foi reduzido para R$ 1,8 milhão. E assim o Estádio ,que já esteve entre os mais belos do Brasil, acabou naquele monte de concreto, com um campo de futebol no meio.

Mas o secretário estadual de Esporte tem razão: o Serra Dourada é viável e mesmo exigindo altíssimo investimento para voltar a ser o que foi, ele se paga e gera lucro. Contratos estão sendo revistos, locações para shows no estacionamento estão tendo valores reestudados os estudos preliminares mostram que só com estas duas ações a relação despesa/receita já se equilibra.

Há ainda a possibilidade de locação do espaço interno para eventos não esportivos e a participação percentual nas rendas dos jogos, que seriam lucratividade nada pequena para o poder público. A isto soma-se a manutenção no patrimônio estadual de uma edificação levantada com dinheiro do povo e exime o risco de expor os clubes goianos aos abusos de valores implantados por uma possível empresa terceirizante.

Getúlio Vargas disse com propriedade que “um homem público que se apresenta para administrar a máquina pública, tem a obrigação de zelar pelo bom funcionamento e conservação de todo o patrimônio, e quem não dá conta desta missão é mais um farsante que esconde a incompetência atrás de justificativas”. Seu GV tem razão. Mesmo com as dificuldades financeiras que o Estado atravessa, o investimento na recuperação do Serra Dourada é viável e se assim não fosse, a iniciativa privada, que trabalha exclusivamente em função do lucro, não teria interesse em assumir o Estádio, que é só do Estado de Goiás, dos clubes goianos, dos torcedores goianos e não pode ser repassado a outras mãos.